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Por Ianker Zimmer, publicado pelo Instituto Liberal

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A História cultural da Rússia pode ser classificada como um caso à parte no mundo. De tamanho continental, num horizonte que toca Ocidente e Oriente, o país passou por um processo de “ocidentalização” em meados do século XVIII, com o tsar Pedro, o Grande (1672 – 1725), que cravou estacas na fronteira com a Europa e, ali, decidira construir a conhecida São Petersburgo.

Em 1703, os russos estavam em guerra com os suecos e buscavam um lugar o mais próximo ao oeste para construir um forte. Pedro, então tsar russo, cavalgava à frente de doze cavaleiros num pântano próximo ao rio Neva, perto da costa do mar Báltico. A Rússia não tinha saída para o mar. Aquele, então seria o lugar: “aqui haverá uma cidade”, disse o tsar. O lugar pantanoso não era ideal para construir-se uma cidade. Ao escavar, encontrava-se água a um metro de profundidade no chão, mas ali fora construída a fortaleza do tsar Pedro. A partir disso e das vitórias dos russos sobre os suecos entre 1709 e 1710, a cidade passou a ganhar força.

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A construção do palácio Shetemetev foi um exemplo da tentativa de ocidentalização da Rússia por Pedro, começando por São Petersburgo. Leiamos, de acordo com a obra Uma História Cultural da Rússia, de Orlando Figes:

“A história do palácio é num microcosmo do plano de Pedro de estabelecer a cultura ocidental em solo russo. Ele foi construído num terreno pantanoso concedido em 1712 pelo tsar a Boris Shetemetev. […] O presente de Pedro foi um dentre vários a servidores ilustres. Eles receberam ordens de construir palácios em estilo europeu […]”.

Esse arcabouço arquitetônico o jovem tsar herdou de suas viagens pela Europa, que tiveram como objetivo trazer a Europa para dentro da Rússia – ou fazer da Rússia uma Europa. Andou pela Alemanha, Holanda e por Londres, onde visitou o observatório, o arsenal, a Royal Mint (casa da moeda britânica) e a Royal Society. Estudou artilharia e buscou o máximo de informações para transformar a “Rússia num Estado Europeu Moderno”. E São Petersburgo era a nova capital construída sobre lodo e banhado. Mas o sonho do tsar de transformar São Petersburgo numa mini-Europa tornou-se uma obsessão absoluta.

“Na nova capital, tudo pretendia forçar os russos a adotar um modo de vida mais europeu. Pedro disse aos seus nobres onde morar, como construir as suas casas, como se deslocar pela cidade, onde ficar na igreja, quantos criados manter, como comer em banquetes, como se vestir e cortar o cabelo, como se comportar na corte e como conversar na sociedade instruída. […] Essa regulamentação obsessiva deu a São Petersburgo a imagem de lugar hostil e opressor” (FIGES, 2018). Nas viagens, Pedro aprendeu sobre tecnologia para tornar a Rússia uma potência militar.

A cidade se desenvolveu e ficou conhecida no mundo por sua rica cultura, com nomes como Dostoiévski, do sombrio Raskolnikov de Crime e Castigo. Na época do tzar, no entanto, não havia Parlamento na Rússia de Petersburgo e Moscou. Os periódicos não passavam de panfletos do império. Assim sendo, a única saída para fazer-se crítica social no país – que maltratava seu povo – foi mediante a cultura, sobretudo pela literatura.

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Com isso, no século XIX, surgem os círculos revolucionários, como o Petrashevski, que chegou a ser frequentado por Fiódor Dostoiévski, preso por isso pelo imperador Nicolau I. Depois sentam-se na cadeira os czares Alexandre II, que reinou de 1855 a 1881; Alexandre III, que governou de 1881 a 1894; até o “último Romanov”, Nicolau II, que assumiu o controle do império russo do final do século XIX até a Revolução Russa de 1917, que veio calcada na promessa de “liberdade ao proletariado”.

Os facínoras Lênin (este logo morreria após a revolução, em 1924), Trotski e Stalin trucidaram seus críticos, tidos como adversários mortais. Era quase impossível fazer crítica política e social e permanecer vivo. Para criticar o Partido Comunista, era necessário estar disposto a ser jogado nos gulags, arquétipos para os campos de extermínio nazistas, ou levar um tiro na nuca.

