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O alerta de Lincoln: não é possível enganar todos o tempo todo. Ou: A vingança do mercado

“Pode-se enganar a todos por algum tempo; Pode-se enganar alguns por todo o tempo; Mas não se pode enganar a todos todo o tempo…”
―Abraham Lincoln

Talvez a principal bandeira econômica do governo Dilma tenha sido a redução na taxa de juros. A presidente comprou pessoalmente essa briga, o Banco Central não teve autonomia operacional, e os bancos foram alvos de duros ataques do governo. Os juros cairiam de qualquer maneira, era questão de honra para a presidente. Em 2012, ela chegou a declarar:

“Estamos caminhando para taxas maiores de crescimento, então, os juros também vão refletir cada vez mais essa realidade de maturação. Eu já disse que não entendo os fundamentos técnicos de certo nível de spread.”

Ao ser perguntada se a redução de juros promovida por bancos públicos e privados era suficiente, a presidente respondeu: “será um processo de amadurecimento do país, que vai nos encaminhar progressivamente para termos juros mais condizentes com nossa realidade porque não somos um país qualquer.”

De fato, não somos um país qualquer. Somos um país cujo governo pensou ser possível reduzir a taxa de juros, ou seja, o custo do capital, por decreto. Ocorre que as leis econômicas não funcionam assim. O governo pode até determinar preços importantes com sua caneta mágica, mas isso tem consequências não intencionais, efeitos não desejados.

No caso do custo do capital, quando ele é artificialmente jogado para baixo, isso distorce a alocação de recursos e altera a decisão dos consumidores. Sem o devido lastro na poupança, faltará oferta maior do lado dos produtores, e isso levará a mais inflação.

À época, quando boa parte da imprensa celebrava a “coragem” da presidente de enfrentar os bancos e reduzir os juros, escrevi alguns artigos alertando que isso teria um resultado ruim à frente. Em um deles, em 2012, condenei essa “cruzada contra os juros”, antecipando um cenário bastante complicado quando o quadro externo mudasse:

Só há um pequeno detalhe nesta cruzada do governo contra os juros: o risco inflacionário. É verdade que o quadro mundial, com países desenvolvidos pagando taxa de juro real negativa, permite esta “ousadia” (irresponsabilidade) do governo por algum período. Mas o governo não fez uma única reforma estrutural que aumentasse a produtividade do país, tampouco reduziu seus gastos para permitir o aumento de oferta da poupança doméstica.

Logo, todo o crescimento de crédito, que tem sido acima de 15% ao ano por vários anos, não encontra lastro nos fundamentos econômicos. Quando a economia ameaça desaquecer, o governo resolve então injetar mais crédito de forma artificial, sendo que a inflação já se encontra acima do centro da meta, que por sua vez já é bastante elevada. Para um povo consumista como o nosso, isso é um convite para financiamentos arriscados. A inadimplência, mesmo com todo mundo empregado, já começa a subir de forma preocupante.

Enquanto o cenário externo seguir favorável a países emergentes com vastos recursos naturais, a farra poderá continuar sem grandes impactos negativos. Mas não se enganem: uma bomba-relógio está sendo montada, uma bolha creditícia está sendo inflada pelo próprio governo. Quando ela estourar, lembrem-se de que não foi culpa dos bancos, do mercado ou do capitalismo, mas sim de um governo que deseja estimular o crescimento econômico no curto prazo com medidas artificiais em vez de fazer o duro dever de casa das reformas.

Em outro texto, no mesmo ano, insisti em alertas pessimistas:

Eis uma hipótese: a presidente Dilma andou falando no “tsunami monetário”, e novas medidas protecionistas foram adotadas. Com o cenário externo do jeito que está, com taxa de juros negativa em termos reais, há uma enxurrada de recursos para países emergentes como o Brasil. O câmbio de valoriza, e a indústria reclama. Como o governo não faz uma única reforma estrutural para reduzir o velho Custo Brasil (e a presidente ainda descartou qualquer chance de reforma trabalhista), resta partir para medidas paliativas para acalmar os industriais. Protecionismo, subsídios do BNDES e queda de juros na marra, eis o que resta como opção. E às favas com o controle da inflação!

O Copom deixa claro que conta com um “permanente” fluxo de poupança externa para financiar nosso crescimento, uma vez que falta poupança doméstica (o governo arrecada muito e gasta muito). Eis o que diz o parágrafo 34: “O Copom também pondera que têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente” (meus grifos). Atentai para o uso deliberado do termo “permanente”. Os estrangeiros sempre estarão dispostos a investir no Brasil. Parece uma premissa bastante arrojada, para dizer o mínimo.

Até quando esta perigosa brincadeira pode durar? Ninguém sabe ao certo. O que podemos afirmar com maior grau de convicção é que o governo parece um adolescente bêbado riscando fósforos em um paiol repleto de pólvora. Para esta ousada (ou irresponsável) aposta “dar certo” (leia-se não explodir no curto prazo), o cenário externo tem que permanecer como está por muito mais tempo. O governo vai testar até onde pode levar a taxa de juros real no Brasil, contando com a negligência dos agentes econômicos, amarrados pelas igualmente irresponsáveis medidas do Fed, BCE, Bank of England e Bank of Japan. Nunca foi boa desculpa fazer besteira só porque o vizinho também faz.

Pois bem: o cenário externo agora mudou, e o Brasil foi pego de surpresa. Aquela importante bandeira política da presidente Dilma se desfez por completo. A taxa de juros terá de subir, e bastante, se o governo ainda quiser recuperar a credibilidade e combater a inflação. É o que o mercado de juros mostra. A taxa nos contratos de DI para 2021 não param de subir (ver gráfico). Até quando o BC resistirá sem dar um choque na Selic, para tentar reverter o quadro preocupante?

O que o gráfico demonstra é justamente aquilo que Lincoln alertava: foi possível enganar muitos por algum tempo, mas não é possível enganar todos o tempo todo. A taxa de juros foi descendo de escada rolante, sob forte pressão do governo, mas sem os fundamentos adequados que justificassem isso. Agora, subiu de elevador, esfregando a dura realidade na cara de todos. É a vingança do mercado.

A presidente Dilma terá que buscar outra bandeira para defender seu legado. O PAC se mostrou um fracasso, a “faxina ética” se mostrou um engodo, a eficiente gestora era um mito, e a corajosa guerra contra os altos juros foi apenas um grave equívoco de sua equipe econômica, sem preparo e até mesmo irresponsável. Não será nada fácil a presidente encontrar uma bandeira positiva…

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