Por Vinícius Montgomery de Miranda, publicado pelo Instituto Liberal
Com dificuldade extraordinária, o Brasil começa, finalmente, a dar alguns passos em direção a um futuro melhor, depois de sofrer a pior recessão de sua história, com redução da renda per capita estimada em -8,5% nos últimos 5 anos e piora em vários indicadores econômicos e sociais. Claro que a contribuição de governos populistas inconsequentes foi fundamental para tamanho desastre. Ninguém com o mínimo de juízo acreditaria no sucesso de incongruências como a Nova Matriz Econômica, o represamento de preços de combustíveis e de energia, as pedaladas fiscais e o aumento desenfreado dos gastos públicos; exceto, claro, governos populistas e o amplo espectro de seus seguidores dependentes de fundos públicos. Todos míopes ao ignorar as consequências desastrosas da lassidão fiscal, especialmente no médio e no longo prazo. Aliás, a insistência dos governos de inclinação marxista em adotar medidas econômicas heterodoxas que sempre redundam em aumento da pobreza não parece contingencial. A priori, nem a hipótese de que essas medidas sejam estratégias deliberadas para manter a submissão ao poder totalitarista pode ser descartada. Afinal, sobram exemplos de penúria, fome, desesperança e desespero causados pelas insistentes experiências socialistas mundo afora. Os fiéis dessa seita coletivista decadente, obcecados por promessas vazias de igualdade – sempre assegurada pela coação estatal – sequer se abalam com o registro da morte de milhões de pessoas, nos países que optaram por seguir essa doutrina.
No livro Uma Breve História do Homem, o filósofo-economista Hans-Hermann Hoppe deixa claro que justamente as diferenças naturais entre os homens – uns com maior talento para se comunicar, outros para calcular ou para compreender a diversidade ambiental e a alternância das estações climáticas – permitiram reconhecer as vantagens da divisão de trabalho, que, aliada ao direito de propriedade e à liberdade para experimentar, resultou em evolução cognitiva, aumento de produtividade, acumulação de capital e multiplicação da riqueza. Não é por acidente, portanto, que a renda per capita mundial, estagnada até as proximidades do ano de 1800, passa a crescer em saltos a partir do século XIX. O advento do capitalismo industrial e a livre negociação entre produtores independentes e consumidores heterogêneos, na economia de mercado, estimulou a especialização da mão de obra e o incremento da cooperação produtiva, gerando ganhos de eficiência nos processos de fabricação e na comercialização de bens. Ademais, os recorrentes investimentos em maquinários modernos e a introdução de novos métodos de produção resultou em acréscimos sem precedentes da produção. Assim, finalmente foi possível à humanidade escapar da armadilha malthusiana e se diferenciar definitivamente de plantas e animais, no que diz respeito à dependência dos meios primitivos de subsistência.
O conforto material desfrutado pela atual geração – abundância de alimentos, avanços impressionantes na área médica, eletricidade e automação, transporte acessível, comunicação ultrarrápida, entre muitas outras comodidades – sequer poderia ser imaginado até pela mais alta aristocracia de poucos séculos atrás. A enorme diversidade de bens e facilidades à disposição das populações é, portanto, uma conquista muito recente e não necessariamente definitiva. O leitor mais atento, inclusive, já deve ter percebido que o aparato estatal, com sua fúria regulatória, age sempre contra as inovações disruptivas, que geram novos empregos e aumentam o bem-estar geral, como é o caso de Netflix, Uber, Loggi, WhatsApp e tantos outros. A lógica dos políticos, burocratas e corporativistas, como sempre, é rechaçar a competição e manter o status quo, afinal, o poder político depende da força econômica, como mostrou Hayek em O Caminho da Servidão. Por isso é sempre muito raro ocorrer oposição entre as grandes corporações e o poder constituído. Pelo contrário, a inclinação ao globalismo e às relações de compadrio é que é habitual. Como explicar então tamanha objeção ao capitalismo justamente entre os maiores beneficiados pela concorrência e inovação? Evidente que, ao longo das últimas décadas, os coletivistas nunca hesitaram em disseminar suas perfídias. Silenciosamente inoculam oposição à meritocracia, ódio ao sucesso e aos valores ocidentais. O objetivo, claro, é estremecer os alicerces da economia de mercado, solapando o direito de propriedade, o empreendedorismo e a autonomia individual em nome de um utópico governo das massas.
