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Os donos do poder e o patrimonialismo brasileiro

Lula capo É tudo nosso, companheira Dilma!

Certa vez o economista Paulo Guedes resumiu em uma palestra no Fórum da Liberdade a eleição brasileira da seguinte forma: uma disputa para ver quem coloca a mão num cartão de crédito que dá direito a gastar 40% da produção nacional. O estado inchado e paquiderme com uma estrutura burocrática gigantesca representa o grande prêmio nas disputas eleitorais.

É assim desde muito tempo, e vem piorando. Mas Raymundo Faoro, em seu clássico Os donos do poder, já havia dissecado o problema central e feito um diagnóstico certeiro de sua origem: a vinda da família real para cá, com seu séquito encastelado na estrutura estatal, vista como patrimônio particular em vez de coisa pública.

O cientista político Nelson Paes Leme resgata Faoro em um excelente artigo publicado no GLOBO hoje. Faz um resumido retrato da trajetória desse monstrengo estatal agindo sempre em prol do grupo enraizado no poder, que varia de tempos em tempos (sendo que alguns nunca saem de lá). Hoje são os pelegos que tomaram conta de tudo, que usam uma retórica socialista para pilhar os demais por meio do estado:

O Estado brasileiro sempre foi um paquiderme a serviço desses “donos” eventuais do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, depois os imperadores, depois os militares positivistas da República Velha. Depois o ditador Vargas em duas etapas, sendo que na última já dividiu parte do poder (inclusive a Petrobras) com um peleguismo ainda incipiente e amadorista. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e requintado. São pelegos muitas vezes com PhD e que andam acompanhados, em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns com mandato popular nas câmaras, assembleias legislativas e até no Congresso Nacional. Pelegos que tomam vinhos caríssimos de safras de colecionador, mas não arredam pé de um sindicalismo em decadência porque alinhado a um socialismo que já não existe. Um socialismo que foi atropelado pela revolução científico-tecnológica e pela deterioração da vida planetária, de todas as espécies viventes a exigir rever as prioridades no campo do social e da própria economia de mercado.

Com um discurso romântico e idealista, além de igualitário, o Partido dos Trabalhadores foi conquistando mais adeptos, até vestir uma embalagem mais suave e chegar ao poder. O projeto? Tomar conta de tudo. Nas palavras do cientista político:

Esse partido, aparentemente ingênuo e idealista, forjado ainda nos ideais distributivistas da pré-Guerra Fria e do trotskismo revolucionário do princípio do século passado tinha, no entanto, um projeto histórico de poder idêntico ao dos reis de Portugal, dos imperadores, dos militares positivistas, dos ditadores e dos militares golpistas: tomar conta do aparelho do Estado e tornar-se dono da República e de sua economia altamente estatizada e burocratizada. 

[…]

Ascenderam ao poder. Locupletaram-se nas companhias e bancos estatais, reinventando o “presidencialismo de coalizão” com o pior do fisiologismo herdado da ditadura militar. E aí estão. Não há força que os remova. Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer resistência. Até quando irão corroendo o tecido republicano, ninguém sabe. Seu combustível é a ignorância, a indigência cultural e a miséria humana.

A conclusão de Paes Leme, com a qual concordo, é que nas próximas eleições será decidido o futuro desses “donos do poder”, assim como sua percepção atrasada do papel do estado. O Brasil precisa de um novo pacto republicano, precisa reconstruir o próprio estado, algo que não faz parte ainda dos discursos dos candidatos.

É verdade que deixam claro que o objetivo é colocar um ponto final no aparelhamento feito pelo PT, resgatar a ideia de república (coisa pública) em si. Mas falta no debate político nacional uma proposta mais séria e aprofundada sobre o que é o estado, quais as suas funções básicas, e como evitar ou mitigar o risco do patrimonialismo, uma de nossas mais graves doenças políticas.

Enquanto o escopo do estado for gigantesco, mais de 40% dos recursos produzidos pela iniciativa privada passarem por seus tentáculos, o poder nele concentrado for enorme e arbitrário, e uma casta parasitária de burocratas gozar de tantos privilégios, parece natural esperar que cada eleição seja apenas uma acirrada disputa pelo glorioso prêmio disponível: ser a próxima patota dos donos do poder.

Rodrigo Constantino

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