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O mito do protecionismo esclarecido

Alguns leitores perguntam se vi a entrevista do coreano Ha-Joon Chang na Globo News ontem. Não vi. Mas posso imaginar o teor de seu discurso. Já li seu livro Maus Samaritanos, e artigos sobre sua tese do “chutando a escada”. Nada mais que o velho mercantilismo de Friedrich List requentado.

Aliás, aproveito para fazer um breve parêntese: a Globo News, assim como o jornal Valor Econômico, tem dado uma guinada escancarada ao esquerdismo, não acham? O jornal até dispensou recentemente um dos melhores colunistas, Alexandre Schwartsman, sem explicação alguma. Estranho… mas fecho o parêntese.

Voltando ao coreano, segue a resenha crítica que escrevi de seu livro para a revista gaúcha Amanhã, publicada em 2009. Acho que ficará mais claro o que penso de suas ideias, e arriscaria dizer que deve rebater seus pontos na entrevista da Globo News também:

O Mito do Protecionismo Esclarecido

Uma coletânea de falácias. Assim pode ser resumido “Maus Samaritanos”, o novo livro de Ha-Joon Chang, que defende o protecionismo estatal contra o livre-comércio. O “novo desenvolvimentismo” de Chang é apenas o velho mercantilismo.

A tese do livro é que os países ricos se desenvolveram graças ao protecionismo estatal. Agora, eles pretendem “chutar a escada” e impedir o acesso aos países pobres. Para tanto, contam com um poderoso aparato de neoliberais – os “maus samaritanos”. Assim, a privatização, a redução da burocracia, um banco central menos politizado, o combate á inflação, a abertura comercial e o equilíbrio orçamentário do governo seriam medidas prejudiciais aos países pobres, defendidas pelos neoliberais por interesse ou ignorância. A “Trindade Profana”, representada pelo FMI, OMC e Banco Mundial, seria a principal arma deles.

Contra a “mão invisível” do mercado, seria necessária a “mão benevolente” do governo. Trata-se do velho dirigismo estatal, a crença de que o Estado deve assumir a locomotiva do desenvolvimento econômico. Chang parece acreditar que um “déspota esclarecido” irá decidir qual protecionismo é desejável, e tomar medidas sempre com o “bem-comum” em mente. O governante será clarividente e honesto, uma espécie de “rei filósofo” platônico. Chang acredita no paternalismo estatal, e chega a fazer uma analogia entre a proteção ao seu filho de seis anos até a maturidade, e a proteção do governo às “empresas nascentes”. O governo é o pai do povo.

Os países ricos deveriam aceitar o protecionismo dos mais pobres sem reclamar, pois são mais ricos. Um dos problemas disso é que o protecionismo não beneficia os países pobres, mas sim grupos ricos desses países. É análogo ao marxismo dentro de cada nação: atacar os mais ricos não favorece os mais pobres, e sim o contrário. Outro problema desse raciocínio é que o protecionismo seria desejável dentro da nação também. Cada estado deveria proteger suas indústrias para garantir seu desenvolvimento. A lógica poderia continuar: cada bairro deveria fazer o mesmo. No extremo, acaba-se concluindo que a auto-subsistência do indivíduo pode ser desejável.

Chang confunde correlação com causalidade, citando fases protecionistas com bons resultados, e afirmando que as reformas neoliberais geraram as crises. A falácia desse raciocínio é que o crescimento apenas hipotecou o futuro. Após uma era de crescimento artificialmente gerado pelos gastos estatais, um ajuste se faz necessário. Mas Chang prefere condenar o termômetro pela febre. Ele ataca os sintomas expostos pelo mercado, em vez das causas plantadas pelo desenvolvimentismo.

Se há protecionismo nos países desenvolvidos, então ele é causa do sucesso. No livro, “aprendemos” que Taiwan, Cingapura, Irlanda, Estados Unidos, Inglaterra e Suíça são exemplos de sucesso do protecionismo esclarecido, e que Argentina, Brasil e Rússia são casos de fracassos do neoliberalismo. Quanta inversão!

Chang posa como o “bom samaritano” em defesa dos países pobres, mas, na verdade, ele é apenas o defensor dos ricos desses países. Seu discurso protecionista seria abraçado com empolgação pelos grandes empresários interessados em barrar a livre concorrência. Com “bons samaritanos” como o senhor Chang, os pobres não precisam de inimigos!

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