Já escrevi aqui um apelo contra as cotas para cinema nacional, mas volto ao tema hoje após artigo de Cacá Diegues publicado no GLOBO. Claro, o autor é parte interessada, como cineasta, e está no seu direito de defender uma reserva de mercado que lhe beneficia. Mas pretendo argumentar que tal medida atenta contra o público consumidor, leia-se todos nós, brasileiros.
Cacá Diegues começa seu texto trazendo à tona um fato histórico para pintar um quadro de que o ataque às cotas nacionais é coisa de grandes grupos americanos interessados em nosso mercado. Em seguida afirma que, atualmente, um pequeno grupo gaúcho de exibidores estaria por trás desse ataque, pois entrou com pedido no STF para julgar inconstitucional tais cotas, que beneficiam várias categorias ligadas à produção do cinema nacional.
Há, contudo, um sujeito oculto no artigo do cineasta: o consumidor. Toda reserva de mercado costuma ignorar esse detalhe: e os direitos dos consumidores? Cotas, subsídios, reserva de mercado, são todos instrumentos que servem para beneficiar grupos produtores, à custa dos consumidores. E isso quase nunca é dito por aqueles que mascaram seus próprios interesses sob o manto do “interesse nacional”. Por acaso os milhões de consumidores não fazem parte da nação?
Para defender o indefensável, Cacá Diegues volta no tempo, curiosamente dando um tiro no próprio pé. Diz ele:
Essa reserva de mercado para filmes nacionais existe desde o início dos anos 1930, quando o presidente Getúlio Vargas instituiu-a. Em 1951, em seu segundo governo, Vargas criou o “oito por um” — para cada oito filmes estrangeiros, a sala era obrigada a programar um brasileiro. Essa cota progrediu e se tornou um dos pilares de 80 anos de construção do cinema brasileiro. Nem mesmo durante a ditadura militar ela foi contestada, apesar de tantos filmes brutalmente censurados pelo regime.
Ou seja, tudo começou com uma ditadura. Primeiro ponto contra as cotas. Segundo: mais de 80 anos não foram suficientes para tirar a indústria de cinema nacional da infância, a ponto de precisar dessa grande ajuda estatal? Quantas décadas mais são necessárias? Por fim: o regime militar também não mexeu nisso, e isso vai contra as cotas novamente. Era um regime nacionalista (vide Geisel), que não colocava o consumidor no centro de suas prioridades.
A lógica que serve para sustentar reserva de mercado para o cinema nacional serviria também para sustentar qualquer outra reserva. O que há de tão especial assim em produzir filmes? Por que não carros? Computadores? Ops! Já tivemos essa experiência com a “Lei da Informática” e não foi muito agradável: o país foi condenado ao atraso tecnológico. No caso da indústria automotiva, na infância por 70 anos, ainda temos os carros mais caros do mundo!
Será que os consumidores estão felizes? Parece-me que não. Mas Cacá Diegues pensa que há algo de especial em sua indústria sim. Diz ele:
O audiovisual é o espelho de uma nação. Sem ele, seria como se vivêssemos numa casa sem espelho, onde não vemos nosso rosto, não sabemos nos reconhecer. O crescimento, a diversidade e o sucesso de público recente dos filmes brasileiros podem fazer até com que não precisemos mais de cotas. Mas sem elas, nosso público estaria condenado a ver apenas comédias, não haveria mais espaço para filmes inovadores. Numa democracia, temos que respeitar o gosto do público e, ao mesmo tempo, criar condições para a manifestação das minorias que desejam mudá-lo.
Eis onde mora o perigo! Essas minorias, organizadas, da elite, em simbiose com o próprio estado, desejam mudar a sociedade, o gosto público. E não pretendem fazer isso competindo no próprio mercado, o que dá muito trabalho. Querem verbas estatais e reserva de mercado. Para produzir que tipo de filme? Lula, o filho do Brasil? Ou filmes enaltecendo os comunistas Olga e Che Guevara? Socorro!
O cão não morde a mão que o alimenta. Quando o grande mecenas da sétima arte é o estado, então teremos filmes feitos sob medida para agradar aos poderosos burocratas e políticos donos do carimbo especial que concede verbas e cotas. Prefiro a livre concorrência, mesmo com o “terrível” risco de um filme americano persuadir os brasileiros de que os Estados Unidos são o máximo (muito mais provável, na Hollywood de hoje, tomada pela esquerda, de ser justamente o contrário).
Por fim, Cacá Diegues apela para um ufanismo um tanto bobo, ao dizer: “Além disso, a cota de tela tem também um valor simbólico, como se enfiássemos a bandeira no chão, afirmando que aquele território é nosso”. Esse “valor simbólico” bastante tribal acaba sendo pago por todos nós, de forma compulsória, o que não me parece lá muito justo. Espero que o STF tenha bom senso e coloque um fim nessa farra toda…
Rodrigo Constantino
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