A coluna de Luiz Felipe Pondé desta semana causou grande polêmica, e já comentei aqui sobre ela. A esquerda, quase sempre incapaz de entender um humor mais fino (portanto, não vale Porta dos Fundos) ou de compreender a ironia, partiu para o ataque, como se o filósofo realmente reduzisse tudo à questão de “pegar mulher”.
Em meu entendimento, ele apenas chamou a atenção para uma verdade: a esquerda tem mais apelo emotivo, até sensacionalista, o que pode levar muita gente para esse lado em busca da imagem de sensível ou “cool”, principalmente os jovens, normalmente mais preocupados com esse tipo de coisa, mais inseguros e com os hormônios à flor da pele, em fase de “caça”.
Mas a esquerda ficou em polvorosa. Foi o caso de Noemi Jaffe, doutora em literatura brasileira pela USP, em artigo publicado hoje na Folha. Creio que apesar do diploma, a interpretação de texto dela foi péssima. Pondé é retratado como um completo insensível, abaixo da escala humana, pois ridiculariza aqueles que “querem o bem” ou desejam “um mundo melhor”. Ela escreve:
O colunista acredita se valer de falas pretensamente engraçadas, que na sua cabeça reproduzem o discurso de uma esquerda pasteurizada, para novamente ridicularizar quem se preocupa com a fome na África. Seria desperdício exemplificar outras falas da suposta esquerda que o colunista, cafona e infantilmente, procura reproduzir.
Gostaria de discutir a leviandade do tratamento jocoso às ideias de “fazer o bem” e “querer um mundo melhor”, tratadas como típicas de uma esquerda cujo maior desejo é “pegar mulher”. Parece que esses pensamentos nunca passariam de inocência ou demagogia disfarçada, em sua visão pretensamente schopenhauriana, machadiana ou rodrigueana de alguém cuja maturidade filosófica o levou a saber que nada nunca muda para melhor.
Tudo errado! O que gente como o Pondé tem feito é chamar a atenção justamente para a hipocrisia daqueles que dizem se preocupar com a fome na África apenas em busca de uma boa imagem na foto. Ou seja, Pondé ataca quem usa o discurso sensacionalista sem se importar muito com os resultados práticos de suas ideias nobres. Ou quem acredita na perfectibilidade humana, num progresso moral inexorável que fará da Terra um planeta de anjos – o que costuma torná-lo um inferno.
Quem pode ser contra um mundo efetivamente melhor ou menos pior? Quem pode ficar totalmente insensível diante da fome africana? A doutora cita Nelson Rodrigues, ainda por cima como se Pondé, que tem livro sobre o dramaturgo, não o conhecesse, como se fosse considerado um “esquerdinha interessado em pegar mulher” por alegar que até o mais rematado canalha pode sentir compaixão.
Não é nada disso! O que Pondé denuncia, e que eu também denuncio, é justamente o que Nelson Rodrigues já denunciava em seu tempo: a esquerda festiva! O Fórum Social Mundial reúne a maior quantidade de idiotas úteis por metro quadrado do mundo, e todos estão lá unidos “por um mundo melhor”. Mas defendem o socialismo como meio! Entendeu, doutora?
Quem realmente se preocupa com a fome na África, não fica alardeando isso aos ventos, tampouco repetindo que o filho com apenas 12 anos já se preocupa mais com isso do que com “pegar mulher”. Quem quer efetivamente ajudar os africanos defende o capitalismo, a globalização, e o fim das “ajudas humanitárias” que servem apenas para fortalecer regimes ditatoriais e corruptos, como vários africanos reconhecem.
Essas ajudas são transferências de recursos dos pobres dos países ricos para os ricos dos países pobres. Mas quem liga para os fatos quando o único objetivo é aparecer bem na foto? Eis o ponto: a esquerda não liga para fatos, só para fotos. A doutora Jaffe deixa cair a máscara e expõe sua ideologia no final do texto:
Hoje, melhorar a vida e o mundo consiste basicamente em preocupar-se em minimizar a desigualdade social e econômica. Desacreditar dessa possibilidade e, pior, desdenhá-la significa justificar o autoritarismo e sua fonte primária, o medo, aquele que mora em todos nós e que só a civilidade e a cultura são capazes de inibir. Ridicularizar o desejo de mudança social, simplificá-lo com o epíteto de “esquerda” e justificá-lo como “para pegar mulher” só revela as frustrações de quem utiliza esses pretensos argumentos.
O melhor, diante de tanto cinismo, seria se calar. Mas devo confessar minha fraqueza.
O melhor realmente seria se calar, doutora. Evitaria ao menos esse constrangimento. O foco obsessivo na desigualdade social já entrega um esquerdista. Os liberais estão mais preocupados com o nível absoluto de pobreza, querem que os pobres possam melhorar de vida, não que os ricos fiquem menos ricos. Até porque riqueza não é algo estático, um jogo de soma zero.
Mas para a senhora, se alguém for contra o combate às desigualdades sociais (e nem vou perguntar que medidas defende para isso, pois já posso imaginar) só pode ser um insensível autoritário. Não importa que os países mais capitalistas tenham uma condição de vida bem melhor para os mais pobres, e que nos países socialistas todos sejam igualmente miseráveis, à exceção da nomenklatura no poder.
O que a doutora faz, portanto, chama-se “monopólio da virtude”. Justamente para não debater os melhores meios de se melhorar a vida dos mais pobres (o que a levaria à defesa do capitalismo liberal), resta monopolizar os fins nobres. Vamos combater a fome africana e a desigualdade! Mas… como?
Escrevi um artigo no GLOBO que tinha exatamente esse título, “O monopólio da virtude”, em que dizia:
Em economia, há uma clara tendência ao monopólio da virtude também. Os defensores dos pobres são aqueles que defendem o uso do aparato estatal no combate à miséria, sem, entretanto, aprofundar o debate a respeito do melhor método para reduzir a pobreza de fato. Se alguém mostrar que a miséria foi combatida com mais eficácia onde o governo praticou menos intervenção econômica, ele será ignorado na melhor das hipóteses, ou poderá ter suas intenções questionadas: está apenas defendendo seus interesses de “classe”. A repetição de rótulos que objetivam desqualificar a pessoa é indiretamente proporcional à capacidade de argumentação.
Desta forma, o monopólio da “justiça social” acaba com aqueles que defendem, como meio, maior concentração de poder no governo, mesmo que tal caminho leve ao resultado oposto daquele originalmente intencionado. Brasília possui a maior renda per capita do país, e os principais itens produzidos lá são leis esdrúxulas e muita corrupção. Mas se alguém defende mais liberdade econômica, acaba logo rotulado de “darwinista social”, como se fosse um inimigo dos pobres.
Em todos esses casos, o padrão se repete: seres humanos de carne e osso acabam sacrificados no altar da ideologia. O esforço destas pessoas está direcionado à propaganda ideológica, e todos que defendem pontos de vista alternativos acabam demonizados. Quem sai perdendo com tal postura somos todos nós. Afinal, as estradas para o inferno costumam ser pavimentadas com ótimas intenções.
Soa familiar?
Rodrigo Constantino
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