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Hamlet, Stalin e a cultura do cancelamento
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Por Liberalismo Brazuca, publicado pelo Instituto Liberal

Acredito que boa parte dos nossos leitores conheça a peça Hamlet, de William Shakespeare, ou pelo menos a frase mais famosa da obra do inglês: “Ser ou não ser, eis a questão”. Caso vocês não conheçam, recomendo assistir, pois ali tem tudo: fantasmas, lutas de espada, fé, vingança, assassinatos e até filosofia.

Talvez o que vocês não saibam é que Hamlet já foi “cancelada”.

É conhecimento público que Stalin detestava a obra. Inclusive, há uma série de artigos acadêmicos que tentam explicar o motivo do ódio do comunista à peça. No livro Testimony, do compositor russo Dmitri Shostakovich, há uma explicação: o ditador via a peça como excessivamente sombria e potencialmente subversiva. Outra explicação é dada por Dmitri Urnov: Stalin considerava o personagem Hamlet uma pessoa fraca, incapaz de inspirar o povo soviético.

Um fato interessante é que Stalin não chegou a necessariamente proibir a peça. Ele apenas deixou claro aos curadores do Teatro de Arte de Moscou que ele não gostava da obra shakespeariana. Shostakovich narra como isto ocorre:

“Porque é necessário apresentar Hamlet aqui?”, perguntou o responsável por Holodomor. “Neste momento, todos ficaram cientes e ninguém mais quis arriscar. Todos estavam com medo. (…) E por muitos anos Hamlet não foi vista nos palcos soviéticos” (Tradução livre).

Ou seja, o medo foi mais que o suficiente para que Hamlet fosse banida, e isso tem muito a ver com a cultura do cancelamento dos nossos dias atuais.

Não há ninguém hoje em dia querendo cancelar Hamlet, mas não quer dizer que a arte e os artistas estão a salvo. Nos EUA, Peter Pan e Dumbo estão sendo “cancelados” por aparentemente terem passagens racistas. No Brasil, a obra de Miguel Falabella Sexo e as Negas também passou por essa situação, assim como Monteiro Lobato.

O que é assustador é a nova forma de censura: o medo da cultura do cancelamento. Se no passado o risco era ser mandado para um Gulag pelo Estado, atualmente ele se resume a perder o seu sustento, como ocorreu com Gina Carano, atriz de The Mandalorian, que ficou fora da série após dar declarações conservadoras. Um recente estudo do The Cato Institute mostrou que 62% dos americanos têm medo de expressar suas opiniões em público.

E os americanos têm uma certa razão em ter medo disso. Emmanuel Cafferty, um trabalhador do setor energético, perdeu seu emprego por fazer um gesto considerado dentro do perfil de supremacista branco e ter sua foto divulgada no Twitter (o mesmo gesto que Filipe Martins fez). Ele alegou estar apenas estalando os dedos e que não é branco – mas sim de origem latina.

George Orwell nos avisou do perigo da auto-censura. Disse o britânico:

“Obviamente, não é desejável que um departamento governamental tenha qualquer poder de censura … Mas o principal perigo para a liberdade de pensamento e expressão neste momento não é a interferência direta do [governo] ou de qualquer órgão oficial. Hoje, se os editores se esforçam para manter certos tópicos fora de catálogo, isto não ocorre por medo de um processo, mas sim da opinião pública. Neste país, a covardia intelectual é o pior inimigo que um escritor ou jornalista tem de enfrentar, e esse fato não me parece ter tido a discussão que merece.”

Cabe a nós não nos rendermos à cultura do cancelamento das Lumenas e Felipes Netos da vida. Assim, esta semana eu faço questão de assistir ao programa do Pedro Bial. E sim, eu também só entrevistaria o Lula usando um polígrafo.

*Artigo publicado originalmente por Conrado Abreu na página Liberalismo Brazuca no Facebook.

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