Até hoje gera muita confusão falar em liberalismo, especialmente aqui nos Estados Unidos. Isso porque, na época do New Deal de Roosevelt, o termo sofreu uma total e abrupta mudança de sentido: liberal passou a ser aquele democrata defensor de mais estado, do dirigismo na economia e de bandeiras "progressistas" nos costumes.
É por conta disso que o Partido Republicano, chamado de conservador, abriga libertários. Estes não se sentem à vontade com os "liberais" de esquerda, ainda que tampouco se sintam bem ao lado de conservadores ou, pior ainda, nacional-populistas.
No Brasil há uma clara tentativa da esquerda de repetir o feito, especialmente após o fracasso petista ter chamuscado a esquerda. Pergunte a Guga Chacra se ele se acha um liberal e ele dirá que sim, pois prefere Obama a Trump, endossa várias bandeiras "progressistas", e pensa que isso é liberalismo. Para essa turma, liberal é alguém que defende aborto, "minorias" e imigração livre e sem fronteiras, além de desarmamento. Uma confusão dos diabos!
Por que se preocupar com isso? Porque rótulos importam, tanto que a esquerda sabe o que está fazendo ao usurpar o liberalismo para si. Não custa lembrar da profecia de Norman M. Thomas, líder do Partido Socialista americano, durante um discurso de campanha em 1948:
"O povo americano jamais adotará conscientemente o socialismo, mas sob o nome 'liberalismo', ele vai adotar cada fragmento do programa socialista até que um dia a América será uma nação socialista sem saber que isso aconteceu."
Quando observamos os pré-candidatos democratas, vemos como essa profecia chegou perto de se concretizar. Socialistas defendendo aborto tardio, planejamento estatal na economia, "tudo grátis", ingerência federal até nas religiões, tudo isso em nome do liberalismo.
Mas não foi apenas a esquerda que roubou conceitos. Há uma ala da dita direita que vem se apropriando do termo conservador de forma totalmente inadequada. São reacionários, nacional-populistas, gente que quer usar o estado para impor na marra sua visão de mundo retrógrada. Falam em resgatar a alta cultura e os valores da civilização ocidental judaico-cristã, mas é balela: mais parecem cruzados medievais dispostos a flertar com o autoritarismo, com o culto à personalidade e com métodos inaceitáveis para sua guerra tribal.
Essa "direita jacobina" se define muito mais pelo que odeia do que pelo que ama. Ela sabe destruir, não construir. Ela é anticomunista, ponto. Ou seja, basta odiar o comunismo para ser considerado um conservador segundo essa ótica, e isso é um absurdo completo. Esse foi o tema do editorial do Estadão hoje. Eis um trecho:
A primeira edição brasileira da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) foi menos um simpósio sobre o conservadorismo, seus pensadores, suas ideias e pertinência na atualidade, e mais um evento político-partidário em defesa não só do governo, como da reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Perdeu-se uma importante oportunidade de realizar no País uma apresentação séria do ideário conservador, há muito flagelado pela ignorância dos que o tomam como expressão do atraso ou, como foi o caso da CPAC Brasil, pelo sequestro do termo “conservador” por quem, na verdade, defende uma agenda autoritária e obscurantista.
[...] A primeira edição da CPAC no Brasil não foi um evento conservador. Foi um evento reacionário. Os conservadores continuam carentes de uma representação política à altura de sua importância.
Há muito pouco, para não dizer quase nada, de Burke, John Adams, Hume, Scruton, Oakeshott, Dalrymple, Reagan, Thatcher ou qualquer nome de peso do conservadorismo, teórico ou prático, ali. Está mais para um convescote reacionário feito para puxar o saco do governo atual. E tudo isso em nome do conservadorismo.
Os liberais clássicos e os conservadores de boa estirpe continuam órfãos de representação político-partidária. Podem ter ganhado algum espaço aqui ou acolá, mas é preocupante a mistureba que fazem dos conceitos. Se liberal é o Guga Chacra, e se conservador é o Eduardo Bolsonaro, então não sou nem uma coisa, nem outra. Felizmente, sabemos que Guga não é liberal, e sim esquerdista, e que Eduardo não é conservador, e sim reacionário. Segue o jogo...
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