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Darwin: retrato de um gênio
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O historiador britânico Paul Johnson virou mestre em biografias concisas, algo que exige certo talento, pois resumir vidas complexas de gênios como Churchill não é moleza. Em sua fantástica trilogia Os IntelectuaisOs Criadores e Os Heróis, Johnson já havia exercitado esse talento com mini-biografias de vários pensadores ou figuras importantes.

Por isso não fiquei surpreso com o resultado excelente do mais novo trabalho, justamente sobre Charles Darwin. Em apenas 130 páginas emerge o essencial deste gigante que alterou para sempre nossas vidas, para o bem ou para o mal. Para quem acreditava muito na importância da hereditariedade, Darwin nasceu na família certa, com toda uma linhagem de pensadores inteligentes. E contou muito com a sorte durante sua vida, como mostra Johnson.

A começar pelo conforto financeiro que lhe permitiu se dedicar sem grandes preocupações às pesquisas naturais. Ou quando surgiu a oportunidade de ouro para embarcar no Beagle e rodar o mundo por anos em busca de descobertas e estudos científicos. 

Mas Darwin morria de medo dos fanáticos religiosos, e também da reação de sua esposa Emma, ela mesma uma crente devota. Isso fez com que ele postergasse por anos a publicação de sua obra-prima, o livro que o tornaria famoso para sempre. A Origem das Espécies receberia um forte empurrão quando Alfred Wallace enviou diretamente a Darwin suas conclusões sobre a evolução, muito similares às suas próprias. Foi então que Darwin decidiu divulgar de uma vez, em formato mais conciso e popular, o resultado de anos de pesquisa, para mudar o mundo.

Tanto Wallace como Darwin tiveram o grande insight após a leitura da famosa obra de Malthus. Por isso mesmo, e pela falta de conhecimento mais aprofundado em matemática, Darwin retratou a natureza como uma infindável batalha de todos contra todos. Seu livro é permeado de termos como luta, guerra, extermínio. Os equívocos malthusianos teriam impacto no darwinismo, especialmente em sua versão sociológica deturpada, o darwinismo social.

O que Paul Johnson argumenta é que dois fatores extremamente emocionais influenciaram muito um cientista que tinha bastante rigor com os dados e fatos. O primeiro foi a já mencionada leitura de Malthus, em uma época em que tal catastrofismo parecia fazer mais sentido. O segundo foi a morte precoce de sua filha preferida, que abalou de vez sua crença remanescente em alguma divindade.

Apesar de seus receios, o livro foi um sucesso, e não houve perseguição alguma. Ao contrário, Darwin virou uma espécie de celebridade na era vitoriana. Seus estudos poderiam ter ido ainda mais longe não fosse sua deficiência em matemática, ou se ele tivesse contratado um assistente para mantê-lo informado sobre as novidades científicas mundiais. Coube a Mendel descobrir como a seleção natural realmente operava, dando início à genética.

Nada disso reduz a genialidade e a importância de Darwin. O lado negativo, reservado à última parte do pequeno livro de Johnson, tem ligação com o que pensadores de outras áreas fizeram com o darwinismo. Até que ponto ele deve ou não ser responsabilizado por isso é uma questão em aberto. O próprio Darwin evitava os temas políticos. Mas é inegável que o darwinismo abriu portas perigosas e fez surgir o darwinismo social.

Em primeiro lugar, o imperialismo foi alimentado, pois a “corrida pela África” passou a ser vista como uma luta pela sobrevivência entre as principais potências europeias. Bismark deu início a um programa nacional de imperialismo alemão com um slogan que ecoava o darwinismo: “Sangue e ferro”. Darwin teria grande influência na Alemanha.

O segundo aspecto derivado do darwinismo foi a eugenia, criada por seu sobrinho Francis Galton, alimentando a ideia de uma “raça superior” por meio da seleção natural. Galton queria que o estado compilasse um índice biográfico nacional de “desejáveis” e “indesejáveis”, permitindo unicamente o casamento de quem pudesse produzir seres bem-adaptados.

Vários países, como os Estados Unidos e os escandinavos, deram início a grandes programas de esterilização de criminosos e incapazes. Em Virgínia a prática continuou até 1970. O Império Britânico rejeitou a ideia em boa parte graças a G.K. Chesterton, que escreveu um livro condenando a esterilização, auxiliado pela fantástica distopia Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, publicada em 1932, retratando uma população higienizada, porém dócil e submissa, desumana.

Vários socialistas se encantaram com a esterilização também. Bernard Shaw, Beatrice e Sydney Webb e vários outros intelectuais de esquerda favoreceram a prática. Pol-Pot aprendeu com Sartre na França sobre a evolução e formas mais apuradas, regressando ao Camboja imbuído da ideia de forçar o progresso no país, o que resultou no extermínio de um terço da população. E o maior defensor da eugenia, que teve o poder de colocá-la em prática em larga escala, foi sem dúvida Adolf Hitler. Nacional-socialistas importantes como Himmler e Goebbels estudaram Darwin.

Tanto Marx como Engels ficaram encantados com o livro de Darwin logo na primeira semana do lançamento. Outros comunistas, como Lênin, Trotsky, Stálin e Mao Tse-Tung também lançaram mão da teoria da seleção natural para justificar a luta de classes.

Talvez o que a teoria da seleção natural tenha deixado passar, especialmente no caso dos homens, foi o fato de que tão importante ou mais do que a competição pela sobrevivência está a cooperação. Basta pensar no próprio capitalismo e na globalização. É evidente que a concorrência é parte importante do processo, e assim deve ser, pois é isso que força a constante busca por excelência. Mas a palavra-chave é outra: cooperação. Basta entrar em um supermercado para constatar isso.

Outro corolário do darwinismo é o niilismo. O próprio Darwin, já descrente, preferiu dedicar o final de sua vida ao estudo de vermes e plantas, talvez para não ter de enfrentar as últimas conseqüências de suas teorias. Se não há propósito para nada, se o homem não é diferente em essência por ter autoconsciência e poder examinar a própria natureza da existência, então nada tem significado, e resta um vácuo colossal que engole o universo em inutilidade.

Eis um destino lógico que o próprio Darwin não quis chegar, mas que muitos de seus seguidores acabaram chegando. Os gênios nem sempre produzem resultados apenas positivos, e isso fica claro com a biografia escrita por Paul Johnson.

Rodrigo Constantino

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