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Philip Roth e o poder do imprevisível

Sair um pouco da sujeira da política para respirar ares mais elevados da literatura é um exercício de higiene da alma. Por isso recomendo a todos esse ótimo bate-papo entre Carlos Graieb e Jerônimo Teixeira na TVeja, usando como gancho o novo livro que mistura biografia e análise crítica da obra de Philip Roth, um dos maiores escritores americanos de todos os tempos.

httpv://youtu.be/DXraa26lyqQ

Li de Roth seis livros. São eles: Homem ComumComplô contra a AméricaA humilhaçãoNêmesisO animal agonizante; e Patrimônio. Gosto muito de seu estilo, da força de suas palavras, sempre econômicas. Também sou atravessado pelo tema recorrente de seus livros: o poder de estrago do imprevisível, a mudança repentina na vida das pessoas por acontecimentos inesperados, o encontro com o “real”, como diria um psicanalista. Tudo parece certinho, ordenado, bem ao gosto de um típico obsessivo, quando de repente o mundo desaba, o chão desaparece, tudo fica nebuloso. É angustiante. Mas é realista.

Algumas passagens capturam isso, como essas de A humilhação:

Quando você representa o papel de uma pessoa que está entrando em parafuso, a coisa tem organização e ordem; quando você observa a si próprio entrando em parafuso, desempenhando o papel de sua própria queda, aí a história é outra, uma história de terror e medo.

“Nada que acontece tem motivo?, disse ele ao médico mais tarde naquele mesmo dia. “A gente perde, a gente ganha – é tudo acaso. A onipotência do acaso. A probabilidade de um revés. Isso, o imprevisível revés e seu poder.”

Em Complô contra a América:

Dei-me conta do quanto as coisas tinham avançado e como tudo havia se tornado terrivelmente confuso, e compreendi que a calamidade, quando acontece, acontece de repente.

Por ora, nossas vidas estavam intactas, nossas casas permaneciam no lugar e o conforto dos rituais costumeiros quase tinha o poder de preservar aquela ilusão, característica das crianças que vivem em tempos de paz, de que o presente tranquilo é eterno.

Em Homem comum:

“Não há como refazer a realidade”, disse ele ao pai. “O jeito é enfrentar. Segurar as pontas e enfrentar.”

Por outro lado, é justamente o que há de normal nos funerais o que os torna mais dolorosos, mais um registro da realidade da morte que avassala tudo.

Para ele, nada de conversa fiada a respeito da morte e Deus, nem fantasias obsoletas sobre o céu. A única coisa que havia era o corpo, nascido para viver e morrer conforme o que fora estabelecido pelos corpos que viveram e morreram antes.

Como sempre – e como quase todas as pessoas – ele não queria que o fim viesse um minuto antes que o estritamente necessário.

[…] a depressão corrosiva de um homem que antes estava envolvido em tudo e agora estava imerso no nada. que agora não era ele próprio mais nada, apenas um zero imóvel, aguardando com raiva a bênção de um aniquilamento absoluto.

Pelo visto, a pintura fora para ele um exorcismo. Mas para exorcizar que malignidade? A mais antiga de suas ilusões? Ou teria ele apelado para a pintura com o fim de se livrar da constatação de que a gente nasce para viver, mas em vez disso morre?

Instantes depois de darem a partida no carro, seu polegar já estava na boca de Merete, e sem que ele se desse conta seu casamento tinha começado a correr perigo. O jovem que havia manifestado o propósito de jamais levar uma vida dupla estava prestes a partir-se ao meio com um machado.

Em O animal agonizante:

Por mais que você saiba, por mais que você pense, por que que você planeje, projete e conspire, você não é superior ao sexo. O sexo é um jogo muito arriscado. Um homem não teria dois terços dos problemas que tem se não se metesse em aventuras para conseguir foder. É o sexo que perturba nossas vidas naturalmente ordenadas.

O mais belo dos contos de fada da infância é que tudo acontece na ordem certa. Nossos avós morrem muito antes dos nossos pais, e nossos pais morrem muito antes de nós. Os que têm sorte acabam tendo mesmo essa experiência, as pessoas vão envelhecendo e morrendo na ordem certa, de modo que, no enterro, você aplaca sua dor pensando que aquela pessoa teve uma longa vida. Nem por isso a morte se torna uma coisa menos monstruosa, mas é esse o truque que utilizamos para manter intacta a ilusão metronômica, e para afastar de nós a tortura do tempo.

Em Nêmesis:

“A gente faz tudo certo, tudo certo, tudo certo, tudo certo desde o começo. Tenta ser uma pessoa correta, razoável, que procura se adaptar às coisas – e aí acontece isso. Qual é o sentido da vida?” “Parece que não há nenhum”, respondeu o sr. Cantor.

Era impossível acreditar que Alan estivesse dentro daquela caixa de tábuas de pinho pálido e sem adornos só por ter pegado uma doença de verão. Aquela caixa da qual ninguém pode escapar por mais forte que seja. Aquela caixa em que um garoto de doze anos ficava com doze anos para sempre.

Impressionante como as vidas podiam tomar rumos tão diferentes e como cada um de nós era impotente diante da força dos acontecimentos. […] Para alguém que até então encontrara no zelo e na dedicação ao trabalho a solução de todos os seus problemas, agora havia muito de inexplicável quando se indagava por que as coisas aconteciam da forma que aconteciam.

Algumas pessoas têm sorte, outras não. Toda biografia é uma questão de chance e, a partir do comento da concepção, a sorte – a tirania da contingência – comanda tudo. Acredito que era a isso que o sr. Cantor se referia ao condenar o que chamava de Deus.

Precisava encontrar uma necessidade para o que ocorria. Há uma epidemia e Bucky necessita de uma razão para ela. Tem de perguntar por quê. Por quê? Por quê? O fato de que ela não tem sentido, que é acidental, ilógica e trágica não o satisfaz.

Em Patrimônio:

Minha mãe e os outros defuntos haviam sido levados para lá pela força imperativa do que, no final das contas, era um acidente ainda mais improvável – o fato de um dia terem vivido.

“Philip, peça uma segunda opinião e então, se quiser, me chame e podemos conversar outra vez. Mas lembre de uma coisa: você não pode impedir seu pai de morrer e talvez não possa impedi-lo de sofrer.

Até que ponto há o livre-arbítrio? Até que ponto somos capazes de controlar nossos destinos? Qual o real poder do imprevisível, do acaso em nossas vidas? São questões filosóficas interessantes, e a literatura de Roth nos gera esse desconforto saudável que nos coloca em contato com o inevitável desamparo do que não podemos prever ou mudar, por mais que tentemos seguir uma vida regrada.

Saindo da literatura e voltando para a lama da política nacional, pois não resisto, fecho constatando apenas uma coisa: se é verdade que muitas vezes, mesmo andando na linha e fazendo as coisas certas, somos acometidos pela tragédia do acaso, também é verdade que, em tantas outras, é perfeitamente possível antecipar e prever a calamidade à frente. É quando agimos de forma irresponsável, quando somos levados pela insensatez, quando plantamos as sementes do caos.

Se já é difícil impedir as desgraças da vida fazendo tudo para evitá-las ou postergá-las, quando inevitáveis, sem dúvida é imprudente convidá-las ou atiçá-las. A convulsão social que se avizinha não foi fruto do acaso, como muitas das tragédias dos romances de Roth, mas sim um produto previsível das escolhas equivocadas do governo do PT e seus eleitores. Agora é hora de encarar a fera!

Rodrigo Constantino

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