Por Lucas Gandolfe, publicado pelo Instituto Liberal
“Todos os grandes temas da religião cristã – a queda, a felicidade original, o reencontro, a expiação, o sujeito messiânico – se reencontram no mito histórico-escatológico do marxismo” (Vladimir Tismaneanu).
Um dos ramos mais importantes da teologia é denominado “Crítica Bíblica”, que tem por objetivo o estudo da história, conteúdo, origens e propósitos dos vários livros das Sagradas Escrituras. Tal estudo foi dividido em dois grandes ramos: a Baixa e a Alta Crítica Bíblica.
A “Alta Crítica” teve sua origem na Alemanha, com Hermann Samuel Reimarus (1694 – 1768), que defendeu na sua obra Apologia ou Escrito de Defesa para os Adoradores Racionais de Deus, que os acontecimentos dos Evangelhos fossem vistos de forma desvinculada da fé dos Apóstolos, pois os textos seriam histórias escritas à luz de conceitos posteriores aos próprios discípulos.
Outro personagem da “Alta Crítica” foi Johann Jakob Hess (1741 – 1828), que concluiu que os milagres são mistérios sem explicação. Já Franz Volkmar Reinhard (1753 – 1812), aprofundou os estudos de Hess para pesquisar cientificamente os milagres, traduzindo-os à luz de uma base racional. Com o avançar do tempo, Johann Adolph Jakobi (1769 – 1847), afirmou categoricamente que os vários milagres narrados nos Evangelhos não são verdadeiros, já que foram adaptados posteriormente.
Os diversos estudos, que seriam o germe do ateísmo moderno, foram sintetizados no alemão Heinrich Eberhard Gottlob Paulus (1761 – 1851), que negou a historicidade dos milagres de Jesus Cristo, na sua obra A Vida de Jesus, procurando demonstrar como eles se sucedem com base em explicações naturalísticas. David Strauss (1808 – 1874), na sua obra A Vida de Jesus Criticamente Elaborada, defendeu que os livros de Mateus e João não são retratos oculares, sustentando que não existem provas da proximidade de escrita dos Evangelhos e a vida de Jesus. Afirmava que a visão hegeliana da realidade permite associar plenamente o Jesus Histórico ao Cristo sagrado, demonstrando que seriam pessoas totalmente diferentes. Ele ainda explicou os eventos sobrenaturais de Jesus como fruto de uma ânsia messiânica dos judeus daquele tempo e, portanto, seus atos foram meramente míticos.
Por fim, dentre os teóricos ateístas, tivemos Bruno Bauer (1809 – 1882), professor da Universidade de Berlim, defensor de que a imagem messiânica de Jesus foi construída pelos cristãos primitivos com base nas crenças judaicas, gregas e romanas, invalidando historicamente a imagem dos Evangelhos. Jesus, para ele, não era Deus; os Evangelhos não são dignos de credibilidade.
Surge, através das obras de Bauer, denominadas Crítica da História dos Evangelhos e Cristo e os Césares, um ateísmo vigoroso e irredutível, que afirmava que Fílon de Alexandria, Sêneca e os gnósticos seriam, verdadeiramente, os responsáveis pelo início do Cristianismo e não Jesus Cristo ou o judaísmo.
Em 1836 Karl Marx foi estudar jurisprudência na Universidade de Berlim, se aproximando muito das ideias de Bruno Bauer, as quais culminaram na sua visão materialista de mundo. Bruno foi o mentor de Marx, tendo influência absoluta em sua tese de doutorado sobre as diferenças entre Demócrito e Epicuro, dois dos grandes filósofos gregos que proclamavam as máximas materialistas.
Marx então passa a definir o que futuramente seria denominado de “marxismo”. Tal, embora atualmente seja uma “colcha de retalhos”, possui originalmente um conjunto de concepções teorizadas por Karl Marx e Friedrich Engels, as quais se compõem de quatro elementos analíticos, quais sejam: materialismo filosófico, dialética hegeliana, socialismo utópico francês e direito econômico inglês.
Resumidamente, já que se trata de um artigo, o que é limitado por essência, o materialismo filosófico foi influenciado pelas ideias ateístas de Bruno Bauer, onde Marx analisou a história e concluiu que, desde os primórdios, os homens exploram a natureza para dela obter os meios necessários à satisfação de suas necessidades básicas. Naquela época, os meios de produção, matérias-primas e esforço pessoal seriam suficientes para produzirem a satisfação plena de todos. Os excedentes eram trocados harmoniosamente.
Para Marx, em determinado momento os meios de produção foram dominados por um grupo de pessoas, desequilibrando as relações entre os homens, gerando, assim, a desigualdade. O apropriador passou a oprimir o apropriado, que precisava então vender a sua força de trabalho para almejar os bens da sua subsistência, já que não mais detinha os meios de produção. As mercadorias excedentes não mais eram destinadas à troca, mas à venda, iniciando o momento da produção mercantil.
