João Pereira Coutinho, na Ilustrada da Folha hoje, defendeu o “direito ao ócio”, e condenou aqueles que querem transformar a Espanha em uma Alemanha. Diz ele:
Ironia: a única coisa que tolero em Karl Marx é, bem vistas as coisas, o genro. O nome do cavalheiro é Paul Lafargue e o seu “Direito à Preguiça” é texto que guardo junto à cama. Para ler e reler quando a ociosidade me ataca. Que nos diz Lafargue?
O óbvio: haverá coisa mais triste do que uma existência inteiramente dedicada ao trabalho? Sobretudo a um trabalho que nos escraviza e desumaniza?
[…]
Espanha, que trabalha em média 37 horas, prepara-se também para imitar o exemplo germânico. Como? Abolindo almoços longos. Abolindo a “siesta” depois do almoço. Abolindo jantares tardios. Abolindo a possibilidade dos nativos se deitarem tarde e de acordarem tarde. Em suma, abolindo Espanha.
Uma comissão parlamentar prepara-se para estudar todos esses “abusos” –os “abusos” que eu mais invejava em “nuestros hermanos”– de forma a produzir uma legislação laboral que transforme os espanhóis em alemães.
Meu Deus: haverá maior crime do que transformar um povo, qualquer povo, à imagem e semelhança da Alemanha?
Amigos liberais, que olham com ternura para as minhas idiossincrasias conservadoras, dizem-me que não há alternativa: a Europa tem que trabalhar mais para produzir mais e ser mais competitiva a nível global.
Curiosamente, eu não contesto a lógica do raciocínio. Apenas o que esse raciocínio diz sobre a nossa patética civilização.
Sim, o progresso tecnológico cumpriu-se. Não se cumpriu a libertação humana que Lafargue imaginava. Com diferentes trajes e cenários, continuamos as bestas de carga iguais às que era possível contemplar em plena Revolução Industrial.
Entendo perfeitamente o ponto de vista do colega conservador. Afinal, ele quer conservar toda uma cultura, um estilo de vida sem o qual os espanhóis deixariam de ser… espanhóis. Um espanhol que rejeita sua “siesta” sagrada já não é mais um legítimo espanhol, assim como um brasileiro que não liga para samba e futebol não é um legítimo brasileiro (ops, devo ser alemão e não sabia).
Também entendo que o louvor ao trabalho, e sempre mais trabalho, tem alguma coisa de fuga da vida, ao menos da vida contemplativa, em detrimento da vida activa do homo faber e do homo laborans (acabo de ler A condição humana, de Hannah Arendt, livro árido e denso onde ela trata desses assuntos).
Não chego a endossar a tese do “ócio criativo” do italiano Domenico De Masi, mas confesso tampouco endossar a visão que endeusa o trabalho como se apenas ele, e nada além dele, justificasse nossa existência. O que não pode ser entendido como elogio à vagabundagem, por favor. Voltaire tinha um ponto quando disse: “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza”.
Dito isso, eis onde realmente divirjo do admirável Coutinho, se é que há divergência mesmo: os espanhóis não deveriam se moldar à imagem dos alemães, sacrificando com isso sua identidade; mas tampouco deveriam querer, então, desfrutar das riquezas que os alemães possuem.
Não querem abraçar a ética protestante do capitalismo? Preferem o estilo de vida latino, mais “caliente” e festeiro? Sem problemas. Desde que assumam a responsabilidade pelas consequências de tais escolhas. Ou seja, o que não dá é para escolher trabalhar pouco, descansar muito, e ter o mesmo padrão de vida dos alemães!
Estamos combinados?
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