Em artigo publicado hoje no GLOBO, o advogado Hélio Saboya Filho (que chamo de Helinho, pois nos conhecemos há anos) fala sobre as novas vozes da direita que vem ganhando espaço na imprensa. Começa logo me citando, usando um adjetivo que não julgo muito adequado, mas tecendo elogios também:
O enfant terrible da direita, o economista Rodrigo Constantino, é um jovem culto, dinâmico, que vem alcançando merecido sucesso em palestras, livros e artigos, superando Olavo de Carvalho, oráculo direitista cujos excessos o converteram em uma espécie de Dercy Gonçalves de suspensórios.
Como todos sabem, eu mesmo já tive (e ainda tenho) várias divergências com Olavo de Carvalho. Concordo que há excessos também, às vezes típicos de uma caricatura de direita, e não de um filósofo culto como ele. Mas considero o ataque feito por Helinho Saboya pesado demais e desnecessário. Olavo tem dado importante contribuição ao pensamento brasileiro e, acima de tudo, alertado como poucos para o risco bolivariano do PT.
E essa é minha principal crítica ao texto de Saboya: entendo que ele deseje separar o “joio do trigo” na direita, mas somos tão poucos e o inimigo é tão mais poderoso, que vejo o momento delicado como propício para uma união da direita, não para fogo amigo. Escrevi sobre isso aqui. A longo prazo é saudável fazer distinções, preservar a imagem dos mais moderados. Mas há um incêndio a ser apagado com urgência, e essa deve ser a prioridade. Helinho diz:
Constantino, Diogo Mainardi, Denis Rosenfield, Luiz Felipe Pondé, Guilherme Fiuza e Reinaldo Azevedo fazem um respeitável contraponto ao colunismo de esquerda formado por Verissimo, Vladimir Safatle, Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Luiz Nassif e Emir Sader.
Aqui Helinho comete um deslize novamente. Para elogiar o que considero, modéstia às favas, um belo time de pensadores de direita, o autor inclui como contraponto um time patético de esquerda. Não dá para achar que Verissimo, Vladimir Safatle, Paulo Henrique Amorim, Nassif e Emir Sader representem um “contraponto respeitável” a nada, pois são figuras menores, alguns claramente vendidos, outros um tanto limitados. Há nomes bem mais respeitáveis na esquerda, a começar por FHC, Demétrio Magnoli, entre outros.
Mas além de Helinho comparar alhos com bugalhos, em minha opinião reduzindo e até ofendendo o valor desse time de direita citado, ele acha que nos perdemos em besteiras, coisas menores, enquanto há toda uma luta mais importante contra o intervencionismo e a favor da liberdade individual. Diz ele:
A dimensão paquidérmica da máquina oficial e seus escândalos fazem praticamente irretorquíveis os argumentos de uma direita que, mesmo com material tão fértil a ser explorado, desperdiça energia com questões completamente insignificantes, polemizando bobagens com verniz de erudição e entusiasmo de hora do recreio.
O caso usado para ilustrar seu ponto foi a Valesca Popozuda citada como “pensadora contemporânea”, e Helinho mostrou como há exemplos similares nos Estados Unidos. Em primeiro lugar, os Estados Unidos também vivem momentos preocupantes de decadência dos valores morais e concomitante avanço do estado sobre as liberdades individuais.
Em segundo lugar, não concordo que as mensagens nas letras de funk, o relativismo estético e moral da nossa sociedade, as bizarrices do mundo contemporâneo vistas como coisas absolutamente normais, sejam “completamente insignificantes”, polêmicas e bobagens de hora do recreio. A luta é cultural antes de tudo, como sabia a Escola de Frankfurt. Resgatar certos valores morais é prioridade para defender a liberdade.
Hélio Saboya acha ainda que, enquanto essa direita perde tempo com “besteiras”, ignora coisas mais sérias:
Por outro lado, no recente caso Petrobras, ícones do empreendedorismo independente que concorreram com seus votos para aprovar a polêmica operação Pasadena não sofreram quaisquer críticas por aqueles que pregam a iniciativa privada como a solução de todos os males que afligem a humanidade. Um silêncio difícil de explicar.
