“Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!”. A recomendação radical foi feita pelo revolucionário Lênin, incitando seus camaradas comunistas à violência contra os “especuladores”.
Felizmente, parece que o uso da força física na batalha das idéias saiu um pouco de moda, à exceção de alguns grupos minoritários, como os baderneiros do MTST ou os black blocs. Mas isso não quer dizer que a agressão moral contra esses bodes expiatórios de sempre tenha desaparecido. Pelo contrário.
Desde Shakespeare, com Shylock representando o ícone desses “desalmados agiotas”, o ódio contra os financistas e especuladores nunca esteve tão alto. Eles são o alvo preferido de quase todos quando o assunto é apontar culpados por crises econômicas. O governo argentino os culpa pela crise que deve culminar em novo calote. A presidente Dilma os condena pelo pessimismo com a economia. Mas será que há bons fundamentos por trás disso?
“Sem especulação não pode haver nenhuma atividade econômica alcançando além do presente imediato”, disse o economista austríaco Ludwig von Mises. Poucas são as profissões tão repudiadas pelo senso comum como a especulação de ativos. No entanto, o principal motivo para esse preconceito reside na falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado.
Em primeiro lugar, podemos considerar os arbitradores de preços em termos geográficos, ou seja, aqueles indivíduos que buscam o lucro através de oportunidades que surgem pelo fato de o preço de um determinado produto estar elevado em um lugar e baixo em outro. Havendo livre mercado, essa diferença tende a desaparecer, restando somente o custo de transporte como diferencial de preços.
A mesma tendência de equalização se aplica no caso de preços no tempo. Eis onde surge o importante papel dos especuladores. A relação entre o preço presente e o preço futuro de uma commodity é que eles tendem a diferir não mais do que os custos de estocagem somados a uma taxa de lucro do capital que deve ser investido nessa estocagem.
Os especuladores tentam antecipar os movimentos que vão ocorrer nos mercados. Agindo dessa forma, eles acabam diluindo as oscilações abruptas no tempo. A atividade dos especuladores serve então para transferir oferta de um período no qual ela é menos urgente, como indicado pelos preços menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado pelos preços maiores.
Como exemplo, pode-se pensar no petróleo. Antecipando algum tipo de escassez futura, pelo motivo que for, os especuladores irão comprar petróleo no presente e estocá-lo. Isso irá forçar seu preço para cima no momento atual, incentivando uma menor demanda. Em compensação, esse petróleo estocado terá que ser consumido algum dia, e nesse momento os preços serão pressionados para baixo, estimulando a demanda.
É importante lembrar que toda empresa que decide sobre estoque de produção está especulando também, pelo mesmo princípio que o especulador. Consumidores que adiam ou antecipam as compras estão especulando também. Especular é apenas tomar uma decisão hoje com base em uma expectativa futura, sempre incerta, por definição.
Mas pelo fato de a especulação transmitir os preços maiores esperados no futuro para o presente, ela é denunciada como a causa desses maiores preços. Aqueles que assim o fazem estão ignorando que os estoques acumulados no presente como resultado da especulação terão que ser usados algum dia, e neste momento irão necessariamente agir de forma a reduzir os preços. Quando o preço do barril disparou para US$ 150, todos culpavam os especuladores, mas quando ele despencou para baixo de US$ 90, ninguém se lembrou dos especuladores como responsáveis pela queda.
Além disso, se os especuladores errarem em suas estimativas, eles mesmos pagam o preço, pois compraram o produto e investiram em sua estocagem a preços maiores, sendo que deverão vender a preços mais baixos, arcando com o prejuízo. Se, por outro lado, acertaram na previsão, apenas anteciparam uma mudança na relação entre a oferta e a demanda, suavizando seu impacto nos preços no tempo.
É verdade que em alguns casos, a própria expectativa dos especuladores pode afetar o futuro, como numa profecia autorrealizável. É o que George Soros chamou de “reflexividade” dos mercados. Mas os pilares de uma economia precisam ser de areia para que os especuladores possam mudar assim os fundamentos. Era o caso da Inglaterra, quando o próprio Soros ganhou bilhões especulando contra sua moeda, artificialmente manipulada pelo governo.
Foi também o caso da crise asiática, novamente vítima de erros dos próprios governos locais. Costuma ser mais comum os especuladores apenas anteciparem os fatos, tentando trabalhar em cima dos fundamentos em si. São esses que realmente importam. Em uma economia livre e saudável, a especulação só tem a agregar, através dessa arbitragem de preços. Negar isso é o mesmo que dizer que remédios testados não são desejáveis, pois em alguns casos podem acarretar em piora do doente, que já estava mesmo com um pé na cova.
Em resumo, essa é a mais importante função dos especuladores: a arbitragem de preços tanto geograficamente como no tempo, garantindo maior liquidez para os mercados, o que leva à sua maior eficiência. Aqueles que culpam os especuladores por uma mudança nos preços presentes estão ignorando um princípio básico de economia. Estão confundindo correlação com causalidade. Estão, em suma, condenando um termômetro por mostrar a febre do doente.
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Compreendendo melhor a função do especulador, conclui-se com mais facilidade que a intervenção e tentativa de intimidação do governo no caso Santander é inaceitável. A função dos analistas dos bancos é justamente especular acerca do impacto político e eleitoral no valor dos ativos de seus clientes. Como escreveu Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna de hoje:
Pior foi a reação da direção do banco, que pediu desculpas ao governo e demitiu o(a) analista. Disse que ele(a) fizera coisa errada. Quer dizer que o certo é comprar ações quando aumentarem as chances de Dilma? Os clientes do banco foram enganados nos últimos relatórios ou estão sendo enganados agora?
E o dono do banco, Dom Emilio Botin, defendeu o seu negócio. O governo é regulador e muito bom cliente. Uma ordem, e governos, prefeituras e entidades públicas podem fechar contas com o Santander. Resumo: prevaleceram o ataque à liberdade de informação e de fazer negócios; e o interesse do banqueiro.
Acontece que, em tempos de internet e redes sociais, para agradar ao governo o banco acabou incomodando milhares de correntistas, agora receosos da influência política em suas análises, o que polui o julgamento isento. Foi o que escreveu o colunista da Veja Geraldo Samor em sua carta à Dilma hoje:
O Santander — que como qualquer banco quer estar de bem com o Poder — esqueceu que o poder hoje não emana apenas do Estado. Ele também está nas mãos de seus milhões de correntistas, nas ideias da sociedade e na voz da opinião pública, conectada e potencializada pela tecnologia.
Os governos só gostam dos especuladores quando eles estão estimando algo positivo à frente, e puxando o valor dos ativos para cima no presente. Mas não dá para ser tão seletivo assim. A função do especulador é justamente tentar enxergar melhor o futuro. Não há mal algum nisso.
Se os fundamentos forem sólidos, são eles que vão perder. O problema é quando o governo sabe que os fundamentos são péssimos, e precisam sacrificar algum bode expiatório no altar da hipocrisia, para apagar sua culpa no cartório e enganar os eleitores mais leigos…
Rodrigo Constantino
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