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Dirceu, o lobista

Deu no GLOBO: Dirceu agiu em favor de empresas na Casa Civil

A Casa Civil da Presidência da República foi usada pelo então ministro José Dirceu para agir a favor de interesses de empresas, segundo documentos inéditos obtidos pelo GLOBO. Em 2004, quando a compra das mineradoras Socoimex, Samitri, Ferteco e Caemi pela Vale era objeto de pauta na Secretaria de Acompanhamento Econômico e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Dirceu encaminhou ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ofício com considerações do consultor-geral da Vale, que expressava a expectativa da empresa de que a “operação fosse aprovada sem restrições”.

A compra das empresas pela mineradora foi um negócio de R$ 2,2 bilhões, consumado em 2000 e 2001. As aquisições tornaram a Vale controladora de todo o mercado doméstico de pelotas no Sudeste. A empresa aumentou de 49% para 94% o controle da venda de minério de ferro granulado no país, e de 75% para 92% a venda do minério sinter feed (partículas finas), de acordo com relatório do órgão de defesa da livre concorrência.

Em abril de 2005, a Procuradoria do Cade emitiu parecer contrário à concentração no setor, recomendando a venda de seis unidades de mineração das empresas compradas, além da dispensa, por parte da Vale, da preferência para compra do excesso de minério de ferro da mina Casa de Pedra, da CSN. Quatro meses depois, as operações de compra foram aprovadas pelo plenário do Cade, e a única restrição mantida foi a dispensa da preferência na Casa de Pedra. Ainda assim, a Vale brigou na Justiça contra a restrição, e só a cumpriu em 2009.

O GLOBO perguntou à Vale por que ela levou seu posicionamento a José Dirceu, e não apenas ao órgão responsável pela análise do caso. Perguntou também se a empresa acionou o ministro em outras ocasiões durante sua passagem pela Casa Civil.

A mineradora disse considerar que “o pleito apresentado na carta foi recusado pelo governo”, em função da restrição mantida pelos conselheiros em decisão de plenária. E informou que não comentaria as demais questões, “uma vez que os gestores que tomaram as decisões não trabalham mais na empresa”.

A biografia não-autorizada desse sombrio personagem da política nacional, escrita pelo jornalista Otávio Cabral, da VEJA, já havia mostrado esse lado “empresário” de Dirceu. O capítulo tem um título que resume bem a coisa: O maior lobista do Brasil. Diz o autor:

Sua influência ainda era inquestionável. Contratá-lo como consultor abria portas para empresas interessadas em negócios com o governo brasileiro e de outros países nos quais tinha amigos no poder, como Cuba, Venezuela, Bolívia, Portugal, México, Angola e Moçambique. Ou, ao menos, impedia que essas portas fossem fechadas. “Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas” – gabava-se Dirceu.

Entre os clientes, estavam Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo e cheio de negócios com governos do terceiro mundo, Eike Batista, o então homem mais rico do Brasil (era tudo vento), e a Vale, sob constante ataque do PT e risco de ingerência estatal. No caso da Vale, tema da reportagem do jornal, Cabral diz:

Para evitar problemas políticos, no entanto, a remuneração a Dirceu não era feita diretamente pela mineradora, mas por escritórios de advocacia contratados por ela. A empresa aumentava em R$ 100 mil o valor creditado ao escritório, que fazia um pagamento de R$ 80 mil à consultoria de Dirceu – o restante era usado com impostos e como um bônus aos advogados laranjas. Pelo menos três escritórios do Rio de Janeiro foram utilizados no esquema, que renderia pelo menos mais R$ 5 milhões ao ex-ministro.

Essa parte da biografia do “chefe de quadrilha” do mensalão foi um tanto ignorada na repercussão do livro. Mas é uma das mais nefastas. O líder das esquerdas, o revolucionário socialista, o guru dos sindicatos e movimentos sociais, amealhou dezenas de milhões de reais como “consultor”, eufemismo para lobista. Em qualquer país sério, seria um caso escandaloso!

O julgamento dos embargos do mensalão está em sua fase final. Há indícios de articulação entre alguns ministros para um golpe no STF, que criaria a condição para um novo julgamento. Seria um duro atentado à democracia, um tiro na nuca dos brasileiros decentes, que não suportam mais tanta impunidade. Espera-se que o STF cumpra seu papel institucional e republicano, e que Dirceu, finalmente, vá para seu devido lugar: a cadeia!

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