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O Ibovespa tende à insignificância se não evoluir

Mostrei em artigo anterior que o método de cálculo do Ibovespa, o índice geral de ações brasileiras, acaba produzindo uma carteira pouco representativa da economia real do país. Recentemente, tivemos o caso da OGX, que distorce completamente o indicador. Vou explicar um pouco melhor o problema.

O Ibovespa é calculado com base em uma metodologia de 1968, que leva em conta a quantidade de negócios do papel na hora de atribuir seu peso no total. O problema é que, quando uma ação despenca de valor, ela pode ter enorme giro de negócios, e ainda assim pouca representatividade na economia.

Uma ação avaliada em centavos pode ser transacionada milhões de vezes no dia, e isso significar quase nada em termos de valor. Mas pelo índice de negociabilidade, ela terá peso elevado na composição final da carteira. É justamente o caso da OGX hoje.

Seu peso, após reavaliação recente da carteira, foi para mais de 5,5% no total, sendo que o valor de mercado não chega a R$ 1,4 bilhão. Já uma Ambev, por exemplo, possui valor de mercado de R$ 255 bilhões, mas representa menos de 1,6% do índice.

Em outras palavras: se a OGX dobrar de preço, isso quer dizer que ela adicionou pouco mais de R$ 1,3 bilhão de valor de mercado, e isso terá um impacto positivo de 5,5% no Ibovespa. Para a Ambev produzir um efeito parecido no índice, ela teria que, ao menos, triplicar de preço. Ou seja, agregar mais de R$ 500 bilhões em seu valor de mercado!

Algo muito distorcido ocorre com o índice. Isso tem efeitos negativos para o mercado de capitais. Para começo de conversa, gera mais volatilidade do que deveria no principal indicador da bolsa, e inviabiliza a vida dos especuladores que fazem day trade (compra e venda no mesmo dia).

Qualquer oscilação na OGX já produz uma variação acentuada no Ibovespa, e cada centavo para lá ou para cá, insignificante do ponto de vista de valor, representa 2,5% de mudança na cotação da empresa. Nenhum especulador consegue operar sem olho fixo na OGX.

Em segundo lugar, como o Ibovespa é usado como parâmetro por vários fundos passivos, eles são forçados a carregar em suas carteiras uma empresa prestes a quebrar e sumir do mapa. O investidor de fundo passivo é obrigado a ter ações da OGX, mesmo sem desejar, em proporção completamente desproporcional ao que seu valor representa da economia brasileira.

A BM&FBOVESPA está ciente dos problemas, e vários gestores já procuraram a bolsa para reclamar. Está programada uma mudança da metodologia para janeiro de 2014, mas não se sabe exatamente qual. A proposta passa por levar mais em conta o free float da empresa, ou seja, quanto ela tem de valor em ações negociáveis em mercado, fora do bloco de controle.

As “penny stocks”, ou seja, aquelas empresas que praticamente viraram pó (ações cujo valor médio da ação no período entre dois rebalanceamentos seja inferior a R$1,00), serão excluídas do índice. Até lá, o Ibovespa continua como um indicador totalmente falho do nosso mercado, e corre o risco de perder ainda mais relevância.

Isso aconteceu com o Dow Jones nos Estados Unidos também. Ao adotar uma metodologia esdrúxula, ligada ao preço da ação e não ao seu valor de mercado, as 30 empresas que compõem o índice não simbolizam de forma alguma a economia americana.

O resultado é que ele se tornou obsoleto, e ninguém mais olha para o Dow Jones, à exceção de jornalistas desatualizados. Os investidores olham para o S&P 500 ou o Russell 2000, que são bem mais representativos da bolsa americana.

Esse problema não é novo no Ibovespa. A Globo Cabo, antecessora da Net, chegou a representar 8% do índice, e era uma empresa praticamente quebrada. Como colocou Alexandre Rezende, sócio da Oceana Investimentos:

O maior problema é que o desempenho do índice passa a ser uma referência muito distante de como a economia como um todo, ou mais especificamente, as empresas de capital aberto, estão evoluindo no tempo. O ideal seria que o índice tivesse menos descolamento com a evolução das empresas mais representativas na economia brasileira. A solução é alguma ponderação por market cap (valor de mercado) ou, no mínimo, free float.

Outra gestora carioca, uma das maiores do país, disse-me que a BM&FBOVESPA tem sido muito lenta nas mudanças, e que isso prejudica o mercado como um todo. A perda do histórico do índice é uma preocupação de alguns, pois os analistas estariam comparando laranja com banana. Mas isso não pode ser desculpa razoável para se preservar um indicador obsoleto e que gera distorções profundas no mercado. A gestora, pedindo para não ser identificada, culpou a diretoria executiva da bolsa pela lentidão nas mudanças.

Endossando a visão crítica do cálculo do Ibovespa, um gestor de uma das maiores corretoras do país resume bem a situação:

O Ibovespa é um maná para os gestores ativos, pois fica fácil “bater” o índice e ganhar performance fee. Mas é prejudicial para o mercado, pois acaba dificultando a atração de mais investidores e subestima a performance de fato da bolsa brasileira. 

Portanto, cabe a cada investidor ficar atento ao que compra. Se o fundo for ativo, verifique se ele cobra taxa de performance em relação ao Ibovespa. Não é o ideal. Cada vez mais fundos usam outros indicadores, como o IBX-50 ou IPCA + 6% ao ano.

Se for um fundo passivo, cuidado redobrado: estará levando junto da cesta porcarias que só estão lá por conta de uma excrescência na metodologia atual usada pela bolsa. Quem acha que está sendo conservador ao comprar o índice, precisa lembrar que tem mais de 5% do total investidos na OGX de Eike Batista, empresa em condições pré-falimentares. Conservador?

Para fechar, deixo a dica de Alexandre Rezende, da Oceana Investimentos, cuja abordagem de investimento é ativa e bottom up, ou seja, procura ativos bons a preços atraentes independentemente da composição na carteira do Ibovespa:

Temos várias críticas quanto a “investir” no índice. Cesta inconstante no tempo: faz sentido dizer que há 2 anos uma banana e 3 laranjas custavam R$ 2 e hoje uma pêra, 2 laranjas e 200g de picanha custam R$ 4? Como diz Warren Buffett: “É impossível comprar o que é popular (ou está na moda) por preços atrativos”. O Ibovespa é uma cesta de “popularidade”, bem diferente do que nós consideramos ideal: atratividade (do investimento).

Faço apenas um alerta ao investidor: superar o índice, mesmo com tais imperfeições, não é nada fácil no longo prazo, e poucos gestores ativos conseguem esta façanha. Espero ter colaborado para a melhor compreensão de nosso mercado de ações, instrumento crucial para o desenvolvimento econômico, cujo termômetro, no Brasil, está quebrado. Boa sorte e lembre-se: Caveat Emptor!

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