Essa foi a pergunta que a Folha fez hoje para seu debate de opiniões. Para defender o sim, o palhaço Hugo Possolo entrou em campo. Para defender o não, foi a vez de o cientista político Bolívar Lamounier apresentar suas armas. Vamos ao resumo de ambos os pontos de vista e, em seguida, minha própria opinião. Diz Passolo:
Votar nulo não se trata de atacar o governo ou a oposição, mas o sistema político inteiro, dizendo não à promiscuidade partidária que confunde o eleitor com essa miscelânea de acordos nacionais e regionais que querem reduzir a cidadania a uma negociata por horários na TV.
Quem defende o voto nulo não tem espaço no horário nobre para se manifestar. Isso é democracia?
Basta dar um Google para ver que a Constituição de 88 está remendada e, não é preciso ser muito esperto para saber que os políticos jamais farão uma reforma política que altere as regras de um jogo no qual somente eles estão se dando bem.
Qual a maneira de contestar? Votar nulo! Sempre que defendo o voto nulo, ouço aquela ladainha do fantasma da ditadura que pode voltar e a fatal pergunta do que teria a ganhar anulando meu voto. Bem sei que não quero nenhuma ditadura, mas também sei que essa democracia que aí está não me representa.
E quanto a não ganhar nada votando nulo… Concordo, é isso mesmo. Nenhum marqueteiro trabalharia em campanha onde não se ganha nada.
Por outro lado, diz Lamounier:
A questão a considerar é, pois, o objetivo dos proponentes do voto nulo. Protestar contra o quê, exatamente? Uma razão amiúde invocada para o protesto é o desgaste das instituições, nos três ramos do governo. O desgaste de fato existe e se deve a uma infinidade de razões.
O Congresso atual alterna momentos de omissão, de anarquia e de subserviência ao Executivo, desservindo o interesse público nos três casos. Episódios de corrupção multiplicam-se nos três Poderes, numa sucessão interminável. É um estado de coisas lastimável, mas a contribuição do voto nulo à correção dele é rigorosamente zero. Neste caso, nada há na anulação que se possa chamar de público –ou seja, de político, no melhor sentido da palavra. Nas condições do momento, ele apenas exprime um mal-estar subjetivo, difuso, de caráter individual. Qualquer que seja seu peso nos números finais da eleição, ele será apenas uma soma desses mal-estares e da apatia que deles decorre.
Um protesto contra as políticas do governo atual? Realmente, na política econômica, há equívocos de toda ordem; na educação, é até difícil dizer se há alguma política; na área externa, uma descabida simpatia por ditaduras de vários matizes; sem esquecer a incompetência e os abundantes desmandos que se têm verificado em certas empresas públicas, a começar pela Petrobras. Dá-se, no entanto, que tais políticas derivam fielmente da coalizão partidária no poder; motivos para combatê-las não faltam, mas o voto nulo não as combate. Bem ao contrário, ele contribui para a permanência delas, ao facilitar a pretendida reeleição de Dilma Rousseff.
O que penso disso? Entendo os motivos de Passolo para sua revolta contra o “sistema”, mas acho que Lamounier tem razão. O voto nulo não chega a ser um protesto de fato, e isso é importante. Ele pode trazer regozijo pessoal para quem anulou o voto, por dar a sensação de que ficou de fora da eleição, não teve de escolher um candidato que não aprecia verdadeiramente. Mas não muda nada na prática.
O esvaziamento do processo eleitoral, realidade em diversos países onde muitos sequer vão votar (o voto sendo facultativo), retira parte da legitimidade dos eleitos, sem dúvida, mas o que isso altera de verdade? A abstenção na Venezuela foi enorme. E daí? Isso tirou Chávez do poder quando estava vivo? E isso impediu Maduro de agir como um tiranete?
Quando avaliamos a realidade como ela é, sem fantasias, a impressão que fica é que o voto nulo é uma postura quase imatura. Sim, o eleitor pode voltar para a casa e bater no peito: “eu não aceitei participar desse sistema corrupto”. Mas guess what? O sistema continua lá e você, apesar de não se interessar pela política, será alvo dela, sempre. Não é melhor escolher o menos pior?
Isso torna-se ainda mais importante quando há muita coisa em jogo. Por exemplo, quando temos o risco real de virarmos uma Argentina ou Venezuela. Já em 2010, quando a disputa era entre Dilma e Serra, de quem não nutro simpatia alguma e com quem tenho inúmeras divergências, escrevi um texto comparando a escolha com a aquela de Sofia, e disse:
Tais questões me levaram à lembrança do excelente livro O Sonho de Cipião, de Iain Pears, uma leitura densa que desperta boas reflexões sobre o neoplatonismo. Quando a civilização está em xeque, até onde as pessoas de bem podem ir, na tentativa de salvá-la da barbárie completa? Nas palavras do autor: “Usamos os bárbaros para controlar a barbárie? Podemos explorá-los de modo que preservem os valores civilizados ao invés de destruí-los? Os antigos atenienses tinham razão ao dizerem que assumir qualquer lado é melhor do que não assumir nenhum?”
