Demétrio Magnoli tocou em um ponto fundamental em seu artigo de hoje: a violência física dos anarquistas e “manifestantes” conta com o respaldo ideológico de intelectuais, o que merece total repúdio. Nada disso é novo: na Europa tivemos a mesma simbiose entre intelectuais e jovens alienados, esses como massa de manobra daqueles. Magnoli diz:
“Muitos dos jovens que estão usando essa estratégia da violência nas manifestações vieram das periferias brasileiras. Eles já são vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os protestos violentos passam a fazer sentido para eles.” Rafael Alcadipani da Silveira, autor do diagnóstico que equivale a uma celebração do vandalismo, não é um músico punk, mas um docente da FGV-SP. O seu (preconceituoso) raciocínio associa “violência” a “periferia” – como se esse sujeito abstrato (a “periferia”) fosse portador de uma substância inescapável (a “violência”). Por meio do conhecido expediente de atribuir a um sujeito abstrato (a “periferia”) as ideias, as vontades e os impulsos dele mesmo, Silveira oculta os sujeitos concretos que produzem um “sentido” para “protestos violentos”. Tais sujeitos nada têm que ver com a “periferia”: são acadêmicos-ativistas engajados na reativação de um projeto político que arruinou a vida de uma geração de jovens na Alemanha e na Itália.
Sempre achei essa ligação que muitos pensadores fazem entre pobreza e crime algo ofensivo aos pobres. A maioria não é formada por criminosos. Não ter uma conta bancária recheada não torna ninguém automaticamente um bandido. Mas os intelectuais precisam de mascotes, de classes vitimizadas, pois usam essas abstrações para vender sua ideologia podre e coletivista. Volto a Magnoli e às origens dessa defesa intelectual da violência:
Tudo isso foi escrito na década de 1970 pelos intelectuais italianos que lideraram os grupos autonomistas Potere Operaio, Lotta Continua e Autonomia Operaia. Eles mencionavam as qualidades exemplares da “ação direta” e a eficiência da “violência simbólica”. Toni Negri pregava a violência como ferramenta para defender os “espaços” criados pelas “ações de massa” e exaltava o “efeito terrível que qualquer comportamento subversivo, mesmo se isolado, causa sobre o sistema”.
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Os nossos alegres teóricos dos Black Blocs aplaudem o incêndio “simbólico” de uma agência bancária, mas ainda não se pronunciaram sobre o valor artístico da vandalização de edifícios empresariais, shopping centers, delegacias, palácios de governo ou residências. Por que esse “foco” nos bancos?
Eugênio Bucci – ele também! – usou a palavrinha “estética” quando escreveu sobre a suposta novidade do “esporte radical e teatral de jogar coquetel molotov contra os escudos da tropa fardada”. Não há, porém, novidade. Ortellado publicou um artigo sobre as fontes da “tática” dos Black Blocs, evidenciando suas conexões com os movimentos autonomistas de “ação direta” na Alemanha e na Itália dos anos 70 e 80, cujos destacamentos de choque servem de modelo aos nossos encapuzados. Ele não diz com clareza, mas as teses políticas que reativam o culto da manifestação violenta se originam precisamente de alguns dos acadêmicos-ativistas daquele tempo, hoje repaginados como mestres grisalhos do movimento antiglobalização.
Os Black Blocs anunciam um “badernaço nacional” para o 7 de Setembro. Mas o “badernaço” intelectual começou antes, na forma dessas piscadelas cúmplices para idiotas vestidos de preto que rebobinam um desastroso filme antigo.
Muitos se revoltam com a violência de jovens alienados, e fazem bem. Mas deveriam focar na origem intelectual que permite uma justificativa ideológica para essa violência. Ao incentivaram esses jovens a tais atos, esses intelectuais se mostram responsáveis pela violência, ainda que indiretamente. Como diz Magnoli: “A responsabilidade deles não era criminal, mas política e moral, algo que jamais tiveram a decência de reconhecer”.