Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal
Há muito tempo, antes mesmo de Bolsonaro ser eleito, eu já argumentava em vários textos como é simplesmente abissal e autoritário que o Estado puna a mentira em si mesma, simplesmente porque não há parâmetros reais para isso. Uma mentira nem sempre é categorizável de maneira dogmática. Assim como a verdade nem sempre vem vestida de rainha, com coroas lustrosas e antecipada por toques de trombetas. Por vezes ela vem fedendo, após ser encontrada em uma latrina de um bloguezinho perdido no mar do Google, percebido-descoberto-apurado por um cidadão comum que não tem formação alguma na área de comunicação; todavia, um cidadão que possui um smartphone, a informação crua e a vontade de compartilhar isso com o mundo. A punição da mentira, geralmente, é a desculpa perfeita para calar a verdade.
Alexandre de Moraes, ontem (27/05), determinou a busca e apreensão de computadores, celulares e documentos de apoiadores do Governo, por ocasião de uma suposta rede de Fake News que, até hoje, ninguém viu, provou sua existência ou sequer a sua possibilidade de existência. Uma investigação criada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, dada de maneira monocrática ao ministro Alexandre de Moraes ― à revelia das ponderações do Ministério Público ― e, agora, sentenciada pelo mesmo ministro, como os bons e velhos coronéis de outrora, como sendo crimes indiscutíveis a serem exemplarmente punidos. O Ministério Público que já investigava o caso, e que muito provavelmente encerraria o mesmo sem oferecer denúncia alguma, agora se encontra a esmo, pois os deuses do Olimpo da Suprema Corte definiram que eles podem ser acusadores, investigadores e juízes ao mesmo tempo. Nada como esse bordel chamado “Estado Democrático de Direito”, não é mesmo?
As ditas “Fake News”, há tempos, parecem mais uma desculpa para o Estado definir o que a população deve ler e acreditar do que uma alta conspiração de conservadores matadores de pobres e gays. Robôs, as tias do Zap zap, empresários malvadões querendo queimar os ministros do STF num ritual macabro, tudo isso soa muito mais como uma lenda urbana costurada a partir de fatos paralelos e mal explicados do que uma realidade pura e simples. É fato sim que existem serviços autônomos de postagens e que eles são usados, muitas vezes, para espalhar ideias e factoides favoráveis a grupos determinados ― na era Dilma já era assim ―; e é evidente que as tias e tios do Zap zap compartilham dia e noite notícias de sites como: “cavaleirodoapocalipse.blogspot.com” como se fossem as mais fidedignas revelações políticas e conspiratórias do dia; mas que os tios do Zap zap e os robôs estão num complô consciente para criar um ambiente de falsidades universais com a ajuda de empresários malvadões a fim de perpetuar uma ditadura fascista no país, até este ponto há uma lacuna gigantesca sobre a qual até o momento ninguém apresentou prova alguma.
E não adianta dizer que não é exatamente isso em que creem os denunciantes; é precisamente essa a tese muda que os cantões da esquerda institucional buscam emplacar como mentalidade corrente: a tese de que há em curso no Brasil, através do atual governo, um golpe fascista.
Nem é preciso dizer que é dificílimo separar a pura informação da opinião de quem a vincula nas redes, o que foi contado sobre os fatos e o que foi escrito pelo redator sobre esses mesmos fatos. Leiam uma semana das ditas “notícias” dos jurássicos jornais Estadão e Folha de São Paulo. Nem é preciso recorrer ao submundo dos blogs pró-governo para perceber que esse cetro divino de separação da verdade dos relatos, e os relatos de pseudoverdades, não é algo tão fácil assim de ser feito. Sendo naturalmente dada a cada cabeça a chance e possibilidade de filtrar as verdades e mentiras.
Nunca antes foi tão difícil emplacar mentiras e perpetuar erros. Cada perfil nas redes sociais se tornou um analista sobre o que está escrito nos jornais, expresso nos vídeos informativos e falado nas rádios remanescentes; as correções e cobranças por assertividade na veiculação das notícias nunca antes alcançou tal patamar. A mão invisível da coerência ― robusta e empoderada pelo advento das redes sociais ― parece constranger hoje com maior rigor as conspirações e mentes trapaceiras do que em tempos passados; tempos em que os redatores reinavam sem as trombetas opositoras dos populares.
