Deu na Veja: Deputado do PT oferece “honorários” a conselheiro da Anatel para atuar a favor da Oi
Diz trecho da reportagem:
É legítimo que haja um esforço para ajudar uma empresa nacional. É legítimo que esse esforço também envolva agentes políticos. O que não é legítimo é a solução do problema passar por lobbies obscuros, negociatas entre partidos e até uma criminosa proposta de pagamento de propina a um servidor público em troca de uma ajuda à empresa — episódio que aconteceu no início do mês nas dependências do Congresso Nacional, em Brasília, envolvendo o deputado federal Vicente Cândido, do PT de São Paulo, e o conselheiro Marcelo Bechara, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
De fato, o ideal seria um corpo técnico e isento de pressões políticas avaliar a situação, à luz do dia. Mas esse ideal raramente será a regra. É verdade que o PT aparelhou as agências e politizou tudo. Mas o risco de tanto poder concentrado em poucos tecnocratas ou políticos estará sempre presente. Acaba sendo um convite a esse tipo de esquema.
O escândalo, para quem leu Privatize Já, não será surpresa. É o que se espera de um modelo de “capitalismo de estado”, com o governo ainda concentrando demasiado poder para selar o destino de um setor inteiro com uma simples canetada. Segue capítulo do livro que trata do assunto:
O partido a serviço de grandes empresas
Ao contrário do que poderíamos pensar à primeira vista, os donos do poder não tiveram sua influência reduzida nos últimos anos. Ocorreu no país uma maior abertura comercial desde os anos 1990, mas nada disso foi suficiente para reverter o quadro de demasiada concentração de poder nas mãos de poucos grupos nacionais ligados ao governo. Essa é a conclusão dos estudos do economista Sérgio Lazzarini, do Insper, transformados no livro Capitalismo de laços.
A forma pela qual o processo de privatização foi executado explicaria este fenômeno. Em vez de adotar um modelo de pulverização do capital das antigas estatais, como foi feito na Inglaterra de Thatcher, o governo FHC optou pela venda do controle para determinados grupos nacionais, maximizando o preço recebido no leilão, mas preservando uma estrutura concentrada de poder econômico. Como afirma a jornalista Miriam Leitão em Saga Brasileira, “o pior defeito do processo de privatização foi ser estatizado demais”.
Interessados em gordos contratos para obras, financiamentos e leis comerciais que deixem concorrentes de fora, cada vez mais grupos de interesse se aproximaram do governo. Na lista de maiores doadores corporativos da campanha presidencial de Lula em 2006, vemos a presença de vários desses grupos, tais como Camargo Corrêa, Banco Itaú, Gerdau, JBS-Friboi, Bradesco, Vicunha, Votorantim e Andrade Gutierrez. Em 2011, ano que nem eleição teve no Brasil, o PT arrecadou mais de R$ 50 milhões de apenas 75 doadores. Esse montante representou quase 90% do total arrecadado pelos 29 partidos políticos registrados na justiça eleitoral.
Esse “capitalismo de laços” representa um mecanismo perverso que cria privilégios imerecidos, penaliza o dinamismo da economia e, por conseguinte, o progresso. Esse modelo não é exclusividade brasileira. Em inglês, o termo crony capitalism existe para indicar o mesmo fenômeno. O economista italiano Luigi Zingales lançou recentemente o livro A Capitalism for the People justamente para chamar a atenção dos rumos preocupantes dos Estados Unidos nesta direção. Mas, na realidade nacional, essa doença atingiu patamares assombrosos.
O leitor deve ter em mente que grandes empresários não costumam gostar do livre mercado. De fato, ninguém gosta muito de concorrência, quando nós somos o alvo dela. Mas ela é fundamental para preservar os interesses dos consumidores e dos trabalhadores em geral. Só que se os grandes empresários contarem com um aparato disponível para captura, podendo barrar a livre concorrência, isso será tentador demais.
Adam Smith tinha percebido isso, quando escreveu: “As pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, mesmo para o lazer e a confraternização, sem que a conversa acabe numa conspiração contra o público ou em alguma manobra para aumentar os preços”. O perigo quando o capitalismo se transforma em capitalismo de compadres, protegidos pelo estado, não pode ser desprezado.
Um caso escandaloso ilustra bem isso. Fábio Luís Lula da Silva, mais conhecido como Lulinha, é formado em biologia e recebia um parco salário até 2002. Menos de um ano após da posse de seu pai na Presidência da República, ele se tornou sócio de uma empresa especializada em jogos. Os filhos do político Jacó Bittar, um dos fundadores do PT, também participavam do negócio.
