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Fiquei alguns minutos diante da tela em branco, cursor piscando, sem saber sobre o que escrever. É o dilema que muito comentarista, em especial quem escreve colunas diárias, enfrenta cedo ou tarde. Mais um texto sobre o surrealismo que tomou conta do nosso país? Tentar criticar com seriedade um circo? Nah, cansei.
Aí bateu uma inspiração: e se eu for sarcástico?! Ao menos posso colocar em forma de humor meu desabafo para fora, e com menos risco de novas perseguições (há mais o que possa ser feito contra mim?). "Mas brasileiro não entende ironia", dizem alguns céticos. Não sei quantos conseguem capturar o sarcasmo - e sou contra ele, que fique claro para o STF. Mas resolvi tentar.
E logo veio o título desse texto à minha mente. Poxa, eu fico todo dia tentando alertar que não dá para levar qualquer notícia a sério em nosso país, pois tudo está invertido, os corruptos estão no poder, os autoritários posam de salvadores da democracia, e ainda assim a velha imprensa fica lá, tratando cada acontecimento como se fosse na Suíça!
Lula nega que tenha tido toma-lá-dá-cá para aprovar na Câmara a reforma tributária, e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, o partido de Bolsonaro, concorda! Tudo normal, claro. Foram apenas uns dez bilhões de reais em emendas parlamentares em poucos dias, e ministérios na fila: o Centrão já dá como certa a entrada triunfal no governo Lula, diz colunista do Globo.
Nada para se ver aqui, gente. O editorial do Estadão, em coro com comentaristas da Globo, disse que é tudo "parte do jogo". Só antes, no governo Bolsonaro, é que o "orçamento secreto" era ainda pior do que o mensalão. Agora não. O Brasil voltou. A Odebrebecht pode voltar a fazer negociatas, digo, negócios com a Petrobras, enquanto Sergio Cabral atua como blogueiro de turismo.
Em paralelo, o governo Lula e a ditadura comunista da Venezuela montam uma agenda para avançar relações bilaterais. Maduro foi recebido como estadista por nosso presidente, que também sai em defesa do companheiro da Nicarágua, uma ditadura comunista que persegue cristãos. Na campanha, o TSE não deixou jornais sérios como a Gazeta do Povo lembrarem do elo profundo entre PT e ditadores comunistas. Tudo normal.
Por falar em comunista, agora o ministro Alexandre de Moraes leva ao conhecimento de Lula que considera Flavio Dino um bom nome para o STF. O primeiro indicado foi o advogado particular de Lula, seu amigo sem mestrado ou doutorado em Direito, mas que garantiu sua soltura e elegibilidade, contando com uma ajudinha do próprio Supremo. Zanin e Dino no STF: tudo normal, gente. Outro assunto?
O tenente-coronel Mauro Cid vai depor na CPI dos "atos golpistas" fardado, e isso incomoda nossa imprensa. Ele opta pelo silêncio, mas senadores e deputados de oposição falam por ele e por milhões de brasileiros: trata-se de um preso político, claro, enquanto o general G. Dias, que ciceroneou os "terroristas" naquele dia e falsificou relatório para a CPMI, um pouco mais grave do que adulterar cartão de vacina experimental que nunca deveria ter sido obrigatória, segue livre, leve e solto por aí.
O Brasil está de volta! E segue avançando... rumo a qual destino não parece importar muito. Há uma montanha de dinheiro a ser distribuída no processo, e depois a elite tucana vê onde isso vai dar. Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. E para colocar uma cereja nesse bolo fecal, temos o governador que despontava como grande esperança dos brasileiros decentes indo até a festa pop de Gilmar Mendes em Lisboa para bajular nosso STF e afirmar, com todas as letras, que o Estado Democrático de Direito vai muito bem em nosso país, que a democracia é robusta e aponta para a direção certa. Ai de quem criticar Tarcísio... falta pragmatismo!
Está tudo perfeitamente normal em nosso bordel, digo, país. Anormal é quem pensou que poderia transformar o Brasil num país mais sério em apenas quatro anos...