De fato, houve um relativo silêncio. Mas a explicação me parece outra. Os empresários conhecidos que ocupavam assentos no Conselho de Administração da Petrobras estão ali lidando com o dinheiro da viúva, e o mecanismo de incentivos não é o mais adequado. Não seriam, provavelmente, tão negligentes nas decisões estratégicas envolvendo bilhões em suas próprias empresas. Eis o xis da questão. Se a Petrobras fosse privatizada, a situação seria totalmente diferente.
Dando continuidade ao estilo “morde e assopra”, Helinho ridiculariza a ideia de que há uma hegemonia da esquerda em nosso país:
Finalmente, não há mais lenço (nem saco) para o interminável choramingo contra a hegemonia da esquerda na política (na imprensa, como visto, não há), um “coitadismo” em causa própria que desautoriza o discurso da meritocracia. Eleições se ganham por mérito; não há cotas para excluídos. E o mais incensado liberal acidental, Demóstenes Torres, saiu do Senado por feitos de gravidade mensaleira.
Mesmo na imprensa ainda há, meu caro! Sim, é verdade que alguns jornalistas e pensadores conquistaram espaços, mas não dá para comparar isso com a presença maciça de esquerdistas nas redações, colunas e, principalmente, na televisão. Para cada programa com viés mais de direita, haverá uns dez sobre Fidel, Che, Lênin ou escritores de esquerda. Na academia ocorre a mesma coisa: para cada professor como Pondé há uns vinte marxistas!
Eleições não se ganham por mérito necessariamente. Ainda mais em países com muita ignorância e miséria. Qual o mérito de Chávez, além de ser demagogo ao extremo, carismático e populista, um bufão na era midiática? Por isso mesmo a luta liberal é, acima de tudo, cultural. É preciso mudar a mentalidade dos eleitores, o que leva muito tempo. E os partidos políticos abraçam bandeiras claramente intervencionistas. Basta ver que nenhum sequer endossa algo tão básico para o liberalismo como a defesa da privatização da Petrobras.
Hélio Saboya cai, ainda, na falácia de comparar o caso de Deméstenes Torres, corrupção, com o mensalão do PT, algo muito maior, uma tentativa de golpe na democracia, de compra de parlamentares para não precisar contemporizar com os partidos no Congresso. Outro erro grave em seu artigo.
Por fim, ele diz:
Se sobrevive a espécie dos esquerdopatas, há também destropatas que, ressentidos e autoritários, festejam o golpe militar, tietam Bolsonaros e Felicianos, e se arrepiam ao ver uma foto do Che Guevara. Será que não basta ter o Lobão como muso e a Sheherazade como musa?
Concordo que há os tais “destropatas”, mas creio que Helinho jogou muita gente no mesmo saco. Celebrar 20 anos de regime militar é algo realmente indefensável para um liberal como eu. Mas reconhecer que nos idos dos anos 1960 um contragolpe ao avanço comunista era necessário, isso são outros quinhentos. Castello Branco contou com amplo apoio popular e da imprensa, não vamos esquecer.
Arrepiar-se com uma foto do Che Guevara é sinal de saúde mental, de caráter, nada mais. É, sim, revoltante ver um assassino frio e cruel, um porco psicopata sendo idolatrado por uma massa de idiotas úteis (que votam, não custa lembrar). Alguém como Che ainda despertar tantas emoções positivas demonstra nosso atraso ideológico e nossa ignorância histórica.
Podemos ter Lobão como muso e Sheherazade como musa, o que não vejo mal algum, pois são pessoas que defendem pontos de vista bem razoáveis. Mas não basta. É preciso repudiar aqueles que escolhem, como muso, um sujeito asqueroso que sentia tesão em fuzilar inocentes. Não coloque todos esses no mesmo saco, meu caro Helinho!
Fechando, entendo que Helinho tem as melhores intenções, e que pretende traçar uma linha divisória na direita, para que o lado que considera bom não seja contaminado pelo lado que considera ruim, ou exagerado. Mas gostaria de lembrar apenas que temos poucas vozes da direita ainda, conquistando espaços recentes, contra um uníssono avassalador da esquerda. Deixemos o fogo amigo para depois, quando a ameaça bolivariana for coisa do passado…
Rodrigo Constantino
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