Em janeiro de 2005, a Telemar (Oi) fez um aporte de mais de R$ 5 milhões na empresa, já denominada Gamecorp. A operação que marcou a sociedade entre elas foi extremamente complexa. Em 2006, a Telemar injetou outros R$ 10 milhões na Gamecorp, como antecipação de compra de comerciais na TV, pois a empresa tinha um contrato de aluguel com a Rede Bandeirantes para programação diária na grade da emissora.
A suspeita era que a Telemar estaria ajudando o filho do então presidente Lula na esperança de ser atendida em sua demanda pela compra da concorrente Brasil Telecom. Para que esta transação pudesse ir adiante, seria preciso alterar a Lei Geral das Telecomunicações, que impedia tal fusão. Lulinha seria, portanto, um lobista.
Curiosamente, no final de 2008 a lei foi efetivamente mudada por decreto presidencial, e a Telemar finalmente conseguiu se unir à Brasil Telecom, recriando uma gigante de telecomunicações. Vale frisar que autoridades do governo e do PT sempre demonstraram interesse nessa união, que resgataria boa parte da antiga Telebrás, sob controle nacional e próximo do governo.
Quando o governo detém poder demais, parece natural que grandes empresas circulem como moscas diante do mel, fazendo de tudo para capturar os favores dos governantes. Os laços criados pelas medidas arbitrárias e protecionistas costumam se transformar rapidamente em “veículos de favoritismo, conluio e proteção não justificada”, como lembra Lazzarini.
Fatores culturais também ajudam a preservar este modelo de laços. O livro de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, descreve o “homem cordial” como o indivíduo guiado por relações que extrapolam as leis ou regras formais do país. Em vez de contatos mais imparciais por meio de contratos, os vínculos mais imediatos acabavam se sobrepondo.
Uma sociedade com base nestas ligações mais tribais aumenta o valor das amizades com poderosos, em detrimento do mérito. “Você sabe com quem está falando?” passa a ser mais relevante do que o “quem você pensa que é?”. Troca-se o império das leis igualitárias pelo privilégio. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
O que Lazzarini está resgatando é basicamente aquilo já descrito por Raymundo Faoro em Os donos do poder. Uma “rede patriarcal” sustenta o poder por meio de intricadas conexões. Os conectores detêm o poder, como em uma grande família.
A abertura de capital de inúmeras empresas novas, a entrada de grupos estrangeiros e as privatizações, nada disso foi suficiente para abalar realmente essa estrutura de poder brasileira. Os atores locais, bem relacionados com o poder público, não só foram capazes de preservar sua influência, como até expandiram-na.
O peso do governo na economia permitiu isso, e o uso do BNDES como instrumento de poder talvez seja a maior evidência deste modelo. O outro grande pilar são os fundos de pensão de estatais, dominados por sindicalistas apontados pelo governo. Fecha-se assim o círculo de poder. Nem a globalização foi páreo para esta força local.
A onda de fusões serviu aos interesses destes grupos coesos, e contou com a ação direta de fundos como Previ, Petros e Funcef, além do BNDES. A criação da “supertele”, pela junção da Telemar/Oi e Brasil Telecom, foi um objetivo claramente estimulado pelo governo Lula, que teve até que alterar as leis para permitir tal união, como já explicado.
Sadia e Perdigão se uniram para formar a Brasil Foods. Esses e outros casos ilustram como estes agentes conectores ligados ao governo atuaram nos bastidores para preservar seu poder econômico. A ingerência estatal na Vale, a maior empresa privada do país, corrobora com esta visão.
A revista Época publicou em junho de 2011 uma excelente reportagem de capa justamente sobre esta questão do peso estatal na economia. O título da matéria já sinalizava a conclusão assustadora: “Estado Ltda”. O jornalista José Fucs e sua equipe construíram uma enorme tabela com diversas participações do governo no capital das empresas. Trata-se de um dinossauro faminto, presente em toda a teia de ligações na economia.
Entre participação direta do Tesouro Nacional, participação direta e indireta de estatais e fundos de pensão de estatais, os jornalistas chegaram a quase 700 empresas sob influência do governo! Como disse Roberto Campos, “o Brasil está tão distante do liberalismo – novo ou velho – como o planeta Terra da constelação da Ursa Maior”.
Privatizar não basta. Ainda que seja necessário, não é suficiente. É preciso cortar os tentáculos estatais que avançam sobre a economia, prejudicando os consumidores e trabalhadores e atraindo gente que quer lucrar não no mercado, mas por meio de privilégios. Para Zingales, o ideal seria resgatar na população um sentimento de justiça meritocrática, com pressão social contra aqueles que vencem da forma errada, assim como condenamos os atletas cuja vitória depende de doping. Capitalismo popular de livre mercado, sim; capitalismo de compadres, não.