Por Percival Puggina
Durante cerca de trinta anos, aqui em Porto Alegre, onde resido, participei intensamente de debates em programas de rádio e TV. O formato era mais ou menos o mesmo em todas as emissoras: colocavam-se frente a frente duas posições distintas sobre um tema em evidência. O objetivo não era que os participantes chegassem a um improbabilíssimo consenso, mas digladassem com as armas da lógica e da retórica para convencerem a audiência. A regra ética prevalente, muitas vezes rompida, era a de “não mentir”. Eu tinha uma lista de mentirosos com os quais não debatia.
Perante o tribunal da opinião pública, é aceitável que lados em confronto, ao expor suas posições, sublinhem o que lhes convém, e descartem o que seja inconveniente. Apontar contradições e inconsistências de cada um, caso existam, é tarefa que compete ao outro lado da mesa. Mentir, porém, é sempre indecoroso. Estou contando isso para reconhecer perfeitamente legítimo que, no debate político, cada lado adote a “narrativa” que melhor lhe convier. Repito para absoluta clareza: refiro-me a esse específico tipo de interlocução.
Recentemente, um professor a quem apontei a parcialidade na qual afundou a Educação em nosso país, contestou-me dizendo que isso se explica porque toda observação da realidade é feita a partir de um ponto. Ou seja, um professor só poderia falar desde o seu ponto de vista. Eu o refutei, sustentando que tal atitude era válida no debate político, mas a sala de aula não era lugar para tais disputas, nem para disputas com tais caraterísticas, mormente com protagonismo do professor. É totalmente impróprio, ali, promover o convencimento dos alunos. O ambiente escolar é sagrado demais para isso.
Por outro lado, quase tão desonesto quanto mentir aos alunos é esconder o ponto de vista divergente e ocultar autores e livros que contestem as ideias do professor, da disciplina, ou do departamento. E é exatamente isso que, há décadas, acontece no Brasil, escondendo-se as obras de autores conservadores e liberais, como Antonio Paim, Meira Penna, João Camilo, Roberto Campos, Ives Gandra, Olavo de Carvalho, entre tantos outros. Na contramão, intoxicam-se os colegiais com obras marxistas e com textos rasteiros como o lamentável “Veias abertas da América Latina”, renegado pelo próprio autor.
No mesmo diapasão, a mãe das humanidades, a grande e apaixonante ciência da História, se tornou terreno fertilíssimo para essa importação da retórica política ao campo da ciência. Nasceu e prosperou, nos últimos anos, uma nova História, dita crítica, que simplesmente prostitui a nobre ciência no leito das lascívias do poder e das preliminares da disputa pelo poder hegemônico. Como pode a História se converter em objeto de uma “guerra de narrativas”, em que, como sempre, a verdade é a primeira a ser imolada?
Intelectuais, historiadores e professores têm a obrigação de respeitar a sala de aula e a ciência. Não lhes é lícito ocultar interpretações e autores divergentes nem exercer uma atividade militante em que até a mais grossa mentira é admitida pela habitualidade com que é contada. Padecem a verdade e o conhecimento, restringe-se a liberdade dos alunos e até sua identidade resulta afetada.
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