Se havia um órgão de estado que mantinha seu respeito popular governo após governo, este era o Itamaraty. Sempre foi visto, com razão, como bastante neutro em termos partidários e políticos, buscando defender os interesses nacionais acima de tudo. Não mais.
O aparelhamento ideológico do PT chegou com seus tentáculos em toda a máquina estatal, e nossa diplomacia não foi capaz de permanecer imune. Dois artigos de hoje fazem um bom resumo da situação. O professor de filosofia Denis Rosenfield e o embaixador Rubens Barbosa mostram como a isenção foi abandonada em lugar da ideologia.
Denis Rosenfield faz uma análise direta do caso Mercosul, que não deixa margem a dúvidas. Ele diz:
O Mercosul é um projeto atualmente inviável, constituído por países que têm horror à economia de livre mercado, aferram-se a ideias socialistas, pregam maior intervenção estatal na economia e se comprazem com diatribes “anti-imperialistas”. A Argentina é um país praticamente falido, sem acesso a financiamentos internacionais, gastando suas reservas internacionais, submetido a processos em cortes norte-americanas pelo calote dados a seus credores e, em pouco tempo, terá problemas em honrar compromissos de suas importações. Ou seja, o mercado argentino estará importando cada vez menos do país, nenhuma saída se vislumbrando. Trata-se da crônica de uma falência anunciada. Apesar disto, o Brasil continua se alinhando a este país em foros internacionais, posicionando-se conjuntamente contra o livre comércio, como acabamos de observar na reunião do G-20, em São Petersburgo.
Em relação à Bolívia, a omissão brasileira, tornando-se uma completa indiferença, foi a tônica em relação ao salvo conduto do Senador Molina, abandonado, em um cubículo da Embaixada, à sua própria sorte. Segundo tratados internacionais, assinados pelo Brasil e pela Bolívia, o salvo conduto deveria ter sido expedido imediatamente. O governo Evo Morales participou de um faz de conta com o Itamaraty, levando um diplomata digno a insurgir-se contra tal desprezo da lei internacional e de uma mínima consideração dos direitos humanos. O fiasco do Itamaraty foi total, levando a uma crise que se traduziu pela demissão do Ministro das Relações Exteriores.
A comunhão ideológica em torno do projeto bolivariano/socialista, tal como já havia se expresso na lamentável participação brasileira na suspensão do Paraguai do Mercosul, preponderou, dando ensejo ao ingresso da Venezuela. Goste-se ou não da Constituição paraguaia, todos os trâmites foram seguidos na destituição do ex-presidente Lugo, o que não foi o caso dos trâmites venezuelanos que levaram Maduro a ascender ao Poder, na agonia e morte de Chávez. Com tudo isto, o país compactuou em nome de uma ideologia comum. Já passa a hora de o Brasil revisar as suas prioridades e adotar a defesa pragmática dos seus interesses nacionais e comerciais, dando adeus a ideologias de antanho.
Nada a acrescentar. É evidente para quem ainda tem olhos para enxergar que o Mercosul virou uma camisa-de-força ideológica que prejudica o Brasil em nome dos interesses do PT. O embaixador Rubens Barbosa, mais diplomático nas críticas, como era de se esperar, coloca o dedo na ferida também, e alerta abertamente que o Itamaraty é uma instituição em perigo hoje:
O Itamaraty, nos últimos anos, deixou de gozar da unanimidade nacional. O esvaziamento da instituição e a fragmentação externamente induzida nas suas posturas e no seu modo de operar decepcionam a sociedade brasileira. A perda da vitalidade do pensamento independente em todos os escalões pela extrema centralização das decisões, a discriminação ideológica contra funcionários, problemas de preconceito racial, assédio, greves, salários e arranhões no princípio hierárquico não ajudam a recuperar a imagem de um serviço diplomático até aqui considerado um dos mais eficientes do mundo.
[…]
A política externa brasileira sempre foi uma política de Estado e foram extremamente raros os momentos de nossa história em que predominou qualquer tipo de vontade partidária — nem sempre coerente com o interesse permanente do país — sobre a condução da diplomacia e sobre a atuação de seus funcionários.
O Barão do Rio Branco, ao assumir a chefia do Itamaraty, deixou uma lição que deveria servir como princípio básico para a sua atuação permanente: “A pasta das Relações exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna. Não venho servir a um partido político: venho servir ao Brasil.”
Para voltar a desempenhar um papel de relevo, o Itamaraty terá de adequar a política externa aos novos desafios internos e externos. Ao renovar-se e atualizar-se, deixará para trás formalismos, posturas defensivas e tendências burocrático-ideológicas, que estão acarretando a perda de influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente transformação.
Servir ao Brasil e defender o interesse nacional é o que se deveria esperar do Itamaraty, acima de quaisquer outros interesses.
É uma lástima ver o que o PT está fazendo com esta prestigiada instituição. A diplomacia é fundamental para um país. Sempre gozamos de bons nomes ocupando estas importantes funções. Mas fica a questão: há alguma coisa em que o PT coloque a mão e não estrague?