Isso de um lado. De outro, o meio artístico – os poetas, os romancistas, os dramaturgos e os pintores – tinha total liberdade para fazer propaganda do Partido Comunista. Jornalistas já não existiam. Eram escribas dos bolcheviques.

Entre a classe artística, encontrava-se o poeta – tão amado no Brasil – Vladímir Vladímirovith Maiacovski (1893 – 1930), que, na verdade, de poeta nada tinha: era um panfletário bolchevique “puxa-saco” de quinta categoria com olhos vendados para os massacres promovidos pelos comunistas, os mesmos que prometiam liberdade e criticavam o tsar opressor.

No Museu da Revolução, há um acervo com mais de três mil cartazes pintados por Maiacovski, além de mil escritos poéticos, todos para a batalha bolchevique. Os cartazes eram impressos em vagões militares , levando ao pé as legendas, para serem logo afixados nos pontos em que sua necessidade mais se fizesse sentir. Leiamos um poema de Maiacovski, datado de 1918, período transitório pós-revolucão:

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“Camaradas, às barricadas!

Eu digo:

Barricadas da alma e do coração!

Eu digo:

Só é comunista verdadeiro

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aquele que queima as pontes de retirada”

(Ordem n° 1)

“Eu – genial ou não –

o que abandonou as frivolidades

para trabalhar na Rosta”

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(Ordem n° 2)

Ainda em 1918, escreve o poema À esquerda:

“Em frente, marche! Basta de falar!
Hoje tem a palavra o Camarada Mauser!
[…] À esquerda, à esquerda, à esquerda!
Em frente, à conquista dos Oceanos!
Tendes canhões em vossos navios de aço. Já esquecestes como os fazer falar?
Que a coroa abra uma goela quadrangular, que o leão britânico ruja, que importa?
A comuna está em marcha e manterá a vitória!
À esquerda, à esquerda, à esquerda!
[…] Nossos estandartes aos milhares avermelham o céu.
Só a rota dos traidores é que conduz à direita.
À esquerda, à esquerda, à esquerda!”

Outro de seus clássicos, talvez o mais relevante, foi o poema dedicado a Lênin, Vladímir Ílitch Lênin, que se tornou um livro. Poupá-los-ei, no entanto, do longo e repugnante conteúdo do “poema”.

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Maiacovski liderou frentes para organização da classe artística da já então URSS, em prol da Revolução Bolchevique e, em seguida, para o Partido Comunista. Durante a NEP, a Nova Política Econômica iniciada por Lênin em 1921 e findada por Stalin em 1928, de acordo com a narrativa comunista, houve um “irrompimento da jovem literatura soviética, no qual o ‘debate crítico’, artístico e literário atingiu uma amplitude e um auge nunca antes vistos em nenhuma parte do mundo” (GUERRA, 1983).

Não havia “debate crítico”, no entanto. A parte comunista da classe artística estava organizada para fazer panfletarismo aos bolcheviques, ao leninismo e a Stalin.

Em fevereiro de 1930, cita Guerra, Maiacovski ataca os construtivistas numa conferência na Associação de Escritores Proletários em Moscou: “Eles esqueceram que, ao lado da revolução, existe uma classe que conduz essa revolução. Eles se servem de uma esfera de imagens já utilizadas, repetem o erro dos futuristas: a admiração pura e simples da técnica, eles a retomam no domínio da poesia. Isso não é admissível na poesia proletária […]”.

Maiacovski trabalhava com afinco pelo Estado, pelo comunismo, pela nova Rússia, composta pela então URSS. “Assim aparelhado, desdobrava-se em atividades […] sem desdenhar de servir à propaganda do Estado. Em trecho de carta a Lila Brik em 29 de dezembro de 1926, o “poeta” relata parte de seu dia: “Às dez e meia li versos no quartel de um destacamento de cavalaria do Exército Vermelho. A uma e meia regressei a Rostov e recitei na Associação de Escritores Proletários. Terminei às quatro e cinquenta minutos, e às cinco e trinta recitei no Clube da fábrica de Lênin…”. Assim era a rotina do poeta: disseminar o comunismo em todos os cantos e, sobretudo, condicionar a classe artística a serviço de Stalin. Lembremos do último verso do poema lido por Maiacovski em 1930 à Associação de Escritores Proletários em Moscou: “Isso não é admissível na poesia proletária”.