Permanecer na “torre de marfim”, preservando uma visão ideal de mundo, sem sujar as mãos com um voto infame, sem dúvida traz conforto. Manter a paz da consciência tem seus grandes benefícios individuais. Além disso, o voto nulo tem seu papel pragmático também: ele representa a única arma de protesto político contra todos que estão aí, contra o sistema podre atual. Somente no dia em que houver mais votos nulos do que votos em candidatos o recado das urnas será ouvido como um brado retumbante, alertando que é chegada a hora de mudanças estruturais. Os eleitos sempre abusam do respaldo das urnas, dos milhões de eleitores que deram seu aval ao programa de governo do vencedor, ainda que muitas vezes tal voto seja fruto do desespero, da escolha no “menos pior”.
Mas existem momentos tão delicados e extremos, onde o que resta das liberdades individuais está pendurado por um fio, que talvez essa postura idealista e de longo prazo não seja razoável. Será que não valeria a pena ter fechado o nariz e eliminado o Partido dos Trabalhadores Nacional-Socialista em 1933 na Alemanha, antes que Hitler pudesse chegar ao poder? Será que o fim de eliminar Hugo Chávez justificaria o meio deplorável de eleger um candidato horrível, mas menos louco e autoritário? São questões filosóficas complexas. Confesso ficar angustiado quando penso nisso.
[…]
Entendo que para os defensores da liberdade individual, escolher entre Dilma e Serra é como uma escolha de Sofia: a derrota está anunciada antes mesmo da decisão. Mesmo o resultado “desejado” será uma vitória de Pirro. Algo como escolher entre um soco na cara ou no estômago. Mas situações extremas demandam medidas extremas, e infelizmente colocam certos valores puristas em xeque. Anular o voto, desta vez, pode significar o triunfo definitivo do mal. Em vez de soco na cara ou no estômago, podemos acabar com um tiro na nuca.
Dito isso, assumo que votarei em Serra, mas não sem antes tomar um Engov. Meu voto é anti-PT acima de qualquer coisa. Meu voto é contra o Lula, contra o Chávez, que já declarou abertamente apoio a Dilma. Meu voto não é a favor de Serra. E, no dia seguinte da eleição, já serei um crítico tão duro ao governo Serra como sou hoje ao governo Lula. Mas, antes é preciso retirar a corja que está no poder. Antes é preciso desarmar a quadrilha que tomou conta de Brasília. Ainda que depois ela seja substituída por outra parecida em muitos aspectos. Só o desaparelhamento de petistas do Estado já seria um ganho para a liberdade, ainda que momentâneo.
Respeito meus colegas liberais que discordam de mim e pretendem anular o voto. Mas espero ter sido convincente de que o momento pede um pacto temporário com a barbárie, como única chance de salvar o que resta da civilização – o que não é muito.
Acho que não fui tão convincente, e claro, meu apelo não teve muito alcance. Mas pergunto hoje, com o benefício do retrospecto: o Brasil não estaria menos pior com Serra no poder em vez de Dilma? Não seria um país melhor sem todo o aparelhamento realizado pelo PT, ameaçando nossas liberdades e a própria democracia? Creio que sim. Tenho convicção que sim!
Quem vota nulo pode achar que não escolheu ninguém, mas, na prática, acaba ajudando aquele que está na frente, e isso também é uma forma de escolha, ainda que indireta. Portanto, só posso concordar com Lamounier quando diz que o voto nulo “contribui para a […] reeleição de Dilma Rousseff”. E isso, sabemos, é a desgraça do Brasil.
Anular o voto nessas condições é optar pela “inação” e contribuir com o triunfo do projeto lulopetista de poder.
PS: Se precisei de um Engov em 2010 para digitar 45, confesso que este ano o auxílio medicinal não será necessário, pelo visto. Até aqui, o que tenho visto da campanha e das diretrizes de Aécio Neves, ao lado de gente como Armínio Fraga, tem sido estimulante. Como já disse aqui, apesar de pertencer ao PSDB, um partido social-democrata e, portanto, de esquerda, Aécio tem adotado a postura de um liberal pragmático, defendendo com coragem certas bandeiras impopulares, de que o Brasil tanto precisa.
Rodrigo Constantino
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