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O conceito de “core inflation” é até interessante: retira-se do cálculo aqueles itens mais voláteis, dependentes de condições climáticas ou geopolíticas, para suavizar a tendência e, dessa forma, analisar a real trajetória dos preços. São dois problemas que surgem: 1. acaba-se criando um índice de inflação para pessoas que não comem nem andam de carro; 2. quando os preços de alimentos e petróleo sobem sistematicamente, o índice “core” acaba subestimando muito a inflação verdadeira.

Tudo isso faz parte de debates econômicos interessantes, em condições normais de temperatura e pressão. Agora, quando a proposta de retirar os alimentos do índice surge no governo do PT, sob o comando do ministro Mantega, em época de inflação elevada e prestes a estourar o teto da banda, aí é para ter muitos calafrios. E foi justamente o que aconteceu:

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Preocupados com o impacto da alta dos alimentos na inflação, alguns técnicos do governo começaram a defender nos bastidores mudanças polêmicas na formulação da política econômica. Diante dos frequentes choques nos preços de produtos in natura por causa de problemas climáticos, eles acreditam que esses itens deveriam simplesmente ser retirados do cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A ideia não é novidade e tem a simpatia da equipe econômica, pois tornaria o indicador mais realista. No entanto, todos os técnicos ouvidos pelo GLOBO são unânimes em afirmar que isso teria que ser feito com cuidado e num momento de inflação baixa, para que o governo não seja acusado de mais uma maquiagem.

Economistas do mercado financeiro estimaram na terça-feira, pela primeira vez, que a inflação vai estourar o teto da meta do governo em 2014. Analistas ouvidos pela pesquisa Focus, do Banco Central, pioraram suas estimativas e esperam agora que a inflação oficial medida pelo IPCA encerre o ano em 6,51% — ante uma projeção de 6,47% na semana passada. Esta foi a sétima alta consecutiva na previsão para a inflação.

O argumento dos defensores da mudança na formulação da política econômica é que as altas de alimentos, como o tomate e o chuchu, por exemplo, não deveriam influenciar o IPCA total, uma vez que não são produtos insubstituíveis. Os consumidores costumam deixar de comprá-los quando os preços sobem demais em função do clima. Eles afirmam que inflação teria de ser medida por itens que não podem ser trocados por outros, como combustíveis ou alimentação fora de casa.

E eis que, uma vez mais, o culpado é o chuchu! Só que não. A inflação brasileira está alta porque o Banco Central demorou muito a aumentar a taxa de juros, o governo gasta sem parar, e os bancos públicos expandiram demais a carteira de crédito. Com tanto estímulo à demanda e sem a contrapartida na oferta, por baixo investimento e nenhum ganho de produtividade, o efeito é direto nos preços.

Culpar o clima é indecoroso. Fingir que o tomate é o vilão é indecente. Estamos com uma inflação crônica, com ampla difusão (a maioria dos itens em alta), e isso mesmo com os preços administrados pelo governo represados. E técnicos do governo ainda vêm falar em retirar os alimentos do IPCA? Num momento desses? Com a credibilidade do governo totalmente em baixa? Após tantos malabarismos primários?

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Alexandre Schwartsman resumiu bem quando disse que a ideia “tem um alto nível de cretinice”. Ele acrescentou: “Acho surpreendente que as pessoas voltem a debater isso neste momento, porque parece que elas não prestam atenção nos números”. E, de fato, é surpreendente. Se bem que nada mais nesse governo chega realmente a surpreender tanto, pois já esperamos o pior…

O núcleo da inflação (“core inflation”) está ainda maior do que o índice oficial nos últimos 12 meses! Daí o espanto de Schwartsman. A culpa não é dos alimentos. É a pressão no setor de serviços que tem mantido a inflação tão elevada. O que o governo deseja de fato? Retirar apenas o chuchu e o tomate, porque subiram muito?

É o debate errado na hora errada. O que os técnicos deveriam estar discutindo é como debelar efetivamente a inflação, e não o índice. A inflação é a perda de poder de compra da moeda, que o povo brasileiro sente toda vez que vai no supermercado, num restaurante, no shopping center.

A economia brasileira está doente, com febre. O governo parece preocupado só com a imagem no termômetro, não com a febre em si. Se ao menos esse maldito termômetro pudesse ser quebrado…

Rodrigo Constantino

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