Reinaldo Azevedo estreou na Folha em alto estilo, com um artigo que reforça os valores da democracia representativa, aquela imperfeita, mas menos pior do que todas as alternativas. Começa logo expondo a mentira que é o tal “povo”, ou por outra, aqueles que falam em nome do tal “povo”. Diz ele:
Povo não existe. É uma ficção de picaretas. “É a terceira palavra da Constituição dos EUA”, oporia alguém. É fato. Nesse caso, ele se expressa por meio de um documento que consagra a representação, única forma aceitável de governo. Se o modelo representativo segrega e não muda, a alternativa é a revolução, que é mais do que alarido de minorias radicalizadas ou de corporações influentes, tomadas como expressão da verdade ou categoria de pensamento.
Não podemos esquecer da quantidade de sangue derramada ao longo da história por gente que se dizia representante do povo. Robespierre vem à mente. Fiz uma resenha de uma ótima biografia dessa figura ímpar da Revolução Francesa, cujo título foi justamente “Em nome do povo”. Cuidado com todos aqueles que alegam representar ou falar em nome do povo, como se fossem sua própria encarnação!
Volto ao artigo de Reinaldo. Aqui ele aproveita para bater naqueles ingênuos que esperavam grandes mudanças positivas do “povo” nas ruas:
A fúria justiceira dos bons pode ser tão desastrosa como a justiça seletiva dos maus. Quem estava nas ruas? A imprensa celebrou os protestos como uma “Primavera Árabe” nativa. Nem aquela rendeu flores nem o Brasil é uma ditadura islâmica. Até houve manifestações contra o governo, mas todas foram a favor do “regime petista”. O PSDB talvez tenha imaginado que aquele “povo” –sem pobres!– faria o que o partido não fez em 11 anos: construir uma alternativa. Sem valores também alternativos aos do Partido do Poder, esqueçam.
Há 11 anos o PT ataca sistematicamente as instituições, quer as públicas, quer as privadas, mas de natureza pública, como a imprensa. Dilma ter sofrido desgaste (está em recuperação) não muda a natureza dos fatos. Da interdição do direito de ir e vir à pancadaria e ao quebra-quebra como forma de expressão, passando pela reivindicação de um Estado-babá, assistiu-se nas ruas a uma explosão de intolerância e de ódio à democracia que o petismo alimentou e alimenta. O Facebook não cria um novo ator político. Pode ser apenas o velho ator com o novo Facebook -como evidenciou a Irmandade Muçulmana no Inverno Egípcio.
Hoje, essa noção de que nada muito bom vai sair dessas manifestações virou lugar-comum, mas Reinaldo foi um dos poucos que, desde o começo, apontou nessa direção. Tenho orgulho de dizer que estava com ele nessa. Chegou a me ligar para compartilharmos de nossa perplexidade diante da postura, perdão pela falta de outro termo mais adequado, “bocó” de muitos colegas nossos diante daqueles protestos. Estavam encantados sabe-se lá com o que. Acho que era um gigante que tinha acordado, ou algo do tipo…
Aqui está a passagem mais importante do artigo, em minha opinião:
Em política, quando o fim justifica os meios, o que se tem é a brutalidade dos meios com um fim sempre desastroso. A opção moralmente aceitável é outra: os meios qualificam o fim. Querem igualdade e mais Justiça? É um bom horizonte. Mas será o terror um instrumento aceitável, ainda que fosse eficaz?
Sabemos que a máxima de que os fins justificam os meios é a mais perigosa que existe, o primeiro passo rumo ao autoritarismo, à violência, ao caos. A esquerda adora essa máxima! Não por acaso, costuma sempre produzir muita miséria, escravidão e terror em busca de sua utopia socialista.
Por fim, Reinaldo conclui com algo que tem tudo a ver com o tema do meu novo livro Esquerda Caviar, que é colocar as aparências acima dos atos, as emoções acima da razão, a imagem acima do real, e o regozijo da sensação de superioridade moral acima dos resultados concretos de suas ações:
O sequestro dos beagles, tratado com bonomia e outro-ladismo pelo jornalismo, é um emblema da ignorância dos justos e da fúria dos bons. Eles atrasaram em 10 anos o desenvolvimento de um remédio contra o câncer, mas quem há de negar que os apedeutas ilustrados têm um grande coração?
Bom, eu vou negar, expondo toda a hipocrisia dessas almas abnegadas em meu livro. Todo cuidado com os “fascistas do bem” é pouco. São muito mais perigosos do que aqueles visivelmente repletos de más intenções.
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