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Por Percival Puggina
“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas.” (...) “É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”. (Ministro Gilmar Mendes)
Seria necessário ter problemas neurológicos para que, mesmo sem capacidade de leitura e interpretação, os sentidos não bastassem para identificar nessas palavras o ânimo agressivo e o assumido viés político do ministro. Conforme demonstrei em artigo anterior, Gilmar Mendes não é o único a explicitar esse “ponto de vista”. Outros colegas seus, em recentes declarações, deixam vazar o mesmo pendor, o mesmo estado de espírito e se comprimem sobre o mesmo ponto de vista em relação ao Poder Executivo. Todos esses casos são típicos de um fenômeno em curso no Brasil, afetando a harmonia e a ordem na sociedade.
Refiro-me a algo muito escasso entre nós, que se pode definir como adequação consciente do agir ao ser. Sim, o que direi a seguir, se aplica, também, ao presidente da República. Todo professor, por exemplo, deve ter a consciência da importância do ser professor, não pode assumir-se como “trabalhador em Educação”, nem agir como militante de causas políticas e, muito menos ainda, despejar sobre seus alunos as ditas narrativas com que o conhecimento é empestado e a realidade dissimulada. Todo religioso deve identificar-se como tal, no vestir, no falar e no agir; não pode fazer do altar palanque de comício, nem da liturgia mero pacote de instrumentos para cumprir, naquele impróprio cenário, objetivos inerentes a seu fervor político ou ideológico. Todo detentor de mandato eletivo deve ter consciência da dignidade inerente à representação da sociedade, sabendo que esta pode elevar-se com ele, ou com ele soçobrar. Testemunhei tempos em que tudo isso era intuitivo. Depois, presenciei parlamentares sequestrando plenários, arrancando papéis das mãos do presidente da Casa, instalados como farofeiros na mesa da presidência... E assisti o processo pelo qual a negociação própria dos parlamentos deslocou-se de sua essência deliberativa para ingressar, pragmaticamente, no mundo dos negócios.
Um magistrado, e de modo especial um ministro do STF, deve ter a compostura de magistrado, não deve ser alguém em busca de notoriedade e de protagonismo político. Deve falar pouco, preferivelmente nos autos; trabalhar muito, preferivelmente no Brasil e em sua atividade. Uma vida pessoal discreta, igualmente lhe cai bem.
Diferentemente, o ministro Gilmar Mendes e seus colegas se creem pedagogos gerais da República e de seus cidadãos. Assumem-se como fornecedores do bem em forma de texto autografado (o que já seria uma pretensão abusiva), e também em forma de palpites grosseiros, formulados com as razões do fígado, a custo zero para uma imprensa ávida pelos bocadinhos de intriga que isso possa gerar. Como surpreender-se alguém com o somatório de desgostos que causam aos cidadãos? Será meramente casual o fato de nunca antes haver o STF experimentado tais antagonismos na sociedade? Foi a sociedade que mudou ou o STF que se extraviou? Nenhum dos 11 ministros se pergunta: “Por que esse sentimento em relação a nós, agora quando eu estou aqui?”. Alô?