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STF Lei de Improbidade
Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quando falamos em golpe de Estado, logo pensamos em tanques e armas e a derrubada de um governante democraticamente eleito. Certamente não se pensa nos patriotas com a Bíblia e a bandeira do país, comendo algodão-doce enquanto clamam por algum milagre para impedir o comunismo em seu país.

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Mas há uma categoria mais moderna de golpe que carece de debate. Trata-se de um golpe perigoso e eficiente, pois disfarçado pelo verniz da legalidade. Ele vem justamente de quem deveria proteger a Constituição. Juristas têm classificado como "juristocracia" o fruto desse tipo de golpe. É exatamente o nome do livro de Ricardo Peake: Juristocracia e o fim da democracia.

O arbítrio destruiu o império da lei. O Direito foi "revolucionado" de cima para baixo, mudando de forma estrutural sem qualquer participação do Legislativo

Para Peake, limitar o conceito de golpe ao uso de armas parece uma ingenuidade sobre o que é o poder político. A história é repleta de golpes de Estado feitos de várias outras formas. Um golpe – ou uma ruptura da ordem jurídica-institucional – pode ser inclusive pacífico e com o consentimento da maioria ou até de todos os atores políticos. Exemplos: cancelar eleições programadas; proibir determinados partidos ou candidatos de se candidatar, à revelia da Constituição; prender opositores, à revelia da Constituição etc.

Como explica o jurista, o exercício do poder de forma inconstitucional – ou seja, descumprindo as regras do jogo – com o propósito de aumentar ou manter o poder político é, de certa forma, um golpe. No mais, a juristocracia brasileira utiliza a força armada, por meio de uma ala da Polícia Federal que passou a agir sob ordens diretas do ministro Alexandre de Moraes, subvertendo a separação dos Poderes. Peake conclui:

Os juristocratas do século XXI usam da força armada, mas de maneira mais sutil que os generais do século XX. Revestem a truculência policial com páginas e páginas de juridiquês. Não é difícil iludir quem não entende o fenômeno do Poder fora da velha acepção Direito x Força. Como os juristocratas ocupam postos em que são encarregados de dizer o que é o Direito, fica fácil disfarçar a Força em Direito. Mas ao usar seus postos para subverter o Direito e usurpar o Poder, cometem sim um golpe.

Esse debate não é algo exclusivo do Brasil, e tem intrigado vários especialistas pelo mundo. O schollar alemão Alex Stone Sweet, da escola de Yale, publicou pela Cambridge um artigo interessante sobre o tema.

Segundo o autor, o objetivo principal da teoria jurídica é o desenvolvimento de padrões para avaliar a jurisprudência de um tribunal como “boa ou má”, “aceitável ou inaceitável”, “racionais ou arbitrárias”. Más decisões são aquelas que não podem, em última análise, ser embaladas como uma dedução de normas e princípios anteriores de primeira ordem.

Ele explica: "Deveria ser óbvio que um golpe de Estado jurídico mina fatalmente este projeto. Em seu próprios termos, não temos outra escolha senão classificar os golpes jurídicos como o resultado de decisões más, arbitrárias e irracionais". Nesse caso, a velha Norma e a velha Regra, uma vez derrubadas, não podem fornecer a base normativa para a forma como o novo sistema jurídico evolui após o golpe.

Voltando ao caso brasileiro, parece óbvio que ocorreu um golpe desta natureza. O arbítrio destruiu o império da lei. O Direito foi "revolucionado" de cima para baixo, mudando de forma estrutural sem qualquer participação do Legislativo. Ministros com o declarado intuito de "empurrar a história" e "derrotar o bolsonarismo" acumularam poderes nunca a eles outorgados, atropelando a Constituição que deveriam proteger. É puro uso da Força, disfarçada de Direito – e com o selo supremo.

Tudo isso torna a realidade brasileira mais assustadora e difícil de reverter. O STF já mostrou que não tem o menor pendor para a conciliação ou o restabelecimento da Norma anterior. Agora, em parceria com o Executivo, não há Tarcísio pragmático que consiga qualquer concessão. O jogo está claro e é manter Bolsonaro inelegível ou até mesmo colocá-lo na prisão, enquanto o voto seguirá não auditável e a ingerência sobre o Legislativo continuará a todo vapor.

Os ministros sabem que agiram fora da lei, que criaram novas regras do nada, e não vão recuar voluntariamente. Também sabem que qualquer um fora da "direita permitida" poderia expor seus crimes e, portanto, a verdadeira direita será intolerável para o sistema. A farsa tem que continuar. Foi dado um golpe de Estado em nosso país, mas pelos operadores do Direito em sua última instância.

A juristocracia matou a democracia. Reverter essa situação será muito difícil, e se a esperança for a autocontenção do STF ou algum tecnocrata pragmático com perfil tucano chegando à Presidência, então pode esquecer: a juristocracia se perpetuará no poder facilmente.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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