Vendo até mesmo professores se juntando aos vândalos do Black Bloc aqui no Rio, sempre demandando mais com base na violência, resolvi reler vários trechos do magistral A Rebelião das Massas, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset. Ele fez uma análise bastante acurada do fenômeno das “hiperdemocracias”, já visível em meados do século 20. Seguem trechos que merecem destaque:
Hoje, ao contrário, o homem médio tem as “ideias” mais taxativas sobre tudo quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu a audição. Para que ouvir, se já tem tudo de que precisa dentro de si? Já não é tempo de escutar, mas, ao contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão da vida pública onde não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas “opiniões”.
Quem quiser ter ideias precisa antes se dispor a querer a verdade e a aceitar as regras do jogo que ela imponha.
A barbárie é a ausência de normas e da possibilidade de apelação.
[…] um tipo de homem que não quer dar razão nem quer ter razão, mas que, simplesmente, mostra-se decidido a impor suas opiniões. Aqui está o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem razão.
Quer opinar, mas não quer aceitar as condições e pressupostos de todo ato de opinar. Esse é o motivo de suas “ideias” serem efetivamente apenas desejos com palavras, como os romances musicais. Ter uma ideia é crer que se possui as razões dela e é, portanto, crer que existe uma razão, um mundo de verdades inteligíveis.
Mas o homem-massa sentir-se-ia perdido se aceitasse a discussão, e instintivamente rejeita a obrigação de acatar essa instância suprema que se acha fora dele.
O hermetismo da alma, que, como já vimos, empurra a massa para que intervenha em toda a vida pública, também a leva, inexoravelmente, a um procedimento único: a ação direta.
A civilização não é outra coisa senão a tentativa de reduzir a força à ultima ratio. Agora começamos a enxergar isso com extrema clareza, porque a “ação direta” consiste em inverter a ordem e proclamar a violência como prima ratio; a rigor, como única razão. Ela é a norma que propõe a anulação de toda norma, que suprime todo interregno entre nosso propósito e sua imposição. É a Charta Magna da barbárie.
O liberalismo – é conveniente que se recorde – é a suprema generosidade: é o direito que a maioria outorga à minoria e é, portanto, o grito mais nobre que já soou no planeta. Proclama a decisão de conviver com o inimigo, mais ainda, com o inimigo fraco.
A massa – quem diria ao ver seu aspecto compacto e multitudinário? – não deseja a convivência com o que não é ela. Odeia mortalmente o que não é ela.
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