Porém, o fim da URSS, qualquer pessoa que conhece o mínimo de história conhece. Talvez o acidente da Chernobyl de Gorbatchov (1931 -), oitavo e último líder da União Soviética, sendo Secretário-Geral do Partido Comunista do país de 1985 a 1991, tenha sido o estopim para escancarar ao mundo o atraso e a irresponsabilidade comunista. Em 26 de abril de 1986, o reator 4 da usina nuclear de Chernobyl explodiu e lançou material radioativo na atmosfera, principalmente onde hoje está localizada a Ucrânia – aquela que teve de 9 a 11 milhões de mortos por Stalin. Contudo, o mesmo material radioativo se expandiu por vários lugares, como a própria Rússia, Suécia e chegando até ao Canadá. Com isso, em 9 de novembro de 1989, a queda do Muro de Berlim foi o marco mundial da derrocada e da vergonha do socialismo idealizado por Lênin e Trotski perante o mundo. O jornalista e escritor Diego Casagrande define bem sobre a questão: “Ninguém derrubou a URSS. Ela caiu de podre porque o socialismo é podre. É ruim”.

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A parte final do texto foi apenas uma breve “escapada” para contextualizar o que se tornou o fim do lixo defendido pelo “poeta” Maiacovski. Suas “poesias” revolucionárias inflamaram milhões de idiotas úteis revolucionários, muitos deles incautos cegos pela propaganda comunista, que contribuíram para massacres e genocídios.

Voltemos agora, entretanto, ao campo cultural. Entra em cena o Brasil. Tirem as crianças da sala e apertem os cintos!

O panfletarismo no Brasil

A história do comunismo no Brasil é indissociável de Luiz Carlos Prestes. Sobre isso escrevi em meu livro A filosofia do fracasso: ensaios revolucionários (2020). Mas vamos aqui atentar para o gênero opinativo no jornalismo, que teve no Brasil Luiz Beltrão e José Marques de Melo seus grandes pioneiros nos estudos e no delineamento dos gêneros. O gênero opinativo é dividido por outros subgêneros, entre eles o artigo, a coluna e o editorial. Porém, com as redes sociais, surgem os canais no YouTube, Telegram e páginas no Facebook em que se pode emitir opinião. Ou seja, todos podem emitir opinião. Ela é livre. Entretanto, minha crítica é destinada àqueles que não atentam para a diferença entre elogiar governos, algo natural e que eu mesmo faço, e ser um panfletário na mídia, como foi Maiacovski. Pode-se fazer panfletarismo, contudo; mas fazer isso com disfarce de articulista formador de opinião é maiacovskismo. De Bolsonaro a Lula, há maiacovistas por todos os lados carregando bandeiras em vez de oferecer conteúdo crítico para reflexão à sociedade.

Numa democracia, qualquer panfletário tem o direito de opinar. Faz parte do jogo político; mas – alerto! – tenha cuidado com formadores de opinião. Filtre bem quem você segue, lê, ouve ou assiste. Não caia no conto de que o bom opinador é aquele que diz ou escreve o que você quer ouvir ou ler. Não entre na bolha maiacovskiana de propaganda de políticos. Assim como a propaganda de Maiacovski cegou milhões de soviéticos, muitos formadores de opinião no Brasil fazem piadas com uma pandemia que já ceifou 400 mil vidas e caminha, a passos largos, para meio milhão de mortes – e sem perspectiva para um fim.

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O Brasil é diferente da Rússia pré-moderna de Pedro, o Grande, e, outrossim, da URSS stalinista do século XX – ou seja, vivemos em uma democracia. Temos um “Parlamento” representativo que pode criticar o Executivo, exceção feita à Suprema Corte, que não é afeiçoada ao contraditório. Como bem alertou Rui Barbosa, o Judiciário é o pior dos Poderes quando estabelece uma tirania, sendo que deveria ser o contrário, segundo Edmund Burke (1729 – 1797), que em Reflexões sobre a Revolução na França discorreu: “A justiça, por si só, é o maior fundamento político da sociedade civil […]”. O filósofo inglês John Locke (1632 – 1704), conhecido como o pai do liberalismo e peça-chave no desenvolvimento teórico do contrato social nos tempos da Revolução Gloriosa, também disse: “Onde não há lei, não há liberdade”.