Quando é o Estado quem tem o poder de definir o que é verdade, e não os indivíduos e suas consciências, até mesmo as mais absurdas das mentiras passam a ser críveis através da autoridade imponente do leviatã. A preguiça dos cidadãos em conferir as imposições, o medo de contrapor a força autoritária oficial e a mera complacência dos demais completam esse caldo do totalitarismo das ovelhas hipnotizadas. Ora, como vocês acham que os Estados totalitários se perpetuaram no século XX? Meu Deus, vocês nunca leram George Orwell?
É completamente ridículo, após os exemplos do século passado, achar razoável a opção de o Estado definir para nós o que é confiável ou não para acreditarmos. Isso é tão óbvio até mesmo para quem tem um raciocínio mais elementar e rústico da realidade política; sinceramente, nem sei ao certo como me expressar numa linguagem ainda mais clara.
O famoso trapo: “é para seu bem”, sempre usado por todos os Estados totalitários desde o advento do fascismo e comunismo, novamente é usado aqui; e pasmem: está sendo aplaudido até por liberais afoitos em serem contra o atual governo. Não deram conta de perceber que, quando é a liberdade de expressão o alvo, não importa quem é o atacado. Eu sequer vou falar do tal “discurso de ódio”… Apenas reitero que um mundo que não pode expressar em palavras os seus ódios é um mundo onde o ódio vem travestido com fardagens de bens sociais e imposições culturais; sem demora― é óbvio ―, descamba em prisões aleatórias fofas, censuras em nome do amor, perseguições simpáticas e discursos únicos em nome da diversidade.
Mas vamos mais longe: suponhamos que haja de fato uma rede de mentirosos que se articulam para arruinar pessoas e grupos; que haja até mesmo empresários que de fato financiam maquiavelicamente tal saga de amor à burla. A decisão correta seria calar a boca dos mentirosos via Estado? A liberdade de expressão não era o único e verdadeiro combustível da democracia, quando era a esquerda a censurada?
A liberdade de expressão é intocável e deve ser garantida para comunistas e liberais, para conservadores e progressistas. É uma rosa que ninguém tem a autorização de colocar no domo com a desculpa vadia de protegê-la. A liberdade se torna robusta somente quando a deixamos crescer indiscriminadamente, aparando aqui e acolá os espinhos que por ventura possam ferir a dignidade dos demais ― e para isso já existem dispositivos que dão conta de proteger tais honras frente aos excessos dos desavisados.
A única arma eficaz conhecida contra idiotas e mentirosos é dobrar a aposta, dar e manter vigorosamente a liberdade dos idiotas dizerem idiotices e dos mentirosos de mentir, agindo efetivamente na melhora da exposição das verdades dos sensatos. À liberdade, a única benesse que cabe ao Estado realizar é ajudar a não atrapalhar. A democracia é para tolos e equilibrados; burros e inteligentes; ministros do STF ou trabalhadores ― tô de brinks, Alexandre, não mande a PF invadir minha casa.
A liberdade de expressão não é um pilar que se possa atingir sem afetar todo o edifício democrático. Por mais absurdo que possa soar isso para os pseudojuízes do Supremo Tribunal Federal: a liberdade de expressão dos mentirosos é a mesmíssima liberdade que lubrifica as bocas dos razoáveis; a liberdade de fala é A LIBERDADE DE FALA, independente de quem fale, assim como a chuva que cai sobre bons e maus não faz juízo de valor sobre quem ela molha. Hoje o Estado cala seu inimigo, amanhã ele cala seu amigo, seu vizinho, seu primo, irmão, pai, e sem dúvidas logo o calará também. Hoje a PF invade a casa do Allan, do Bernardo Küster e da Sara Winter, amanhã invadirá a sua usando qualquer desculpa idiota para tal. Sempre foi assim, a história é irrevogável nessa previsão; não será nesse soco que a ponta da faca cederá ao invés de novamente furar a mão.
No fim, a máxima de Rui Barbosa continua: “contra a ditadura do STF, a quem recorremos”? “Quem checa os checadores”?
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