O Marco Civil da Internet foi aprovado pelo Senado, e um dos pontos mais relevantes foi a definição da “neutralidade da rede”. Significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade. É uma filosofia que prega basicamente a democracia na rede, permitindo assim acesso igualitário de informações a todos, sem quaisquer interferências no tráfego online.
Mas o livre mercado tende a funcionar bem justamente por não ser “democrático”, nesse sentido igualitário de todos receberem o mesmo tratamento independentemente do consumo. Faz parte de qualquer negócio discriminar seus clientes, reconhecer que há um grupo mais fiel e que consome mais, merecendo, portanto, tratamento preferencial. As milhas aéreas seguem claramente esse princípio, e os clientes “gold” gozam de certos privilégios.
O editorial publicado nesta quinta no Financial Times argumenta justamente que a tendência nos Estados Unidos tem sido de rever a neutralidade da rede. O FT defende que os provedores de Internet tenham o direito de criar uma “fast lane” na web, análogo ao “fast pass” dos parques de diversão (um “fura-fila” oficial para quem paga mais). Quem consome mais, deveria ter certas vantagens, até para estimular o investimento nas redes.
O jornal britânico argumenta que a Internet de hoje é muito diferente de quando foi criada, e que seus fundadores não poderiam ter antecipado o tráfego enorme atual. Vários serviços como video-on-demand, jogos online e videoconferência competem com serviços mais básicos, como enviar um email. As redes acabaram ficando congestionadas.
Os provedores de Internet alegam que, por causa do aumento do congestionamento, a neutralidade da rede não mais funciona. Podemos pensar no congestionamento do trânsito: a decisão “democrática” é o racionamento, ou seja, há um revezamento com base no conceito igualitário, como a placa, e todos sofrem juntos. Ou nem todos, pois os mais ricos podem ter mais de um carro.
Locais como Cingapura, porém, adotaram mecanismos diferentes, de mercado, onde o proprietário paga mais para ter acesso a vias menos congestionadas. Nos Estados Unidos esse modelo já foi adotado também. Pode-se argumentar que isso favorece os mais ricos de forma desproporcional, mas além de quase tudo na vida ser assim, é preciso lembrar que o preço é feito pela preferência marginal.
O dono do jatinho é muito mais rico que os usuários de um jumbo, mas este tem vantagem na hora de negociar a compra de “slots” nos aeroportos, por conta do volume. O mesmo vale para os carros e ônibus. Na Internet, podemos pensar em empresas como a Netflix, que negociando em nome de milhões de clientes, teriam mais poder de barganha do que um milionário qualquer com sua rede particular.
Os provedores utilizam exatamente esse exemplo: se pudessem cobrar valores discriminados, teriam como oferecer serviços mais confiáveis para empresas como Netflix ou Skype, investindo mais nas redes graças ao aumento da receita. Essa semana a FCC (Federal Communications Commission) deve propor mudanças favoráveis aos provedores, permitindo que ofereçam acessos diferenciados se feitos em termos “comercialmente razoáveis”.
Ao mesmo tempo, o FCC deve introduzir medidas compensatórias para preservar uma Internet aberta. Os provedores ficariam impedidos de bloquear ou reduzir deliberadamente o acesso de qualquer site legal, e teriam de melhorar a transparência sobre a velocidade da banda que fornecem também. Essas questões merecem ainda mais atenção em países menos desenvolvidos, como o Brasil, porque os provedores atuam em situação de menos concorrência.
São medidas controversas, mas que deveriam servir como reflexão para nós, uma vez que o Brasil acaba de aprovar seu Marco Civil da Internet contando com a neutralidade da rede. Há um claro trade-off aqui: os provedores só vão investir mais na banda se puderem extrair receita extra disso, o que aconteceria se pudessem cobrar valores diferentes para tráfegos maiores.
No mercado é assim que as coisas funcionam: quem deseja ter um serviço ou produto melhor, deve pagar mais por isso. Alguns andam em BMWs e outros no metrô ou no ônibus. Não há nada de errado com tal conceito. Ao contrário: é ele que permite a constante busca por excelência, assim como uma oferta variada para atender diferentes nichos de demanda. O “igualitarismo democrático” pode acabar sendo sinônimo de resultado medíocre para todos. Eis como o editorial do FT conclui a questão:
Uma internet que permaneça completamente neutra acabará por ser frustrante. A FCC deve agora se concentrar em como incentivar a inovação e o investimento que são críticos se a web pretende ser bem sucedida nos próximos 25 anos, como tem sido no último quarto de século.
Rodrigo Constantino
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