Churchill (1874 – 1965), por sua vez, teria dito que a “democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Escrevi sobre isso dia desses; mas os três Poderes, apesar dos problemas, são instituições de nossa democracia que devem ser respeitadas sob garantia de nosso Estado de Direito. Ressalto que, neste ponto do texto, não questiono a democracia. Apenas levanto como reflexão o fato de que a expressão “democracia” tem sido usurpada, às vezes estuprada (sem eufemismos, por favor), por muitos falsos democratas, filhotes de tiranos, que escondem-se sob o teto dessa palavra. A Venezuela, por exemplo, considera-se uma nação democrática. Nicolás Maduro é herói democrático para os revolucionários brasileiros do PT, do PSOL e do PCdoB. Aliás, sobre democracia, Burke também discorre: “A afirmação de que a democracia pura representa a única forma de governo tolerável constitui uma verdade tão universalmente reconhecida a ponto de não se permitir a um homem duvidar de seus méritos, sem que lhe advenha a suspeita de ser um amigo da tirania, ou seja, um inimigo do gênero humano?”. Frase escrita em outro período. Não cairemos aqui em anacronismo; mas a frase, apesar de oriunda do século XVIII, tem aplicações à atualidade.

Edmund Burke, e o cito novamente, aperta a pena e solta a tinta em sua carta contra a Revolução da França: “O que é a liberdade sem a sabedoria e a virtude? É o maior de todos os males possíveis. Pois é apenas estupidez. Vício e loucura sem proteção ou freio. Os que sabem o que é a liberdade virtuosa não podem suportar vê-la desonrada por mentes incapazes em virtude das palavras altissonantes que lhes saem da boca”. Mas, Ianker, pode pensar o leitor, isso é um “contrassenso”, pois nesse caso Burke defende a monarquia. Não! O âmago de sua carta é uma CRÍTICA à Revolução, não uma defesa à monarquia. Burke justamente faz uma critica ao novo poder autocrático que se desenhava a instaurar-se na França. O filósofo britânico defendia que a sociedade passasse por mudanças, sim, porém de forma progressiva, jamais revolucionária. O irlandês, com seu elogiável instinto político, soube bem discernir entre o que estava ocorrendo e o que estava por ocorrer na França, de um lado, e o que foi a Revolução Gloriosa de 1688 – e esse foi um grande alerta que Burke fez aos franceses. Ou seja, em outras palavras, Burke avisou que uma tirania, disfarçada sob um discurso de uma falsa liberdade e contra Luís XVI, assumiria o poder de forma autocrática e a guilhotina cortaria o pescoço de muita gente. Em outro trecho da carta, Burke profere: “[…] sempre considerarei como muito equívoca em seu aspecto a liberdade que não tem como auxiliares a sabedoria e a justiça e não leva em seu séquito a abundância e a prosperidade.” Aqui percebemos outro ensinamento: devemos usar nossa liberdade com sabedoria, com ceticismo, como uma sociedade crítica e não identificada, como reféns da Síndrome de Estocolmo, com nada que se afaste da justiça e da prosperidade.

O Brasil atual da pandemia, assim como a Rússia, também tem imensas terras e, como a pré-São Petersburgo do tsar Pedro, o Grande, está atolado num charco de lodo – porém moral. Maiacovski, um panfletário disfarçado de poeta que não passou de um picareta de rodoviária, é adorado pela classe artística e pela academia brasileira. Assim como ele, todavia, os ex-jornalistas panfletários da nova direita que atua na internet também têm seus adoradores. Likes e mais mais likes! Às vezes, outros interesses…

Tempos modernos em um Brasil com odor fétido de um país ainda amarrado culturalmente em raízes marxistas mofadas, que, por outro lado, se afunda num lodo podre que surge de uma nova direita que deveria seguir o exemplo do que ensina a escola da filosofia conservadora-liberal: o ceticismo! Desconfiar sempre! É assim que uma sociedade pode mudar nossa classe política.

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Findo com um recado do grande George Orwell aos jornalistas panfletários do Mito da Caverna: “jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.” Ou seja, todo o resto é “lambeção de botas” de cretinos, como fez o adorador de fascínoras Maiacovski.

REFERÊNCIAS:
FIGES, Orlando.
Uma história cultural da Rússia/Orlando Figes; tradução de Maria Beatriz de Medina. 2 ed. – Rio de Janeiro: Record, 2018.

Estudo biográfico e tradução de Emílio C. Guerra 2° edição, 1983. Editora Max Limonad Ltda – São Paulo, Brasil.

BURKE, Edmund.

Reflexões sobre a Revolução na França/Edmund Burke; tradução, apresentação e notas de José Miguel Nani Soares – São Paulo: Edipro, 2014.

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