A propalada mentalidade anticapitalista, que ludibria multidões, acaba por congelar a mobilidade social, alimentar a inveja, distorcer princípios morais e aniquilar a ambição dos jovens, que dessa forma, até sem perceber, passam a conspirar contra o próprio futuro. Com essa intenção, os coletivistas sempre agem no sentido de impor narrativas, repelir o contraditório, controlar a linguagem e eliminar divergências. Assim, quanto menor liberdade pessoal, melhor. Pretendem que todos pensem e ajam em consonância com seus preceitos, em uma espécie de adestramento comportamental, digno do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Para tanto, contam com a colaboração dissimulada de artistas, sindicalistas, professores, religiosos, líderes sociais e a mídia mainstream, que diuturnamente bombardeiam o progresso industrial e a evolução científica, como se fossem a razão de toda sorte de sofrimento da existência humana. Não é sem razão, portanto, que Flávio Gordon chamou essa impertinente hegemonia ideológica, prescrita na revolução cultural de Gramsci, de “a corrupção da inteligência”, título de seu livro homônimo.
Isto posto, é compreensível que a insana dinâmica dessa filosofia cobre um elevado preço de nações como o Brasil, que seguramente poderiam ser muito melhor sucedidas se rejeitassem seus dogmas. Evidências do aproveitamento medíocre das potencialidades do país e de retrocessos no processo civilizatório estão por toda parte, com reflexo no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, estagnado há décadas. A taxa brasileira de homicídios por habitantes, por exemplo, é cerca de cinco vezes maior que a média mundial. O crime organizado, a baixa eficiência das forças policiais e a leniência da justiça favorecem a impunidade e colaboram para os alarmantes índices de violência. Isso sem contar a excentricidade da lei penal e a elevada condescendência legal em favor dos crimes do colarinho branco, que, aliados à presença estatal em diversos setores da economia, estimulam o clientelismo e encorajam a prática de corrupção. Na saúde, na educação e no saneamento básico não é diferente. O estatismo provoca muitos estragos. É assombroso que em pleno século XXI praticamente metade da população brasileira careça de acesso à rede de esgoto e mais de 30 milhões prescindam de água potável. O predomínio de estatais estaduais ineficientes e descapitalizadas coloca o Brasil entre os países com os piores indicadores de saneamento do planeta. Ainda assim, os políticos de esquerda têm se esforçado para impedir a aprovação do projeto de lei que aumenta a concorrência no setor, com a possibilidade de participação de empresas e investimentos privados.
De mais a mais, a lógica do Estado provedor gera graves problemas de gestão nos modelos de saúde e de educação brasileiros. Recursos são mal alocados, quase não há preocupação com os resultados alcançados e as corporações de servidores rejeitam todo tipo de avaliação real de desempenho. Tudo ocorre como se a população não custeasse, e ao mesmo tempo não fosse cliente dos serviços prestados por eles. Quanta petulância! Sem dúvida que a concorrência privada faria melhor e mais barato, além de inovar continuamente, criando novos produtos e serviços. A legislação trabalhista paternalista é outro entrave ao desenvolvimento, pois duplica o custo da mão de obra e enferruja as relações empresariais e seus contratos; além de afetar a contratação de pessoas, prejudicar a especialização da mão de obra e, por fim, solapar a competitividade da economia.
E o que dizer dos problemas de infraestrutura? Como corrigir as graves deficiências de estrutura física sem novos investimentos? Natural que, no atual contexto de grave crise fiscal, seja inadmissível continuar esperando pelos recursos públicos na manutenção da infraestrutura do país. A propósito, claro que investir apenas 0,4% do PIB, como ocorreu em 2018, é insuficiente até mesmo para conter a deterioração dos atuais ativos físicos à disposição da população. As consequências dessa precária infraestrutura no contexto do mundo globalizado se espalham pela economia – a começar por limitar a concorrência interna, com reflexo no aumento dos custos dos produtos made in Brazil. Previsível, portanto, que oportunidades de exportação e de geração de novos negócios e novos empregos sejam perdidas, além de haver preços mais elevados e menor variedade de produtos disponíveis ao consumidor final. Como se percebe, o cardápio de problemas apresentados pelo modelo econômico brasileiro parece não ter fim.
A questão a responder é se seria possível uma realidade diferente dessa experimentada pelo Brasil e seus pares socialdemocratas. Existe algum registro de alternativa à primazia do Estado? A observação da história econômica das nações permite inferir que nenhum arranjo estatal é capaz de criar e distribuir riqueza melhor que o livre mercado, conforme se atesta nos casos de Estônia e Nova Zelândia. A elevada correlação entre liberdade de iniciativa e prosperidade é suficiente para se poder afirmar, de forma categórica, que não é possível evoluir sob as amarras do Estado, que age como fator limitante do desenvolvimento. Não por acaso, países de economias abertas, com menor intromissão governamental e que respeitam a propriedade privada e o estado democrático de direito, alcançam maior progresso. A economista e historiadora Deirdre McCloskey afirma que, até aqui, nenhum sistema econômico foi capaz de modificar a realidade de pessoas comuns como o liberalismo o fez. Parece que o ministro Paulo Guedes tem razão: é hora de dar uma chance para essa outra visão de mundo, ainda não praticada no Brasil.