No dia 21 de abril de 1792 era enforcado no Rio Joaquim José da Silva Xavier. Tiradentes se tornaria o mártir da Inconfidência Mineira, um movimento revolucionário inspirado nas ideias iluministas. O fascínio pela história permanece vivo. Pedro Doria, que acaba de lançar um livro sobre o assunto, resume o motivo: “Não é à toa que virou mito. A Inconfidência fascina pelo sonho do Brasil que poderia ter sido”.
O relato de Doria, seguindo a linha do historiador britânico Kenneth Maxwell, é realista e desconstrói o mito em muitos aspectos. Sim, havia provavelmente interesses mais prosaicos no movimento. Parte da elite queria fugir das dívidas com Portugal. E no caso do próprio alferes, o desejo por mudança após muitos anos estagnado com a mesma patente militar pode ter contribuído também.
Mas é inegável a influência das ideias como pano de fundo da revolta. Aquela era a época, afinal, da Revolução Americana liderada pelos “pais fundadores”, entre eles Thomas Jefferson, que chegou a manter contato com um membro da elite mineira e cujos escritos chegaram até Tiradentes.
O governo mineiro era corrupto e a prosperidade não era mais a mesma em Vila Rica. A chegada do novo representante de Lisboa, com recomendações para endurecer com os devedores e combater a sonegação, deixou a elite local tensa. Mas isso serviu para que essa mesma elite percebesse o quão frágil era esse equilíbrio de forças, pois como colônia, os desejos da metrópole eram soberanos.
Nas contas da coroa, havia oito toneladas de ouro por pagar. Era o resultado do Quinto, o imposto cobrado por Portugal, que não havia sido arrecadado. O governo poderia apelar para a prerrogativa da Derrama, cobrando retroativamente de toda a população local, o que ficaria pesado demais para os mais pobres.
A rebelião americana, não custa lembrar, teve como principal causa justamente o aumento de impostos pela metrópole. Em um ambiente de novas ideias, que condenavam todo tipo de taxação sem representação política. O aumento dos impostos era uma perigosa faísca que poderia acender a revolução.
Há precedentes históricos. Em “A Marcha da Insensatez”, a historiadora Barbara Tuchman descreve o caso de Roboão, rei de Israel, que sucedeu a seu pai Salomão em 930 a.C. As dez tribos do norte se relatavam descontentes com as pesadas taxações impostas já no tempo do rei Salomão. Roboão foi procurado por uma delegação que solicitou o abrandamento da ríspida servidão imposta, dizendo que, em troca, haveriam de servi-lo como súditos fiéis.
Roboão não aceitou a proposta, endurecendo ainda mais com as tribos. Estava declarada a guerra. As lutas prolongadas enfraqueceram os dois Estados, encorajando regiões vassalas conquistadas por Davi a reconquistar sua independência, além de abrir caminho para a invasão dos egípcios. As tribos jamais se reunificaram, acabando sob o domínio dos assírios, em 722 a.C. A insensatez de um governante, alimentada pela ganância por mais extorsão, abriu uma cicatriz de 2.800 anos no povo judeu.
Impostos, como diz o nome, não são voluntários. Por isso são sempre impopulares. Quando abusivos e com a sensação de que são pagos a fundo perdido, tornam-se um barril de pólvora para insurreições. Os inconfidentes mineiros se revoltaram com o Quinto, ou seja, 20% de tributo sobre a produção de ouro. Hoje, nós brasileiros pagamos quase 40% de impostos. E qual o retorno?
Roberto Campos fez um diagnóstico certeiro da situação nacional: “Continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa. Hoje é Brasília”.
A questão que permanece incomodando é: quando deixaremos de ser súditos e passaremos a ser, de fato, cidadãos? Continuamos sonhando com a verdadeira independência, com um país mais livre, com um modelo de representatividade que efetivamente corresponda aos nossos interesses e descentralize o poder.
Uma elite esclarecida faz toda a diferença. Foi assim nos Estados Unidos. Na França, o tiro saiu pela culatra, e a revolução dos ressentidos logo descambou para o Terror e, depois, para a ditadura napoleônica. Como teria sido se a Inconfidência Mineira tivesse vingado e aqueles nobres pensadores e empresários tivessem desenvolvido um modelo republicano nos moldes do americano?
Jamais saberemos. Mas se não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos mudar agora e construir um novo futuro, muito melhor. Eis o sentido da luta de Tiradentes.
Rodrigo Constantino
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