O governo do Reino Unido apresentou nesta quinta-feira um projeto de lei que, entre outras regras, exige a verificação da situação dos imigrantes para se ter acesso a cuidados de saúde e a habitação privadas. A proposta foi criticada por advogados e ativistas de direitos humanos, que advertem para a discriminação racial. Críticos argumentam que o projeto poderia prejudicar imigrantes legais no Reino Unido. O país quer diminuir a chegada de cidadãos de países não europeus de 176 mil no ano passado para menos de 100 mil antes da próxima eleição, em 2015.
Na prática, a legislação – que ainda será votada no Parlamento – impede os ilegais de abrir contas bancárias e tirar carteira de motorista; obriga os proprietários a checarem o status de imigração dos inquilinos; torna mais difícil apelar em casos de deportação – diminuindo de 17 para 4 as possibilidades de recurso. E ainda dificulta o acesso à saúde pública.
A ministra do Interior, Theresa May, defendeu as novas medidas alegando que a intenção é criar um ambiente hostil aos ilegais no país. A imigração é uma questão sensível no Reino Unido, principalmente num momento de crise econômica na zona do euro e cortes nos serviços públicos.
O fato incômodo que poucos querem enfrentar é o seguinte: um modelo generoso de welfare state simplesmente não combina com um ambiente de livre imigração. Por um motivo bem óbvio: os pagadores de impostos daquele país bancam um estado de bem-estar social camarada enquanto a carona grátis fica liberada. Os incentivos são inadequados.
O problema não é a imigração em si, mas o coletivismo do modelo de estado de bem-estar social. Explico isso melhor nesse artigo abaixo, lembrando que democracia, aqui, é vista simplesmente como decisão da maioria:
Democracia e Imigração
A leitura de Democracy: The God That Failed, o polêmico livro de Hans-Hermann Hoppe, suscita inúmeros questionamentos interessantes, mesmo quando o leitor não concorda com todas as conclusões do autor (meu caso), um grande descrente da democracia e defensor do anarcocapitalismo.
Em um dos capítulos, Hoppe levanta a questão da democracia mundial, pedindo para o leitor imaginar como seria um governo mundial democraticamente eleito de acordo com o princípio de uma pessoa, um voto. Provavelmente, haveria algo como uma coalizão entre Índia e China, que por suas expressivas populações, venceriam facilmente.
E o que este governo democraticamente eleito faria para agradar seus eleitores e ser reeleito? O governo iria, provavelmente, pregar uma distribuição de renda dos países mais ricos, como Estados Unidos e Japão, para esses países mais pobres e de numerosas populações.
A mesma ideia vale dentro de uma nação, e o governo democraticamente eleito tende a partir para o populismo, pregando tirar na marra a riqueza dos mais ricos e distribuí-la entre os mais pobres, em maior quantidade. Esse risco não é novidade e, por causa dele, muitos pensadores antigos não demonstraram muito apreço pela ideia da democracia, vista aqui como a simples ditadura da maioria.
Aristóteles já havia abordado o paradoxo em Política, ao perguntar: “Se, por serem superiores em número, aprouver aos pobres dividir os bens dos ricos, não será isso uma injustiça?”. Os “pais fundadores” dos Estados Unidos tinham esse risco em mente, e por conta disso defenderam uma República constitucional, buscando ao máximo limitar o poder arbitrário das massas. O Bill of Rights tinha como objetivo justamente a proteção individual contra o próprio governo.
Uma democracia pura e simples, onde o voto da maioria decide tudo, acaba levando a esse tipo de injustiça, onde a propriedade privada cede lugar à espoliação, ainda que legal. Evitar esse perigo é uma tarefa muito complicada, ainda mais quando a democracia passa a ser vista por muitos como um fim em si, e não como um meio para a preservação do verdadeiro fim: a propriedade privada.
Quanto maior for o território, mais complexa será a solução, pois o ambiente fica ainda mais propício para que espoliadores roubem suas vítimas desconhecidas. Em locais menores, onde os cidadãos se conhecem, esse risco é mitigado. Eis um dos bons argumentos para a defesa do federalismo e do princípio da subsidiariedade, que tem por objetivo assegurar uma tomada de decisões o mais próxima possível dos cidadãos.
Aquilo que pode ser feito pelo próprio indivíduo, assim deve ser feito. Em seguida, passa-se para o âmbito familiar, depois o bairro, município, estado e por fim governo federal, que cuidaria de muito pouca coisa, somente o básico geral.
Hoppe defende em seu livro o direito à secessão, como uma importante medida protetora da propriedade privada e inibidora da voracidade espoliadora do governo democraticamente eleito. Para ele, a secessão sempre envolve a quebra de populações maiores em menores, representando, portanto, um voto contra o princípio da “democracia”, da tirania da maioria.
