“O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza.” (Voltaire)
Uma grande reportagem no GLOBO de hoje fala da classe dos “supertrabalhadores”, aquela turma bem preparada e que trabalha horas e horas em altos cargos executivos. Diz a matéria:
Eles estudam mais, ganham mais e trabalham mais. Esses “supertrabalhadores” formam uma classe nativa do século XXI, formada por pessoas bem remuneradas e com formação de alto nível. São indivíduos que dedicam mais horas a suas carreiras do que os menos abastados e chegam a preferir o tempo no escritório ao lazer. O fenômeno foi apresentado numa pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Divulgado ontem, o estudo mostra que, até a década de 1960, homens mais instruídos ficavam menos horas diárias nos seus empregos que trabalhadores braçais. Atualmente, porém, quanto maior o nível de instrução, maior o tempo no trabalho. O mesmo ocorreria com mulheres mais instruídas, de forma ainda mais incisiva.
“O século XXI inverteu a relação educação/lazer, com os mais bem educados, homens e mulheres, trabalhando, em geral, uma parte muito maior do dia do que aqueles com nível médio de educação, que, por sua vez, fazem mais do que aqueles com menos escolaridade”, afirma a pesquisa “Post-industrious society: Why work time will not disappear for our grandchildren” (“Sociedade pós-industrial: Por que o tempo de trabalho não vai desaparecer para os nossos netos”, em tradução livre).
Esses dados não deixam de ser um dilema para os marxistas, ainda presos em uma mentalidade de luta de classes totalmente ultrapassada e antiquada. Patrões seriam exploradores e trabalhadores seriam explorados por essa ótica marxista. Mas onde entrariam esses “supertrabalhadores” que recebem muitas vezes salários enormes, sem com isso deixar de ser assalariados, ou seja, não sendo os “donos dos meios de produção”? São exploradores ou explorados?
Parte da explicação para tanto trabalho é que esse mercado extremamente qualificado é bastante competitivo. Atuei no mercado financeiro por vários anos e sei bem como é isso. Não existe nada parecido com a mentalidade de “bater ponto”, de cumprir um horário determinado, de se desligar para curtir os momentos de lazer. O vizinho ficará até mais tarde, e poderá ser o próximo promovido se entregar resultado. A meritocracia é plena, o que exige contínuo esforço dos envolvidos.
Outra explicação é simplesmente o fato de que muitos desses trabalhadores adoram o que fazem. Marxistas achavam que o socialismo iria liberar os trabalhadores para outras funções mais agradáveis, como a pesca ou a filosofia. O trabalho, associado à labuta fabril, era visto como um fardo degradante a ser superado. O que os marxistas modernos precisam enfrentar é esse fato de que muitos desses trabalhadores gostam de seus trabalhos.
Cheguei a escrever no meu antigo blog um texto chamado “Eu fui explorado!”, expondo esse dilema para os marxistas. Escrevi:
Trabalhei por 6 anos para uma empresa que exige bastante dos seus empregados, objetivando manter sua eficiência, tão necessária para sua própria sobrevivência e conseqüente sobrevivência dos empregos que gera. Trabalhei várias horas por dia, acumulei meses e meses de férias não aproveitadas, deixei de gozar de feriados etc. Não havia uma arma apontada para a minha cabeça para tanto. Era uma escolha pessoal. Como tratava-se de uma troca voluntária, era mutuamente benéfica por definição, caso contrário, bastava uma das partes cancelar o trato. Eu queria aquilo! Considerava que era bom para mim, vantajoso para meu futuro.
Mas um esquerdista diria que não, que eu não sei do que falo, que não tenho a menor idéia do que é bom para mim. Ele iria impedir minha “exploração”, afirmando que é um absurdo trabalhar tantas horas por dia, ou deixar de sair de férias. Usaria o aparato estatal e sindical para garantir minhas “conquistas” e “direitos”, direitos estes que eu gostaria de abrir mão mas não posso.
Agora que sou escritor e blogueiro, continuo um “workaholic”, escrevendo vários textos inclusive em feriados e muitas vezes até quase de madrugada. Ninguém me cobra isso. Faço o que gosto, o que ajuda muito. Certa vez li que o segredo da vida era achar alguém que pagasse para você fazer aquilo que se tivesse dinheiro pagaria para fazer. Há algo mais triste do que jovens ingressando no mercado de trabalho e já pensando no que vão fazer na aposentadoria?
