Em artigo no Estadão, o professor de Ciência Política da UFRGS, Francisco Ferraz, faz um bom resumo de o que levou a esse monopólio da virtude da esquerda no Brasil. Ele diz:
Nas últimas três décadas consagrou-se um princípio que se tornou um axioma da política brasileira: “A virtude está à esquerda”. Tornou-se um axioma porque foi subscrito por lideranças que desejavam lustrar a sua imagem com uma marca da esquerda e por ter sido, silenciosa e progressivamente, subscrito pelos eleitores em geral.
Os corolários do axioma são visíveis por todo lado: desde a recuperação da guerra fria num mundo sem guerra fria, a forma peculiar de entendimento dos direitos humanos e a maneira tolerante de encarar as questões da segurança pública até a aberta relativização da lei e da Constituição. Plasmou-se, então, uma retórica política e ideologicamente comprometida, na qual o uso ou não uso da palavra presidente no feminino já indica a posição política de quem fala, o termo privatização é substituído por concessão e a corrupção, pelo mais ameno conceito de malfeito.
Por que esse princípio logrou implantar-se como um axioma na nossa cultura política? 1) O fim do regime de 1964, da forma como ocorreu, deslegitimou os partidos de direita e conservadores; 2) a legitimidade do novo regime democrático concentrou-se no espaço da esquerda do espectro político; 3) os demais partidos (centro e centro-esquerda) foram submetidos a uma “demonização em camadas”, que os empurrava para a direita.
Acho que é exatamente por aí. Como nossos militares combateram comunistas, foram automaticamente associados à direita. Não faz muito sentido, pois Geisel, por exemplo, tinha uma visão estatizante incompatível com as crenças liberais ou conservadoras. Nosso regime militar foi positivista à lá Comte, estatizante, intervencionista. Mas nada disso importa: foi associado à direita, logo, quem é contra a ditadura só pode ser de esquerda.
Essa questão da demonização também é muito relevante. A esquerda, em especial o PT, sempre soube difamar, mentir, rotular e demonizar seus oponentes. Após tantas décadas de mentira repetida, muitos passaram a acreditar: a direita só pode ser insensível, cruel, elitista, reacionária e voltada para a defesa de privilégios dos ricos. Diz o autor:
O PT, já nessa época um partido forte, assumiu e liderou a demonização, centrada na figura dos líderes do PSDB (Covas, FHC, Serra, os mesmos que apoiavam candidatos do PT em segundo turno nas disputas contra Maluf), na condenação do Plano Real e na acusação de neoliberalismo, privatizações, submissão ao mercado e ao capitalismo internacional.
Ou seja, o PT sempre esteve do lado errado na história política e econômica do Brasil, defendendo bandeiras equivocadas e ultrapassadas de esquerda. Mesmo quando um partido de centro-esquerda como o PSDB liderava um processo de reforma benéfica, o PT atuava para impedir tais avanços, e ainda “acusava” os tucanos de serem de direita.
Mas aqui o autor escorrega e comete erro comum:
O PT chega ao poder – Uma vez lá, sem mais rivais à esquerda e tendo o domínio do Estado, o PT deu uma guinada enérgica para o centro e centro-direita, cooptou partidos e lideranças de direita, até o extremo da visita ao jardim de Maluf. A ideologia ficou restrita às relações exteriores, o marketing tornou-se permanente e o populismo – aquela luva esquerda calçada numa mão direita – subalternizou e descaracterizou o compromisso ideológico em troca da manutenção do poder a qualquer preço.
O PT não deu guinada à direita coisa alguma! Aliás, não há mais direita em nossa política. O que ainda chamam de direita são apenas partidos fisiológicos e corruptos. A ideologia petista segue a mesma: estatizante ao extremo, intervencionista, centralizadora. Continua de esquerda, com ranço ideológico evidente. Ferraz conclui:
Na realidade, vivemos a reiteração do movimento pendular que caracteriza o sistema político brasileiro ao longo de sua história. Um pêndulo que oscila entre esquerda e direita, Estado e sociedade, autoritarismo e liberdade, centralização e descentralização, nacionalismo populista e abertura para o mercado, liberdade beirando anarquia e ditadura.
Com teses de esquerda legitimando o sistema político, a direita sujeita às sucessivas demonizações e o centro sempre ameaçado de ser denunciado como a nova face da direita (vide PSDB), as defesas “orgânicas” de uma democracia representativa perderam grande parte do seu poder de imunização e o axioma “a virtude está à esquerda” reinou incontestado pelos últimos 30 anos.
Concordo que o axioma “a virtude está à esquerda” reinou incontestado pelos últimos 30 anos, mas não concordo que vivemos esses movimentos pendulares de esquerda e direita, centralização e descentralização. Com raras lufadas de ar fresco e liberal, o que temos é um crescente avanço estatal sobre nossos bolsos e nossas vidas. O liberalismo simplesmente não nos deu o ar de sua graça.
Para reverter esse lamentável quadro, é chegada a hora de atacar a esquerda pela via cultural e moral, não apenas econômica. É preciso mostrar que esse monopólio da virtude não passa de uma grande farsa. O PT é a maior prova disso!
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS