Em sua coluna de hoje na Folha, Aécio Neves toca em um ponto muito importante sobre uma grande fraqueza – entre tantas – da presidente Dilma: sua baixíssima tolerância às críticas. Vários já atestaram que a postura da presidente costuma ser arrogante e que até aliados próximos têm receio de criticá-la. O resultado, como descreve Aécio, não pode ser bom:
O isolamento nunca fez bem aos governantes. Quem se afasta do contato popular e confia apenas num séquito de aduladores, tende a desenvolver, na clausura da poder, uma aversão crescente à realidade.
Temo que estejamos vivendo algo semelhante no Brasil. Isolada em seu palácio, se alimentando de estatísticas e informações oficiais, não raro, distorcidas, a presidente da República se distancia cada vez mais da pulsação intensa da vida diária. A palavra empenhada de aproximação com os movimentos sociais e um maior diálogo com a sociedade não conseguiu vencer as portas sempre fechadas, o acesso restrito, a redução dos canais de escuta e diálogo.
[…]
Em tempos de crise, é preciso baixar a guarda, ouvir e conversar mais. A intolerância com os adversários, a ojeriza ao debate transparente e a arrogância no trato com interlocutores de vários segmentos chegou ao cúmulo de atingir agora os próprios aliados.
O debate democrático foi substituído por um discurso ufanista e autoritário, retrato de uma gestão encastelada em suas quimeras.
Escrevi anos atrás um artigo exatamente sobre isso no GLOBO, direcionado ao então presidente Lula. Mal sabia eu que Dilma seria muito pior, mais arrogante, mais autoritária e mais fechada aos críticos. Segue o texto, pois ainda é muito oportuno:
A Bajulação Corrompe
“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose; os admiradores corrompem.” (Nelson Rodrigues)
Os principais observadores da natureza humana sempre tiveram receio do estrago que a vaidade excessiva pode causar. Gostamos de elogios, enquanto criamos mecanismos de defesa contra as críticas. O autoengano pode ser uma estratégia útil para a sobrevivência, como diz Eduardo Giannetti em seu livro sobre o tema: “O enganador autoenganado, convencido sinceramente do seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista”. O enganador embarca em suas próprias mentiras, e passa a acreditar nelas com veemência. Fica mais fácil convencer os demais assim.
Justamente por isso a adulação popular ajuda a criar monstros perigosos. As piores tiranias foram aquelas com amplo apoio do povo, como Hitler e Mussolini atestam. Aqueles que passam a se cercar somente de bajuladores, enquanto concentram poder e conquistam as massas, acabam blindados contra todo tipo de crítica. Os conselheiros mais sábios ficam impotentes diante da reverência das massas e fazem alertas em vão. De tanto escutar que é uma espécie de “messias salvador”, o demagogo pode acabar acreditando. Aí reside o maior risco para a sociedade.
Em “Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam Smith alertou que nas cortes de príncipes, onde sucesso e privilégios dependem, não da estima de inteligentes e bem informados, mas do favor de superiores presunçosos e arrogantes, a adulação e falsidade prevalecem sobre mérito e habilidades. “Em tais círculos sociais”, conclui ele, “as habilidades em agradar são mais consideradas do que as habilidades em servir”. Quando o mais importante é agradar o poderoso governante, a primeira coisa a ser sacrificada será a sinceridade.
Infelizmente, esta é a realidade brasileira. A popularidade do presidente Lula está nas alturas. Boa parte da imprensa – com honrosas exceções – parece filtrar todas as notícias através de uma lente benigna em prol dele, os intelectuais o tratam com incrível condescendência, e até mesmo um filme foi feito para o “filho do Brasil”. Há uma espécie de salvo-conduto que lhe permite abusar das contradições e arroubos demagógicos. O presidente adquiriu uma imunidade que nenhum cidadão teria em seu lugar. Qualquer outro seria julgado de forma severa por aquilo que o presidente Lula diz sorrindo. Um “efeito Teflon” protege o presidente, já que nenhuma sujeira gruda em sua pessoa.
O problema é que essa bajulação ajuda a despertar a megalomania do presidente, alimentando sua vaidade de forma incrível. O poder corrompe, e o excesso de poder concentrado em alguém vaidoso e sem escrúpulos corrompe ainda mais. Nunca antes na história deste país um presidente contou com tanta indulgência dos críticos. Lula está perdoado por qualquer pecado antes mesmo de ele ocorrer.
Ele pode se aliar aos mais antigos caciques da política nacional, beijar a mão deles, e tudo é perdoado pelo povo. Ele pode aderir às piores práticas políticas, passar a mão na cabeça dos réus de formação de quadrilha do seu partido, que poucos terão coragem de subir o tom das críticas. Ele pode abraçar os piores ditadores, chamá-los de “camaradas”, que poucos ousarão atacá-lo com firmeza. Quando se trata do presidente Lula, então tudo faz parte do “jogo democrático”. Até Jesus Cristo teria que se aliar a Judas para governar o Brasil, não é mesmo?
“O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica”, disse Norman Vincent. Quando um povo perde sua capacidade de indignação, o caminho da servidão está aberto. A postura mais crítica é fundamental para se evitar abusos do poder. Quando as pessoas se deixam levar pelas emoções – ou pelo bolso –, a decadência moral da sociedade está iminente.
Se os brasileiros desejam construir uma nação mais próspera, justa e livre, então se faz necessário respeitar princípios éticos básicos. O país precisa de um governo de leis isonômicas, incompatível com a carta branca concedida aos governantes carismáticos. A má-conduta deve ser punida, independente de seu autor. Ninguém está acima da lei, e os fins não justificam os meios. O cinismo não é uma virtude. A ética não pode ser jogada no lixo, em troca de migalhas.
Precisamos resgatar certos valores que parecem cada vez mais abandonados, antes que seja tarde demais. Devemos enaltecer o espírito crítico. Quem tem boca vaia Roma – e Brasília também.
Rodrigo Constantino
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