Nesse cenário, Marx afirma que a burguesia consolidou o seu sistema econômico, chamado de capitalismo, transformando o produto, antes subsistência, em finalidade mercantil.
Com o materialismo, Marx defende que a História humana é explicada através da relação de trabalho, da luta de classes. Soma-se a isso a Dialética Hegeliana (fundada na dialética de Aristóteles), que, resumidamente, dizia que toda premissa ou “tese” deve incorporar em si mesma uma contradição (Princípio da Contradição), a “antítese”, como um modo de assegurar a própria evolução do Espírito, considerando que, depois de entrarem em conflito, esses dois opostos gerarão uma conclusão nova e aperfeiçoada, a “síntese”. O conflito entre “tese” e “antítese”, seria para Hegel o início do processo dialético, resultando em algo mais elevado (Espírito). A História seria assim explicada.
Marx, então, interpretou essa Dialética de Hegel através da sua concepção materialista, retirando o “Espírito Absoluto”. Ele afirmou que, como a prosperidade de uma classe depende da subjugação da outra, estes dois polos sempre estiveram em conflito, desde o nascimento. Assim, a luta de classes é a verdadeira causa da evolução da humanidade, sendo ela o resultado entre o conflito de burguesia (tese) e proletariado (antítese). Ambos os opostos, quando colidem, geram avanços sociais, criando uma nova realidade.
Em sua obra, Marx prevê que, em um determinado momento, em razão da busca da mais-valia (lucro), o burguês aumentaria o número de operários e, com isso, mais proletários ficarão indignados com o abismo econômico e, inconformados com sua exploração, promoverão rebeliões e, ao final, a revolução, destruidora do regime capitalista.
O terceiro elemento do marxismo é a “Economia Política Inglesa”, fundada por Adam Smith, que revolucionou o mundo ao publicar sua obra A Riqueza das Nações, afirmando que a verdadeira riqueza não estava na reserva de materiais preciosos, e sim no trabalho e sua divisão entre os homens, sendo que no sistema de trocas o homem mostrou que não é necessário ser individualmente autossuficiente, podendo aperfeiçoar-se na produção de um único produto ou serviço e depois promover transações. Assim, a divisão do trabalho aumentaria a produção, permitindo maior destreza e economia de tempo.
Marx, passou a sustentar que a acumulação de imensas reservas financeiras pelos capitalistas a partir da criação das máquinas e produção de manufaturas em larga escala ocasionou a extrema polarização da sociedade de classes. O comunista idealizou a “mais-valia”, procurando justificar onde estaria a apropriação exploratória pela burguesia sobre o proletariado.
O impacto econômico, chamado de “Estrutura” por Marx, seria tão intenso na vida do proletariado que saía dos campos fabris e passava para sua vida privada, derivando do campo econômico as condições políticas, sociais, cientificas, culturais, religiosas, etc., estas denominadas de “Superestrutura”.
O quarto elemento do marxismo decorre do “Socialismo Utópico Francês”. Com o processo de manufaturas inglês e as máquinas a vapor, tivemos profundas alterações na ordem econômica e social trabalhista na Europa. O êxodo rural às cidades foi intenso, num momento em que não existia nenhuma estrutura para receber a horda de mão de obra dos campos, o que ocasionou moradias indignas, salários baixos e enriquecimento dos industriais. Com a crescente progressão de miseráveis, diversos intelectuais passaram a defender uma sociedade mais justa e igualitária.
A teorização destas ideias foi chamada de “socialismo” (nasceu no final do séc. XVIII), sendo muito crítica dos efeitos sociais da Revolução Industrial. Na França os principais socialistas foram Saint-Simon e Charles Fourier, que, embora criticassem a ordem capitalista, não demonstraram o caminho pelo qual seria viável almejar a sociedade ideal. Não explicavam, no entender dos comunistas, como convencer os burgueses a aceitar as transformações teorizadas. Por isso foram chamados de “utópicos”.
Os marxistas acrescentaram então, ao método materialista-histórico-dialético, o fenômeno das condições sociais vivenciadas na Revolução Industrial, afirmando que a humanidade estava na iminência de um novo progresso evolutivo, num conflito de “tese” e “antítese” (dialética), que geraria a “síntese” ou o fim do capitalismo e o nascer comunista. Era a “situação revolucionária” de Marx. A revolução estava às portas.
Contrário ao “acordo associativo de classes” dos socialistas utópicos, Marx afirmava ser imprescindível uma revolução, cabendo aos teóricos conferir e instruir o proletariado e orientá-lo à organização. Tal revolução internacionalista deveria ser incessante, já que deveria aniquilar qualquer resquício de dominação de classe, destruindo tanto a “Estrutura” quanto a “Superestrutura”. A violência e até o terror deveriam ser praticados.
