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Por Paulo Roberto Tellechea Sanchotene, publicado pelo Instituto Liberal
Até agora, diante da pandemia de coronavírus, o governo federal vem fazendo tudo certo. Porém, o Bolsonaro e os “bolsomitas” mostram que não conseguem resistir ao ímpeto de se dar tiro no pé. O ministro Mandetta está fazendo o que é preciso fazer. Tirá-lo do ministério da saúde não apenas seria demitir alguém pelo cumprimento do dever, como seria um verdadeiro ato de auto-flagelo político.
Por que o governo puniria a si mesmo por agir de acordo com o exigido pelas circunstâncias? Ainda assim, vozes dentro da base do governo (incluindo-se, ao que parece, a do próprio presidente) demandam a cabeça do Mandetta. Eu, particularmente, não entendo. Inclusive, venho defendendo que a postura a ser adotada seja: Keep Calm and Trust Mandetta.
Estaria eu sendo contra o presidente assim? Isso nunca tinha me passado pela cabeça. Afinal, trata-se de um ministro do governo Bolsonaro e, ao reconhecer ser irrepreensível o trabalho do Mandetta até aqui, estou necessariamente elogiando o governo liderado pelo presidente.
Entendia eu estar ao lado do presidente nesse imbróglio; até porque nunca enxerguei incompatibilidade entre os discursos do presidente e do ministro. Se as ações do governo parecem incompatíveis com os apelos do Bolsonaro, Mandetta sempre fez questão de mostrar-lhes a conexão. No entanto, começaram a fazer parecer que o Mandetta é adversário, ainda que venha atuando dentro dos parâmetros do próprio governo.
Por exemplo, o Mandetta jamais negou que o presidente tenha um ponto ao defender a questão econômica. O ministro sempre falou em “confinamento insustentável” para descrever a situação e “sanfona” para definir a mais provável postura do país diante do problema. A atual medida é necessariamente temporária. Quanto mais o tempo passa, mais próxima está de acabar.
A diferença entre as posições do presidente e do seu ministro da saúde se resume meramente a “quando”. Aparentemente, para alguns, isso já é suficiente para tornar Mandetta um agente chinês infiltrado. Até há pouco, eu acreditava que a postura como que esquizofrênica do governo fosse meramente a manifestação pública de uma estratégia politicamente necessária.
Por uma série de circunstâncias, Bolsonaro é um governante cuja principal missão política é sobrevivência. Trata-se de um governo em busca pela consolidação de sua legitimidade política. Nesse cenário, tomar uma decisão equivocada pode ser fatal. Contudo, o coronavírus colocou o governo diante de um conflito entre duas escolhas ruins.
A decisão de optar pela preservação da saúde pública não é tão simples quanto muitos advogam que seja. Se o país optar pela saúde pública, a economia desfalece-se, brasileiros são jogados à pobreza, podendo levar o país ao caos social e mortes. Se o país optar pela economia, a saúde pública entra em colapso, podendo levar o país ao caos social e mortes.
Se qualquer decisão será equivocada e um erro grave pode ser letal, o que fazer? Levar o coronavírus a sério e tomar medidas contra seu avanço são ações justas e necessárias. Contudo, as consequências econômicas de um confinamento público podem ser piores do que as da doença, tanto individual quanto socialmente. Ademais, não podemos ignorar que o Brasil está saindo do verão e indo para o inverno; nosso sistema de saúde sequer suporta a carga normal de doentes; e nossa economia já se encontra totalmente fragilizada.
Diante desse cenário, é preciso dividir esforços. Bolsonaro, o presidente, nitidamente fez a opção política pelos pobres; já o governo dele, Mandetta à frente, fez a opção pelos doentes. O governo parecer optar por ambas as escolhas concomitantemente é logicamente incoerente, mas politicamente astuto. Com isso, o governo cobre ambas as bases e demonstra estar atuando de forma abrangente diante de um problema grave e de ampla magnitude.
Se isso está rendendo agora dores de cabeça ao chefe do Executivo federal, trata-se apenas do custo a pagar por estar diante de circunstância indigesta. Logo, isso deve mudar. Futuramente, a atuação dos ministros permitirá argumentar que o governo não se omitiu no combate ao coronavírus. Quando inevitavelmente a situação tornar-se insustentável, seja do ponto de vista da saúde pública, seja da perspectiva econômica, seja de ambos, as ações do governo serão prova de que não houve omissão para com a vida dos brasileiros.
Nesse momento, em que a opção pela saúde pública passar a ser inviável, Bolsonaro entra em cena como “a voz da razão”. No auge do problema, o presidente estará em posição de dizer que tentou evitar a situação a todo custo. Quem estiver sofrendo com a retração econômica verá no presidente um aliado. Por outro lado, a oposição ficaria impossibilitada de tachá-lo de insensível. Afinal, o governo teria feito o possível para diminuir o impacto do coronavírus sobre a saúde pública.
Uma derrota política aparentemente inescapável seria transformada em vitória inapelável. Bolsonaro reassumiria naturalmente o protagonismo para liderar o país em momento tão difícil e doloroso. Politicamente, para o presidente e para toda a direita brasileira, isso é fundamental. Portanto, um aparente conflito entre o Bolsonaro e a ala da economia, de um lado, e o Mandetta e a ala da saúde, do outro, faz-se necessário para que o atual governo siga adiante, apesar dos desafios constantes.
No entanto, esse conflito deve ser aparente! Se for real, não há estratégia alguma. Seria apenas coincidência. Aí, o risco de acabar mal é enorme. Isso seria ruim para o governo e para o país – seja politicamente, seja economicamente, seja para a saúde pública, seja para tudo. Em resumo, Mandetta não pode cair.
Por ora, mantenho minha esperança de o governo conseguir fazer uma bela caipirinha com todos esses limões que recebeu. Estamos diante de uma oportunidade ímpar, não apenas de avançarmos na legitimação política da direita, mas também tanto para negociar reformas econômicas liberais em troca pelos estímulos keynesianos que o Congresso tentará impor por causa da crise quanto para modificar nossa infraestrutura e nossa logística para o país tornar-se menos dependente de São Paulo. Porém, para isso, o governo precisa primeiro evitar o autossabotamento.