Entendo que não será tarefa fácil para a maioria, encontrar uma ocupação produtiva e ao mesmo tempo satisfatória, mas eis um dilema para a esquerda em geral e marxistas em particular: muitos trabalhadores trabalham com tanto afinco porque gostam do que fazem, e claro, desejam ser bem remunerados por seu esforço e mérito. O aumento da remuneração é parte da explicação também:
Já a Universidade de Oxford sugere que, entre os fatores que podem ter influenciado este aumento na jornada dos mais instruídos, estão os rendimentos elevados, que tornaram o trabalho mais atraente em relação ao tempo de lazer. O crescimento é consequência também de uma mudança na ideologia ligada ao lazer. O tempo dedicado ao entretenimento pessoal já foi considerado um símbolo de poder social no século XIX, mas, hoje, segundo o estudo, muitos enxergam isto até mesmo como sinal de preguiça ou desemprego.
Domenico De Masi e seu “ócio criativo” perderam charme na cultura moderna. Talvez seja o reflexo de uma herança calvinista ainda, que valoriza o trabalho, ao contrário do que faziam os ibéricos católicos. Quando Mauá entregou a pá de jacarandá para D. Pedro II em uma cerimônia, simbolizando o ato de trabalhar, foi um grande constrangimento, e o imperador teria ficado com aquilo entalado na garganta por anos, segundo o biógrafo de Mauá, Jorge Caldeira. A ética do trabalho ainda não pegou muito por aqui, nessas terras tropicais…
O trabalho intelectual é mais desafiador e estimulante, e a verdadeira criação de riqueza vem do cérebro, de nossa mente, não de nossos braços. Eis mais um dilema para os marxistas, que ainda vivem reféns da crença absurda de que é o trabalho físico que produz riqueza para uma sociedade. Diz a reportagem:
Além disso, economistas dizem que quanto melhor a educação, mais distante esses indivíduos ficam de tarefas fisicamente pesadas. O trabalho, desta forma, teria se tornado mais satisfatório tanto intelectual quanto emocionalmente. Com isso, eles acabam sentindo menos necessidade do período de folga.
A filósofa russa Ayn Rand colocou em um de seus personagens a seguinte mensagem:
“Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforço muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a plantar trigo. Tente obter alimentos usando apenas movimentos físicos, e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que já houve na terra.”
Vários socialistas sonharam com o dia em que as máquinas substituiriam os homens e estes poderiam, então, viver apenas para o lazer. Tal utopia conquistou gente da estatura de um Oscar Wilde, que escreveu, em A alma do homem sob o socialismo:
O fato é que a civilização exige escravos. Nisso os gregos estiveram muito certos. A menos que haja escravos para fazer o trabalho odioso, horrível e desinteressante, a cultura e a contemplação tornam-se quase impossíveis. A escravidão humana é injusta, arriscada e desmoralizante. Da escravidão mecânica, da escravidão da máquina, depende o futuro do mundo. […] Haverá grandes acumuladores de energia em cada cidade, em cada residência se preciso, e essa energia o homem converterá em calor, luz ou movimento, conforme suas necessidades.
Hoje, de fato, as máquinas facilitaram ou substituíram inúmeros trabalhos braçais, e graças à evolução capitalista diversos tipos de ofício foram aposentados. Mas isso não jogou milhões de pessoas apenas no ócio contemplativo ou nas artes, como esperavam os utópicos, e sim em novos desafios intelectuais e tecnológicos, novos ofícios criados pelo próprio progresso, surgindo essa classe de “supertrabalhadores”.
A tendência, à medida que o país se desenvolva com o capitalismo, é ele depender mais de serviços e menos de agricultura e indústria. O capitalismo, portanto, libera um contingente expressivo de gente para funções mais estimulantes e prazerosas, é o grande aliado dos trabalhadores.
Não precisamos de sindicatos impondo com a ajuda do governo a redução da jornada de trabalho para combater a “exploração” dos capitalistas; precisamos de mais capitalismo e livre mercado, de uma ética calvinista que valorize o trabalho, e do investimento em qualificação, para que cada vez mais gente possa investir seu tempo naquilo que realmente gosta, aumentando assim a produtividade da economia e a satisfação geral. O futuro não está em trabalhar cada vez menos, e sim em trabalhar cada vez mais com aquilo que desejamos.
Rodrigo Constantino
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