Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal
Eu sempre tento fugir da desagradável postura de ficar policiando o liberalismo alheio. Acredito que o que vale mais aqui é a “autodeclaração”. O liberalismo é plural, como já disse em outras ocasiões. Ocorre que há aqueles que adoram se achar os donos do liberalismo e que dizem falar em nome de um liberalismo mais iluminado e consciente, o qual não admite que se rejeite o bolsonarismo. Para estes, me desculpem, sou obrigado a devolver a provocação: quem apoia incondicionalmente reacionário de carteirinha e longa data é que tem um liberalismo questionável.
Bolsonaro nunca foi liberal, isso é fato. Apologistas de ditaduras militares, da tortura, do terrorismo de estado (matar uns 30 mil), não podem ser considerados liberais. Se quiserem partir para a balela do “liberal na economia”, nem isso também, haja vista que Bolsonaro votou contra o Plano Real, defendeu o fuzilamento de presidente que fez privatizações, apoiou a famigerada e antiliberal greve dos caminhoneiros e quando, já pré-candidato à presidência, a Reforma da Previdência estava na boca do povo, no governo Temer, desfilou por aí atacando-a e agindo como o costumeiro sindicalista de milico que sempre foi, postura que manteve no seu governo ao desidratar sua própria reforma para beneficiar certas categorias. O grande “outsider”, que passou quase três décadas mamando na Câmara, sem nada contribuir de relevante, que no melhor estilo patrimonialista enfiou seus filhos na política, elegendo-os não por virtudes políticas, que nunca tiveram, mas por puro alinhamento com o discurso truculento e reacionário do pai, e agora se alia a gente como o Roberto Jefferson, só pode ser considerado “nova-política” por gente bitolada e cega.
Não obstante, há gente disposta a proferir a asneira de que Bolsonaro é liberal e que encarna uma espécie de liberalismo de vanguarda, que não pode ser compreendido por aqueles que seriam, seguindo essa lógica, falsos liberais. Isso mesmo, descartem todos aqueles que se dedicam há anos à causa da liberdade, mas que não comungam com a postura do biltre que ocupa a presidência, em benefício de um ex-deputado de baixo clero, reacionário e apologista da ditadura militar. Façam discursos apaixonados em nome da liberdade, atacando as medidas pontuais, temporárias e necessárias de isolamento social, ao mesmo passo que silenciam quando os pares defendem coisas como intervenção militar. Vão além e endossem e incitem manifestações de rua neste momento, manifestações estas que têm incorporado pautas antirrepublicanas e antidemocráticas, e depois, guiados pelo cinismo mais vexatório, se digam defensores da liberdade.
O problema de Bolsonaro não é só que ele é bronco ou que erra na forma. Fosse só isso, seria mais fácil de perdoar. Ocorre que ele também erra, e erra violentamente, no conteúdo. Os que dizem que a mídia se esforça para colar no presidente a imagem de defensor de coisas como o AI-5 ignoram que ele passou três décadas fazendo isso de livre e espontânea vontade, exibindo orgulhosamente em seu antigo gabinete na Câmara, só para citar um exemplo, as fotos dos cinco presidentes do Regime Militar.
Ainda que o isolamento vertical, defendido pelo presidente, fosse a melhor opção, ele estaria complemente errado na condução da pandemia. Eu fui um dos primeiros a publicar um artigo aqui no IL falando das consequências econômicas da pandemia, o que se denotava pelo título: “Precisamos encontrar um meio termo”. Defendia nesse artigo a inviabilidade de um lockdown, no sentido estrito do termo, que perdurasse meses, e defendia um caminho que não fosse a imunização de rebanho, mas que também preservasse um mínimo de atividade econômica. Poucos dias após a publicação desse artigo, que foi logo no início da pandemia e das medidas de isolamento, o presidente fez seu ridículo pronunciamento, atacando governadores e prefeitos, chamando o vírus de gripezinha e dizendo defender a economia. Eu sabia que a partir dali o debate estava contaminado. Dito e feito.
Bolsonaro construiu um muro, estabeleceu uma dicotomia intransponível entre lockdown e isolamento vertical, como se essas fossem as únicas opções. Seus asseclas, que nunca desapontam no alinhamento, prosseguiram com a militância pró-vírus, estimulados pelas lamentáveis imagens do presidente passeando por comércios locais, abraçando e apertando mãos, indo e estimulando manifestações, e fazendo provocações baratas, como dizer que faria um churrasco na mesma data em que o país ultrapassava 10 mil mortos. Acabou não fazendo o churrasco, preferiu ir andar de jet ski.
Bolsonaro e sua estupidez está no lado errado da história e com ele e seus asseclas ela será implacável. O debate entre isolamento versus economia, buscando um equilíbrio, precisava sim ser travado, mas a imprudência e fanatismo do presidente fizeram com que ele se tornasse inviável, transmutando-se em uma arena política e ideológica, arena essa onde defender medidas temporárias de isolamento, no contexto de uma pandemia, é ser socialista, mas idolatrar, e essa é a palavra, um político irresponsável e reacionário é ser liberal. Se o objetivo é que uma guinada liberal possa realmente ser possível no Brasil, o primeiro passo é abandonar o personalismo, não o adotar como modus operandi. Bolsonaro não é um presidente de vanguarda para o qual o Brasil não está preparado, ele é um irresponsável e inconsequente que não se coloca à altura do cargo para o qual foi eleito. O Brasil não merece a sua estupidez.
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