“Quando alguém se comportou como um animal, ele diz: ‘Ora, eu sou só um ser humano!’ Mas quando é tratado como animal, ele diz: ‘Ora, eu também sou um ser humano!'” (Karl Kraus)
A coluna de João Pereira Coutinho na Ilustrada da Folha hoje está excelente. O português usou Roger Scruton para contribuir com o debate sobre o direito dos animais, contra Peter Singer. Se há Scruton de um lado, e Singer do outro, não resta dúvida de qual partido tomar. Seguem os principais trechos:
O filósofo Roger Scruton escreveu um livro a respeito (“Animal Rights and Wrongs”, editora Continuum, 224 págs.) que ajuda a explicar o fenômeno.
E o fenômeno explica-se com o declínio da religião nas sociedades ocidentais: quando os homens acreditavam que eram os seres superiores da criação, ninguém pensava nos “direitos” ou nas “sensibilidades” dos bichos. Nós, e apenas nós, tínhamos sido criados à imagem e semelhança do Pai. Não havia como confundir um ser humano com um batráquio.
A “morte de Deus” alterou a discussão: se não existe um Pai com seus filhos prediletos, então todos somos habitantes do mesmo espaço –e todos somos, como diria o extravagante Peter Singer, criaturas dotadas de “senciência”, ou seja, capazes de experimentar a dor e o prazer. Donde, evitar a dor é um imperativo tão legítimo para humanos como para animais.
Claro que, nas teorias de “libertação animal”, nem todos os animais desfrutam da mesma sorte empática: acredito que mesmo Peter Singer, nas tardes de insuportável calor australiano, também seja capaz de matar uma mosca ou duas. Mas o leitor entende a ideia: se conseguirmos imaginar um animal a falar e a cantar num filme Disney, por que não conceder-lhe estatuto moral pleno?
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E, talvez mais importante, “nós”, e apenas “nós”, somos capazes de reivindicar e defender “direitos”, o que implica que “nós”, e apenas “nós”, somos capazes de entender o que significam certos “deveres”. Como, desde logo, o “dever” de não infligir dano desnecessário sobre animais (moscas excluídas).
Será a pesquisa científica um “dano desnecessário sobre animais”?
Não creio, sobretudo quando contemplo as alternativas. O americano Carl Cohen, outro filósofo sobre estas matérias que também recomendo aos interessados (com o seu “The Animal Rights Debate”), é primoroso ao colocar o problema no seu duplo e potencial impasse: os defensores da libertação animal preferem que sejam os homens a tomar o lugar dos bichos nos laboratórios?
Ou preferem antes que não existam mais cobaias nos laboratórios e que os avanços científicos possam parar de vez neste ano da graça de 2013?
Boas perguntas. Esperemos pelas respostas. Mas, até lá, talvez não fosse inútil convidar os militantes da “libertação animal” a recusarem daqui para a frente todos os tratamentos médicos que têm no seu historial o uso de animais em laboratório. Em nome da coerência.
Se isso significar, no limite, a morte de alguns dos militantes, tanto melhor: unidos na vida, unidos na morte.
Pensemos por um instante: vários desses militantes questionam se somos mesmo superiores aos bichos, o que diz muito sobre… eles mesmos. Um militante ou uma hiena: quem é superior? Difícil dizer, confesso. Mas como eu ia dizendo: muitos nos colocam em pé de igualdade com todos os animais da natureza.
Não devemos ser “especistas”, colocar nossa espécie como prioritária a “troco de nada” (?). Somos todos iguais, partes de um grande todo, pertencentes a essa deusa Gaia que merece total reverência (e ai de quem tocar em uma árvore!). Enfim, de um lado temos aqueles que pensam que vivemos como em Avatar, o filme de James Cameron.
Do outro lado, existem aqueles que querem crer que progresso significa justamente agir cada vez mais como bichos. Pudor? Vergonha? Moral? Valores? Tradição? Não seja ridículo! Não seja patético! Não seja tão reacionário! Que mal há no filho fotografar a própria mãe transando com jovens em sua casa? É arte, ora bolas!
Não há mais limites, recalques, restrições. É proibido proibir (menos as biografias não autorizadas; essas podem ser proibidas). Mas vamos lá: quem faz sexo sem nenhum pudor, sem vergonha, no meio da rua, com qualquer um, com a própria mãe? Isso mesmo: os cães!
Já posso até imaginar um progressista moderninho e natureba andando nu por aí e, de repente, parando no meio do mato para fazer o número dois, enquanto puxa uma conversa descontraída com os transeuntes. Eis nosso movimento de vanguarda após Maio de 68. O futuro é, ao que parece, o homem agir cada vez mais feito cão, e o cão ter cada vez mais direitos humanos. Não é uma maravilha?
O grande problema que vejo é o seguinte: esses animais, os humanos, votam! E em nome de sua nova seita religiosa, vão acabar abolindo os nossos direitos e deveres morais, e alçando as pacas e antas a um patamar mais elevado que o nosso. É o planeta dos macacos. Com essa, Darwin não contava…