As relações domésticas hegemônicas são substituídas por relações estrangeiras contratuais, logo, mutuamente benéficas. Ao invés de uma integração forçada, ocorre uma separação voluntária. A secessão, segundo o autor, iria estimular um processo cooperativo de seleção e avanço cultural. Os pequenos territórios seriam mais dependentes das trocas externas, e teriam incentivos para manter uma economia aberta.
Cingapura, Hong Kong, Suíça e Mônaco seriam exemplos mais próximos dessa realidade. Um governo sob a constante ameaça da possibilidade de uma secessão pacífica terá fortes incentivos para reduzir os impostos e a espoliação. Os cidadãos estariam livres para votar com os próprios pés, e isso dificultaria muito a centralização de poder, sempre prejudicial à liberdade individual.
Aqueles brasileiros que celebram o feriado de Tiradentes deveriam ter em mente que a Inconfidência Mineira era justamente um movimento separatista, inspirado na revolução americana de 1776. Com a “derrama”, o aumento de impostos pela Coroa portuguesa, um quinto do ouro produzido deveria ser transferido para o governo, e isso gerou a revolta popular.
Atualmente, quase o dobro desse montante é confiscado pelo governo central, mas o fato de tal espoliação ser democrática gera enorme passividade nos súditos, que acreditam na democracia como um governo “do povo para o povo”. Ora, se fosse isso mesmo, para que seria preciso o governo como intermediário? Por que não devolver simplesmente o poder ao povo, a cada indivíduo?
Sendo a democracia a escolha da maioria, haverá uma tendência natural de um governo democrático migrar para o modelo de welfare state, tirando boa parte da propriedade privada dos indivíduos em nome do “bem público”. Esta forma de governo logo levanta uma importante questão: a imigração. Se um governo vai taxar pesadamente os mais ricos em nome do “bem-estar geral” da nação, oferecendo então moradias, hospitais, escolas, espaços de lazer, seguro-desemprego, enfim, uma “vida digna gratuita” para todos, como evitar que inúmeros parasitas do mundo todo migrem para esta nação em busca dessa gama de serviços gratuitos?
O welfare state acaba, naturalmente, incitando um sentimento de xenofobia em seu povo. Aqueles que já conseguiram, em nome do “bem comum” e através da democracia, extrair o máximo de riqueza produzida pelos indivíduos mais capazes, não desejam competição. Um grande fluxo migratório de parasitas e de vagabundos iria reduzir muito a qualidade dos serviços, pois a quantidade de hospedeiros seria mantida constante.
Se todos os pobres do mundo pudessem migrar livremente para a Noruega, como ficaria a qualidade de vida desse pequeno e rico país? Nem mesmo todo aquele petróleo seria suficiente para salvar todos da completa miséria, mantendo-se o modelo atual de governo bem-feitor.
Não custa lembrar que os Estados Unidos foram criados à base da imigração, mas naquele tempo o governo ainda era mínimo e não oferecia todas as regalias típicas do welfare state. Assim, o país atraía, normalmente, os indivíduos com espírito empreendedor, individualistas que estavam em busca de trabalho duro e oportunidades para o próprio sustento.
Eram pessoas que fugiam justamente de países com maior intervenção estatal, buscando a ampla liberdade individual oferecida lá. Os Estados Unidos, por sua maior garantia à propriedade privada, sempre foi o destino preferido do “brain drain” mundial, atraindo os melhores intelectos e empreendedores do mundo todo.
Os defensores incondicionais da democracia e da livre imigração enfrentam um paradoxo, já que esse mundo idealizado por eles seria, muito provavelmente, a idealização da mediocridade. Não haveria incentivos para ser mais eficiente e produtivo, já que qualquer um menos eficiente e produtivo, no mundo todo, teria direito a uma fatia dessa produção através do voto, não de trocas voluntárias.
Levando o princípio da democracia ao extremo, e assumindo a liberdade de imigração, teríamos o caso abordado no começo do artigo, de uma democracia mundial. O welfare state seria bancado na marra com o dinheiro dos americanos e japoneses, beneficiando os indianos e os chineses. Somente quem acha que o mais rico tem uma obrigação moral de trabalhar forçado como escravo para os mais pobres de todo o mundo, defenderia tal coisa.
Um rico canadense, por exemplo, teria o dever legal de sustentar um pobre da Jamaica. Seria a tirania da maioria em escala planetária! Não há absolutamente nada de moral nisso, sem falar da destruição de riqueza que esse modelo iria gerar. Afinal, o que gera riqueza mesmo não é a democracia, seja ela dentro de uma fronteira arbitrariamente definida ou no mundo todo. O que gera riqueza é o direito de propriedade privada, que corre muito perigo na democracia se mecanismos de defesa não forem adotados.
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