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Ser bom é bom para a felicidade no longo prazo

Gustavo Ioschpe escreveu um ótimo artigo na Veja sobre como resistir ao entorno podre e educar seus filhos com ética. Fiz meus comentários aqui. Hoje foi a vez de João Pereira Coutinho acrescentar na Ilustrada da Folha seus dois cents. E que dois cents!

Seguem os principais trechos:

O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.

E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do “Federalista”) é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.

Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.

Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.

Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens –mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.

Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.

Perfeito. Liberais mais céticos e conservadores jamais caíram nessa falácia de “novo homem”, um ser abnegado e altruísta que acorda diariamente pensando em praticar o bem para os outros. Tampouco fazem como a esquerda, que coloca a culpa dos males e crimes na desigualdade social e nas circunstâncias materiais.

Não, nós compreendemos melhor a metáfora do pecado original, do anjo caído, do demônio que habita nos homens em potencial, e que muitas vezes vem à tona. A ocasião pode fazer o ladrão, os incentivos importam, e cada um pode se surpreender com as próprias atitudes.

Logo, o primeiro passo é esse mesmo: um governo de leis, não de homens. Era a receita de Aristóteles, pois sabia que não era possível confiar integralmente nos homens, por melhor que fossem nas aparências. Impunidade, eis o maior convite ao crime. É preciso combater com vontade a impunidade se desejamos viver em uma sociedade civilizada.

Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.

Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que “floresce” (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.

E, para que esse caráter “floresça”, as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a “felicidade”, na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.

Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.

Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.

E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.

Educar os filhos para serem “homens de bem” é também ajudá-los a evitar essa ruína.

Novamente Aristóteles. E novamente estava certo. Tornar a ética um hábito, incutido em nosso dia a dia, pois isso vai a fortalecendo. E ao longo do tempo traz enormes vantagens para os indivíduos sim. Também concordo com Coutinho: desconheço mau caráter genuinamente feliz em idade mais avançada.

Alguns podem parecer, mas vivem imersos em seus próprios fantasmas. Quem não tem um pingo de consciência é um psicopata, um caso à parte. Os demais buscam se convencer de que não são tão ruins, mas aquele pequeno observador imparcial dentro de suas mentes está lá, implacável, para lhes lembrar quem realmente são.

De que valem carrões, viagens e casas grandes sem a paz de consciência, sem a convicção de que deu o melhor de si como pessoa, sem a liberdade para olhar nos olhos dos filhos e condenar o comportamento antiético?

Talvez por isso tanta gente apele cada vez mais ao relativismo ético e moral, alegando que é “moralismo” de direita criticar a corrupção. Buscam, desesperadamente, um aval, um salvo-conduto para seus próprios crimes que os atormentam na calada da noite.

Aceitaram um pacto mefistofélico e pensam que agora é possível rejeitar a contrapartida do contrato com o diabo. Não é.

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