Com o desaparecimento da burguesia e a tomada de poder pelo proletariado, a propriedade privada, gênese do lucro e divisão de classes, deixaria de existir. O Estado passaria a dominar os meios de produção, passando a buscar a absoluta harmonia social, sem polarizações econômicas e tampouco pessoas com grandes riquezas. A paz e a igualdade reinariam na sociedade para sempre. É o paraíso na terra.
Note-se que Marx coloca o proletariado como figura messiânica, erigindo-o à categoria de classe redentora da humanidade, sendo uma entidade moralmente superior aos demais. Caberia ao proletariado fazer a revolução que levaria ao paraíso terrestre. Entretanto, antes da revolução, o proletário precisaria adquirir o saber doutrinário, que só poderia ser revelado através da prática (práxis). O conhecimento humano para Marx não era intelectual e sim prático, sendo preciso “agir no mundo”.
Neste momento, verificamos que Marx se coloca numa posição acima do proletariado, já que conhecia sem praticar, pois nunca desempenhou qualquer atividade proletária, sendo exclusivamente um intelectual burguês. Ele nunca desempenhou nenhum trabalho manual genuíno. Ele se põe, assim, numa posição de profeta.
Estamos entrando agora no aspecto religioso do marxismo.
É facilmente perceptível no marxismo a crítica ao status quo, apontando as desigualdades e injustiças terrenas do capitalismo. Os capitalistas não eram bondosos com os trabalhadores, explorando-os intensa e abertamente. Marx então passa a teorizar uma mudança do real para o ideal. Já o Cristianismo também atenta-se para uma corrupção terrena, decorrente do pecado humano na obra perfeita de Deus.
Marx descreve o operário como o homem perfeito, sem vícios, bondoso, justo, integro, misericordioso e solidário. Só ele detém o poder de transformar este mundo corrupto, trazendo paz e harmonia. O homem-proletário é intrinsecamente bom, mas se corrompeu a partir do ambiente capitalista de exploração. A “Estrutura” e a Superestrutura” de poder burguesas enjaularam o proletário, impedindo-o de agir, de mudar o mundo e trazer o paraíso comunista. No Cristianismo, a figura salvífica encontra-se no Nosso Senhor Jesus Cristo.
O comunismo é o paraíso marxista, em que os homens poderão partilhar os pães e peixes. O marxismo possui, assim, uma dimensão salvífica, dizendo-se detentor da fórmula mágica da felicidade humana. Ainda, com o argumento de que criaria a única doutrina para a explicação da História, erigindo-se numa posição de perfeição, que traria um estágio superior à humanidade, Marx se coloca num patamar de profeta. Já para o Cristianismo, o mundo é o porvir, o Paraíso Celestial.
Por fim, a Ditadura do Proletariado seria o período de transição entre a corrupção e o paraíso comunista, servindo para organizar os sistemas político, social e econômico e purgar os burgueses, que, obviamente, seriam exterminados, não podendo gozar da nova ordem celestial, ops, ordem social. Já o Cristianismo afirma que a nossa vida terrena é o período de transição para alcançarmos à Glória Celestial.
Resumidamente, claro, busquei demonstrar que o marxismo é uma religião secular, recheada de dogmas e defendida de forma devocional pelos seus adeptos, possuindo uma doutrina (materialista-histórico-dialético), uma ética (“o bom para a revolução”) e um método contendo os seus ritos para o paraíso. A cosmovisão também é apresentada através da luta de classes, explicando como o mundo se desenvolveu e como o mal dele se apoderou e oferecendo uma forma de salvação humana.
“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mateus 7:15). Quais foram os frutos produzidos pela seita marxista? “Por seus frutos os conhecereis”, diz Nosso Senhor Jesus Cristo. Então vamos a eles.
O marxismo foi responsável pelo maior morticínio jamais visto na humanidade. Na Rússia, Stálin determinou a execução de 168.300 clérigos ortodoxos, durante os expurgos de 1936 a 1938, somando, ao todo do regime, mais de 20 milhões de mortes. A Igreja Ortodoxa, que tinha 55 mil paróquias em 1914, passou a ter 500. Na China, principalmente no “Grande Salto para Frente”, dezenas de milhões de civis morreram de fome, sem contabilizar os “mortos da revolução”. O Camboja dizimou vinte por cento da sua própria população. Já Cuba foi responsável pela execução de milhares de pessoas.
Nem de longe, portanto, viu-se a situação de paz e harmonia profetizada pelo marxismo, só lamento e ranger de dentes. Em escala mundial o comunismo é responsável por 100 milhões de mortes – e certamente seus algozes responderão naquele dia em que os homens buscarão a morte, e não a acharão; e desejarão morrer, e a morte fugirá deles (Ap. 9:6). Afinal, diz a Bíblia, “Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, e eleitos, e fiéis” (Ap. 17:14).
*Lucas Gandolfe é advogado e jornalista.
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