Usando como pano de fundo a tentativa de censura à apresentadora do SBT Rachel Sheherezade, que surtiu o efeito desejado pela esquerda, Pedro Doria defendeu, em sua coluna de hoje no GLOBO, uma liberdade de expressão ampla, que inclui o direito de os mais radicais também colocarem seus pontos de vista. Doria cita Thomas Jefferson, ele mesmo um radical, para sustentar seu raciocínio:
Thomas Jefferson, cuja data de nascimento foi celebrada domingo, disse que “a liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida”. Os EUA, país que ajudou a fundar, têm a legislação mais incisiva na defesa da livre expressão. Não quer dizer que seja absoluta. Mas que, antes de punir o discurso, pesam se vale o risco. Porque, a não ser que os critérios para punir o discurso sejam extremamente rigorosos, fica fácil demais. E a censura se estabelece.
Entre um governo sem imprensa ou uma imprensa sem governo, o “pai fundador” dos Estados Unidos não tinha dúvida de qual escolher: a imprensa sem governo. Doria é autor de um livro novo sobre Tiradentes, que li nesse fim de semana. Sabe do que está falando, portanto, pois Tiradentes, outro radical, foi influenciado pelas ideias de Jefferson e acabou morto por falar demais, por defender ideais iluministas e republicanos no Brasil colonial. Faltava liberdade de expressão.
Defender a liberdade apenas quando estamos de acordo com o que é dito é muito fácil. O teste vem justamente quando precisamos defender essa liberdade para ideias que abominamos, que rejeitamos com toda a nossa força, que batem de frente com nossas ideologias. E, como reconhece Doria, o “radicalismo” de Sheherezade encontra eco em pelo menos um quarto da população brasileira, que deve ser escutada (ainda que para poder ser contestada, se for o caso).
Não quer dizer que não haverá algum limite, mas sim que o liberal tenderá a ser muito mais tolerante com o discurso de quem discorda, enquanto a esquerda e a direita mais autoritárias costumam optar por maiores restrições.
No caso de incitação ao crime, Doria lembra como pode ser um caminho escorregadio, uma vez que muita coisa hoje poderia ser vista como “apologia ao crime”: defender legalização das drogas, do aborto, ou quando a esquerda justifica a invasão de propriedade privada com base no vago conceito de “justiça social”. Ele tenta traçar uma linha divisória:
Incitação ao crime é critério para punir a fala. Mas é preciso provar que um crime ocorreu causado por ela. Uma coisa é desejar a morte de alguém numa conversa de bar. Outra é clamar pela morte da pessoa, em frente a sua casa, perante uma turba em fúria. Não se pune a mensagem. Punem-se os efeitos concretos da mensagem.
Não haverá nunca um critério perfeitamente objetivo, simples. Será inevitável cair em algumas regiões cinzentas. Mas, como já disse, o liberal vai preferir sempre pecar pelo excesso de liberdade de expressão, doa a quem doer, enquanto a esquerda costuma defender o direito de expressão daqueles com quem concorda, ponto. Doria conclui:
Pode não parecer intuitivo, mas é só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade, à direita e à esquerda, que realmente expomos seus vícios. Só assim somos realmente livres. A internet é uma máquina de livre expressão. Que seja amplamente usada.
A única diferença, ignorada por Doria, é que a esquerda radical já goza de ampla liberdade de expressão, a ponto de ter vários representantes na mídia “mainstream”. Para piorar a situação, vivemos em um quadro tão evidente de hegemonia da esquerda que muitos desses radicais são vistos como moderados, enquanto alguns nem tão radicais assim do outro lado são tachados de ultra-radicais.
O que é novidade é justamente alguns mais radicais (ou enfáticos) do lado direito surgindo em cena, e causando esse furor todo, deixando a esquerda em polvorosa, despertando essa reação autoritária de censura. O que prova, uma vez mais, que todo o discurso da esquerda em prol da pluralidade é da boca para fora, conversa para boi dormir. No caso, a população bovina de eleitores que ainda acredita na moderação dessa nossa esquerda…
Rodrigo Constantino
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