Dois artigos de hoje no GLOBO, um em cima do outro, mostram bem como a máfia sindical atenta contra os interesses dos trabalhadores, apesar da retórica inversa. Um deles é do sociólogo Demétrio Magnoli, o outro do senador tucano Aloysio Nunes. Comecemos pelo artigo de Demétrio, que expõe a simbiose entre sindicatos e “movimentos sociais”. Seguem alguns trechos:
“É um absurdo vender isso. A sociedade não participou do debate sobre o tema. Nossa tentativa é sensibilizar o governo para negociar e discutir.” As sentenças, de Francisco José de Oliveira, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), referiam-se ao leilão de Libra, na faixa do pré-sal. Mas a lógica subjacente a elas, expressa na segunda frase, nada tem de singular. Nas duas últimas décadas, os “movimentos sociais” repetem aborrecidamente a ladainha sobre “a sociedade” excluída do “debate”, enquanto invadem órgãos públicos em nome da “participação”. Vivemos nos tempos do supercorporativismo, um ácido corrosivo derramado sobre o material de nossa democracia.
O Brasil moderno nasceu, pelo fórceps de Getúlio Vargas, sob o signo do corporativismo. A “democracia social” do Estado Novo cerceava os direitos do indivíduos, subordinando-os a direitos coletivos. Na definição do historiador Francisco Martinho, “o cidadão nesse novo modelo de organização do Estado era identificado através de seu trabalho e da posse de direitos sociais e não mais por sua condição de indivíduo e posse de direitos civis ou políticos” (“O corporativismo em português”, Civilização Brasileira, 2007, p. 56). Inspirado no salazarismo português e no fascismo italiano, o corporativismo varguista organizou a sociedade como uma família tripartida: governo, sindicatos patronais e sindicatos de trabalhadores. O supercorporativismo, uma obra do lulopetismo, infla o balão do corporativismo original até limites extremos.
Um traço forte, comum a ambos, é o desprezo pelos direitos civis e políticos, que são direitos individuais associados à ordem da democracia representativa. A principal diferença encontra-se no atributo nuclear da cidadania: o cidadão varguista definia-se pelo trabalho; o cidadão lulopetista define-se pela militância organizada. No Estado Novo, a carteira de trabalho funcionava como atestado de inserção na ordem política nacional. Sob o lulopetismo, o documento relevante é a prova de filiação a um “movimento social”.
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O PT sempre enxergou os “movimentos sociais” como tentáculos partidários. Os líderes mais destacados desses movimentos são militantes petistas. O financiamento público elevou a conexão a um novo patamar: na última década, eles se converteram em satélites do Palácio. Os dirigentes do MST, do MAB e de inúmeros movimentos similares ajustam suas agendas políticas às do Partido e cerram fileiras com o lulopetismo nos embates eleitorais. Durante a odisseia do mensalão, eles desceram às trincheiras enlameadas para proteger José Dirceu et caterva. Contudo, na dialética do supercorporativismo, os “movimentos sociais” também precisam promover mobilizações contra o governo, sob pena de se condenarem à irrelevância.
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A democracia representativa ancora-se no princípio da soberania popular, que é exercida por meio da delegação de poder, em eleições gerais. O sistema político-partidário brasileiro desmoraliza a representação para assegurar privilégios especiais a uma elite política de natureza patrimonialista. O lulopetismo, um sócio majoritário desse sistema, aproveita-se de seus desvios para erguer o edifício do supercorporativismo como esfera paralela de negociação política. Na dinâmica extraparlamentar do supercorporativismo, o Partido pode ignorar as demandas dos cidadãos comuns, dialogando exclusivamente com a casta mais ou menos amestrada de dirigentes dos “movimentos sociais”. Sabe com quem está falando? Você só é alguém se possuir a carteirinha de um “movimento social” — eis a mensagem veiculada pelo Palácio.
Nas “jornadas de junho”, manifestações multitudinárias falaram em “saúde” e “educação”, reivindicando direitos universais estranhos à lógica do supercorporativismo. Por isso, nervoso e assustado, o Partido as rotulou como uma “reação da direita”. Ah, bom…
Tenho pouco a acrescentar aqui. Demétrio dissecou a nefasta parceria entre sindicalistas e PT, tudo bancado com muito dinheiro público e servindo não aos interesses gerais da população, mas sim aos dos próprios membros desses grupos organizados, quase sempre contra a população.
O outro artigo, do senador tucano, fala do absurdo que é a multa de 10% sobre o saldo do FGTS. Diz ele:
A presidente Dilma conseguiu manter o veto ao projeto que previa o fim da multa de 10% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nas demissões. Esse valor não vai para o empregado demitido e ainda contribui para aumentar a já elevada carga tributária. É injeção de Custo Brasil na veia.
Constitui, assim, mais uma entre as tantas distorções e ilegalidades das quais o FGTS vem sendo vítima. A principal delas é a remuneração dos depósitos abaixo da taxa de inflação, lamentavelmente, sob o silêncio e a cumplicidade de boa parte do movimento sindical.
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A cobrança da multa de 10% não traz qualquer benefício aos trabalhadores e à produtividade do País. Serve apenas para transferir renda dos trabalhadores por meio de um mecanismo complexo, pouco transparente e ineficaz.
Exatamente. Esse tem sido o resultado dessa união entre sindicalistas e governo: o trabalhador paga a conta! Esses líderes sindicais e políticos de esquerda monopolizam, nos discursos, as boas intenções para com os trabalhadores mais humildes.
Mal sabem esses que são usados como inocentes úteis por aqueles. É preciso deixar isso claro. É preciso explicar para esses trabalhadores que devem tomar muito cuidado com esses oportunistas que falam em seu nome, mas para benefício próprio.