Em sua coluna de hoje na Ilustrada da Folha, João Pereira Coutinho fala de um tema muito importante para o Brasil: não devemos confundir o artista com sua obra. Coutinho está reagindo às novas acusações, pós-mortem, de que Gore Vidal seria pedófilo.
Caso fosse verdade, seria terrível para sua reputação, como ser humano. Mas não mudaria em nada a estética de sua obra. Eis o que diz o português:
[…] existe uma autonomia na criação estética que não se confunde com a biografia ética. Admito apenas uma exceção a essa regra (já irei a ela), mas pretender julgar qualquer obra com as falhas de conduta do criador seria inaugurar uma “caça às bruxas” que deixaria os nossos museus e as nossas bibliotecas irremediavelmente mais pobres.
O antissemitismo de Céline não retira uma vírgula à grandeza romanesca da sua obra. Martin Heidegger merece ser lido, e bem lido, independentemente dos entusiasmos pelo nazismo.
E, para recuarmos na história, não passa pela cabeça de ninguém condenar a pintura de Caravaggio simplesmente porque ele era um delinquente e um provável homicida.
Exceções à regra? Apenas uma: quando o próprio autor não respeita a separação entre a ética e a estética, usando a segunda para esconder a primeira. A misantropia de Evelyn Waugh não me incomoda porque os seus romances não procuram sublimar ou ocultar o ser intratável que ele era.
Mas confesso algumas dificuldades em levar a sério o humanismo moralista de Arthur Miller quando sei que esse humanismo não era praticado pelo próprio em relação ao filho com síndrome de Down, que ele abandonou no asilo e conscientemente rasurou da sua biografia.
Repito: não espero que um artista seja um santo. Mas também não tolero que ele se faça passar por santo. E, sobretudo, que faça sermões aos outros exigindo essa santidade.
Estou de acordo. Mas como isso é distante da realidade brasileira! Por aqui, a confusão entre obra e artista é total. Para ambos os lados. Principalmente para o lado oposto: uma grande obra absolve qualquer falha humana, e eleva ao patamar de santidade o artista.
Se é bom compositor, logo vira um incrível humanista com profunda sabedoria política. Se foi um famoso arquiteto, então é logo associado ao mais nobre e abnegado altruísmo de quem vive em função dos pobres. Se é bom ator, pode falar a baboseira que for sobre economia, que será visto como gênio no assunto.
O alerta é tão importante que coloquei em letras garrafais no Esquerda Caviar:
NÃO DEVEMOS CONFUNDIR A ADMIRAÇÃO À OBRA DO ARTISTA COM SUA PRÓPRIA PESSOA OU SUAS IDEIAS POLÍTICAS.
Podemos respeitar ou até idolatrar certo músico, sem que isso signifique que suas ideias políticas devam ser também aceitas. Podemos ter ojeriza à conduta hipócrita de um famoso arquiteto, e ainda assim reconhecer sua importância em seu campo de trabalho. Podemos aplaudir de pé um excelente ator, e logo depois vomitar com seu discurso boboca.
Ou alguém aprecia a Miss Universo por seu discurso sobre a paz mundial, e não por sua beleza? Quem foi que disse que atores e músicos são especialistas em economia e clima? Constatemos o óbvio: um canalha pode ser um excelente músico, pintor ou ator, assim como uma mulher com a cabeça oca pode ser linda.
Devemos separar uma coisa da outra. O que será atacado nesse livro é a visão ideológica dos artistas e intelectuais da esquerda caviar, assim como suas contradições entre discurso e prática. Não vem ao caso e nem é do meu interesse criticar suas obras artísticas ou científicas. Como disse Thomas Sowell em Intellectuals and Society:
O passo em falso fatal de tais intelectuais é assumir que a capacidade superior dentro de um campo particular pode ser generalizada como sabedoria ou moralidade superiores sobre tudo.
Aldous Huxley, em seu romance Contraponto, coloca em um dos personagens um alerta semelhante:
Uma das coisas mais difíceis de ter em mente é que o valor de um homem numa esfera determinada não constitui uma garantia de seu valor em outra esfera. A matemática de Newton não prova nada em favor de sua teologia. […] Platão escreveu maravilhosamente bem, e esta é a razão pela qual muita gente acredita ainda na sua perniciosa filosofia. Tolstoi foi um excelente romancista; mas não constitui isto razão para que deixemos de considerar detestáveis suas ideias sobre a moral, ou para que sintamos outra coisa que não seja desdém pela sua estética, pela sua sociologia e pela sua religião.
Esse alerta é especialmente importante no Brasil. Por aqui, há com frequência essa mistura. Basta o sujeito ser um músico bom que combateu a ditadura para se tornar um grande pensador político. Basta o arquiteto ser mundialmente famoso para que seu affair com ditadores sanguinários seja esquecido. Até mesmo jogador de futebol famoso acaba virando sumidade em temas sociais e políticos.
Saibamos, portanto, separar a obra do artista. Uma grande obra pode ser fruto de um ser humano deplorável, e nem ela se estraga por isso, nem ele vira santo por isso. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
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