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Fusão “DEM-PTB” é quimera surda

Por Lucas Berlanza, para o Instituto Liberal

No fim da tarde de terça-feira (07/04), o senador Ronaldo Caiado, do Partido Democratas (DEM), fez um desabafo em seu perfil na rede social Facebook. Estava encerrada uma reunião que discutia a possibilidade de fusão da sua legenda com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), onde atualmente está “hospedado” ninguém menos que Fernando Collor, e que faz parte da base aliada do governo. Notícias repercutindo bastidores dão conta de que ACM Neto, da Bahia, seria um dos principais articuladores da fusão. O próprio Caiado, ao lado, por exemplo, de Onyx Lorenzoni, do Rio Grande do Sul, tem se destacado no enfrentamento da medida. Não por acaso, são justamente os que despontam com o discurso mais virulento de oposição ao governo federal do PT e de Dilma Rousseff. Por um placar, diz Caiado, de 21 x 4, a fusão venceu, decidindo-se “continuar as negociações com o partido trabalhista”. Caiado diz que continuará se mobilizando para enfrentar esse prognóstico, que não terá “como conviver com uma estrutura sem identidade doutrinária”, e, referindo-se a seu partido e seus companheiros, que “a população não aceitará a perda de nossa coerência”. O senador, cremos, tem razão.

Sabemos que na realidade – lamentável realidade – o DEM não representa, ou não representou tão bem o pensamento liberal clássico ou o pensamento conservador durante sua trajetória quanto poderia. Agora mesmo nos ocorre a lembrança, por exemplo, de um candidato da legenda defendendo um “governo 100 % público” em pleito no Rio de Janeiro, em tom de desdém com relação à ideia das privatizações. O DEM não supriu e não supre, como um todo, as carências de um eleitorado mais à direita por uma legítima e consolidada representação. A simples ideia de promover essa fusão é prova disso. No entanto, ideias são inspiradoras e narrativas se constroem. O DEM é herdeiro do PFL, que por sua vez veio do PDS, que sucedeu a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do regime militar. ARENA essa que é tida como sucessora predominantemente das ideias udenistas; isso não é exatamente verdade.

A União Democrática Nacional (UDN) era o partido que congregava majoritariamente as ideias economicamente mais liberais e que tinha uma posição mais à direita no espectro político, como convencionalmente isso é entendido – exceto em seu início, quando abrigava até socialistas, por ter nascido como uma frente ampla de oposição contra os herdeiros do regime ditatorial getulista recém-extinto. A própria UDN, porém, não era um bloco homogêneo, com sólidos princípios amplamente assumidos; houve no partido desde um José Sarney até um Afonso Arinos. Seu maior nome, sem dúvida, foi Carlos Lacerda, em quem o senador Caiado reconhece um modelo de oposicionista. O mesmo Carlos Lacerda que se opôs ao regime militar pouco depois de seu início, e foi cassado no AI-5, diante de um sistema que alijou a política de convicções do protagonismo em prol da fria tecnocracia; por aí se vê que a faceta mais ardorosa e “doutrinária” da UDN não sobreviveu na ARENA e não foi, portanto, sustentada pelos seus herdeiros. O DEM não se comporta como um herdeiro do udenismo lacerdista, que é o mais expressivo viés do antigo partido, com o qual ele permaneceu na memória histórica e popular.

Nem sequer o PTB atual é o mesmo do passado. Nasceu depois da disputa entre Leonel Brizola e Ivete Vargas pela herança da antiga sigla dos tempos de getulismo, com ganho de causa para a segunda (Brizola criou então o PDT). Mas o fato de a história dos dois partidos estar de alguma forma ligada aos antigos UDN e PTB, adversários extremados no interregno democrático entre o Estado Novo e o período militar e que, entremeados pelo PSD, eram os atores opostos mais importantes da cena política de então, não nos permite deixar de pensar na ironia dessa proposta de fusão. Aceitando essa quimera, o DEM se mostra surdo a qualquer possibilidade de criação de uma narrativa sobre si mesmo, de ancoragem num passado histórico, de estabelecimento de raízes, de identificação como uma marca consistente; prefere prostituir-se como qualquer partido sem valores próprios. Mais que isso, mostra-se surdo às ruas.

Em um momento em que o Brasil se deteriora, em que uma forte polarização durante o período eleitoral se converte em ampla reprovação à presidente nos meses que se seguem; diante da revelação inequívoca das grosseiras mentiras da campanha – e em que movimentos de teor liberal (como o Movimento Brasil Livre) cativam e insuflam camadas da população no sentido do questionamento ao modelo que está implantado, sobretudo há doze anos – e se abrem as portas para uma oposição de fato estridente se agigantar e se fazer ouvir, alguns têm parecido entender o recado das ruas. É o caso do senador Caiado, é o caso do deputado Onyx. Sua postura como oposicionistas tem sido implacável, e só podemos aplaudir isso, porque é o que se espera de um representante político nessa categoria. Entenderam o que significa ser “oposição”, rótulo que o DEM julgou merecer por muito tempo. Mas seus companheiros de partido parecem querer ir na contramão da história e ignorar a nova onda, imbricando-se artificialmente a um outro partido que é da base aliada do governo petista desde a era Lula.

A verdade que transparece cristalina é a de que a insatisfação do povo e dos movimentos que articularam as amplas manifestações do dia 15 de março e do próximo dia 12 não está sendo interpretada corretamente por muitos “pseudo-entendedores” dos partidos políticos que, por interesses imediatistas, se envolvem em negociatas efêmeras e se permitem cair na lata de lixo da política. Permitindo que essa fusão seja levada a cabo, o DEM abdica de ocupar um lugar que poderia preencher bem, se lesse com mais inteligência as linhas da atmosfera brasileira. Tamanha incoerência não será ignorada por quem espera realmente por algo novo que faça frente ao socialismo rasteiro “do século XXI” e o populismo torpe do status quo; esse espaço não será devidamente preenchido por desertores que se acumpliciam com o governo que deveriam combater, nem tampouco por aqueles que se dizem “oposição”, mas covardemente receiam assumir o seu lugar na História.

PS: No momento em que publico este artigo, já foi liberada a informação de que o próprio PTB rejeitou temporariamente a fusão, preferindo consultar melhor seus quadros até setembro. Não deixa de ser constrangedor que um partido da “situação” esteja dando demonstrações de maior preocupação com coerência do que um de “oposição”.

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