O artigo de Gustavo Ioschpe na Veja dessa semana está excelente. Traz à tona um dilema que muitos pais enfrentam. Eu, com filha pré-adolescente, sei bem do que ele fala. Eis o ponto principal:
Na minha visão, só existem, assim, dois cenários em que é objetivamente melhor ser ético do que não. O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no próximo. Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma sociedade ética em que os desvios de comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é um país sério.
Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo real. E acredito que a ética e a honestidade são valores axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema: será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da consciência, do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia, como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar com atrasos, não insistir para que não colem na escola, não instruir para que devolvam o troco recebido a mais…
Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade, já é causa para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão mais felizes assim – pelo contrário -, nem porque acredite que, no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai, se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo. Oxalá.
Entendo exatamente o que o autor diz. Fui educado com o rigor da palavra, mais valiosa que o contrato escrito. A responsabilidade pelos atos e pelo que é dito sempre foi parte fundamental de minha formação. Não devemos aderir à malandragem só porque há malandros demais em volta.
Tal educação, em meu caso, jamais teve teor religioso. Não era algum temor de punição divina que me levava a ser correto, decente; era a compreensão de que isso é o certo a fazer. E assim tenho tentado educar minha filha.
Em família não religiosa, talvez seja mais difícil explicar que é bom ser bom, simplesmente por ser bom, e não por algum resultado prático e utilitarista de curto prazo, e que alguns mandamentos não são negociáveis, ponto. Mas é o que venho fazendo, com bons resultados.
O mais desafiador, naturalmente, é conseguir isso em um ambiente hostil a tais valores. A filha olha em volta e vê que tal comportamento tem um custo, pode ser um fardo até, do ponto de vista prático. A amiga é filha de político e mora em uma casa enorme, cheia de luxo, e pode ir à Disney todo ano. A outra tem pai funcionário público cheio de tempo vago para dedicar a filha.
Algumas amigas, com menos de 12 anos, já levam vidas de mulheres, pois os pais ou não ligam muito, ou aderiram ao zeitgeist sem muita reflexão. Baile funk com shortinhos minúsculos passa a ser parte do cotidiano, pois quem não deixa é preconceituoso.
Enfim, os dilemas de se educar bem os filhos já existem para todos, em todas as épocas. Nos tempos modernos, há claros agravantes, ou novos desafios. E no Brasil, então, nem se fala!
Como explicar que é errado se apropriar de algo que não lhe pertence, se a imprensa mostra diariamente vários casos disso, sem punição alguma? Como falar para a filha que transgredir as regras é errado e deve ser punido, se ela observa que isso não ocorre na prática?
Como mostrar a importância do respeito aos mais velhos, se isso é visto como “careta” e ultrapassado em seu círculo de amizades? Como incutir a importância de assumir os próprios erros, se ela vê na televisão que os próprios líderes da nação mentem de forma deslavada o tempo todo, alegando que nada sabem sobre os “malfeitos” de sua equipe de confiança?
Não é nada fácil. Mas, assim como Gustavo Ioschpe, foi a escolha que fiz. Não conseguiria fazer diferente. Jamais teria paz de espírito se me dobrasse diante da pressão externa e “educasse” minha filha com os “valores” flexíveis e relativistas de boa parte de nossa sociedade.
Posso apenas esperar que, um dia, mais e mais crianças sejam educadas dessa forma, para que o Brasil se transforme em um país mais decente, onde a ética é valorizada, não a malandragem.
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