Por Ianker Zimmer, publicado pelo Instituto Liberal
Dia desses, ouvia um áudio do professor de escrita criativa e crítico literário Rodrigo Gurgel, em seu canal no Telegram, em que falava sobre sua saudade dos textos do gênio-jornalista Paulo Francis (1930 – 1997). Francis, direto de Nova Iorque, escrevia uma página inteira, ora no jornal O Estado de São Paulo, ora na Folha de S. Paulo. Política, geopolítica, cultura… Hoje, as colunas dos articulistas brasileiros minguam a, no máximo, dois mil toques – quando muito; mas a questão que aqui quero abordar não é o volume, mas sim a qualidade, a assertividade e a originalidade.
Em seu belo prefácio no livro A arte de escrever, de Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), Pedro Süssekind, professor efetivo do Departamento de Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF), discorre sobre a crítica do filósofo alemão focada em três tipos de escrita: 1) “[…] ele (Schopenhauer) identifica como alguns dos principais problemas estilísticos de sua época a falta de clareza, a prolixidade e os neologismos, que seriam indícios de uma tentativa de dar aparência erudita e profunda a textos sem conteúdo. Schopenhauer caracteriza, então, três estilos, um ’em sentenças curtas, ambíguas e paradoxais, que parecem significar muito mais do que dizem’; outro que, contrariamente ao primeiro, recorre a uma ‘torrente de palavras, com a mais insuportável prolixidade’; e, por fim, o estilo ‘científico e profundo, no qual o leitor é martirizado pelo efeito narcótico de períodos longos e enviesados'”. Para cada tipo estilístico, sustenta Süssekind, Schopenhauer dá-nos exemplos, como os hegelianos, enquadrados no terceiro modelo.
É nesse sentido que trago Paulo Francis para o ringue. Quem lia o outrora comunista e então convertido num “capitalista selvagem” percebia em seus textos uma dinâmica de linguagem extremamente culta, porém com uma simplicidade aguda e sarcástica que permitia que o mais humilde leitor pudesse compreender. Francis sabia escrever – e mais: ele “sabia que sabia” escrever bem! Dos 15 aos 30 anos, Francis lera seis horas diárias, geralmente literatura – o que formou seu arcabouço intelectual e delineou sua estilística escrita. O jornalista, portanto, foi a antítese da crítica de Schopenhauer. Em A Mais Antiga Profissão Do Mundo, há uma seleção de relíquias do velho “Franz Paul”.
No cenário brasileiro atual, entretanto, podemos identificar os três tipos estilísticos de escrita/fala apontados por Schopenhauer. No primeiro, estão os “lacradores” de internet. Via de regra são rasos, não conhecem a superfície do terreno, mas escrevem/falam como se fossem geólogos com anos de escavação na terra. Seus conteúdos, mal embasados, são repletos de achismos. O pior: alguns são chatos como papagaios.
No segundo, a Suprema Corte cabe muito bem. No terceiro – e até poderia citar novamente a Corte, mas é preciso lembrar que lá tem ministro com currículo e mestrado com indícios de fraude, o que não encaixa no quesito de “cientificidade” exposto por Schopenhauer -, entram os textos antropológicos acadêmicos, que narcotizam o leitor. São soníferos!
Claro que são classes diferentes que exigem textos distintos. Mas, te pergunto, caro leitor: tu consegues compreender as falas dos ministros do Supremo Tribunal Federal? Tu és capaz de ler as dezenas de páginas dos textos antropológicos que recebes como “tema de casa” na universidade? E mais: aguentas YouTuber e papagaio de internet raso e chato? E o que Schopenhauer diria de Felipe Neto?
Para escrever, todavia, não é necessário ser doutor em Letras, Filologia ou Filosofia. Basta ser original. Menos pode significar mais. “Simples” não é sinônimo de falta de erudição, assim como usar termos e expressões difíceis não significa escrever bem.
Outro bom exemplo de escrita vemos em Gustave Flaubert (1821 – 1880). Em uma das correspondências que o romancista francês envia aos 20 anos a seu ex-professor de literatura, enquanto estava prestando provas para a faculdade de Direito em Paris, ele fornece pistas de suas preferências literárias: lia, naquele momento, Tácito e Homero. Tácito (56 – 117), senador e historiador romano, tinha um estilo de escrita agudo, direto e claro (e esse macete sobre o estilo de Tácito aprendi com o professor Rodrigo Gurgel). Aqui pode-se ter uma base para entender a formação estilística de Flaubert. O escritor francês chegou próximo da perfeição na arte da descrição de paisagens, personagens e objetos representados em seus romances. Era claro e direto, sem frases alencareanas floreadas. Não por isso deixou de ser genial! A descrição do processo de preparação do corpo da falecida Emma Bovary é uma aula nesse sentido. Uma pequena parte das correspondências de Flaubert pode ser lida nas Cartas Exemplares, do escritor.
Para não ser “prolixo”, findo por aqui: Francis, ex-trotskista que tornou-se um capitalista ianque, foi um intelectual completo. Um erudito de texto invejável que, sem dúvidas, seria elogiado e lido até pelo amargo Schopenhauer. Tempos difíceis… Que saudade do Francis.
Waal…
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