Lula já assumiu a pecha de jararaca antes. Agora foi a vez de Ciro Gomes, seu desafeto, chama-lo de "encantador de serpentes". Ciro deu as declarações à imprensa ao chegar a uma palestra para alunos da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), na região central de São Paulo. "O Lula é um encantador de serpentes. Eu o conheço muito de perto, há mais de 30 anos", descreveu.
"Ele está fazendo de conta que é candidato, como se ele tivesse sido inocentado", disse o pedetista nesta segunda-feira. Ciro afirmou que Lula historicamente adota "a presunção de que as pessoas são ignorantes" e de que ele pode "navegar nisso" com base em intrigas e na "absoluta falta de escrúpulo que o caracteriza".
"E é lamentável, porque agora o mal que ele faz ao Brasil é muito grave, muito extenso", sentenciou o ex-ministro da Integração Nacional no governo Lula, entre 2003 e 2006. Seria um caso de despertar tardio? Pouco provável. Hipótese mais crível é o puro oportunismo mesmo, de quem pretende se colocar como uma alternativa à polarização entre PT e Bolsonaro.
Tanto que Ciro já até tece alguns elogios ao atual presidente, reconhecendo seus méritos em relação ao petista: "Constrangedoramente, o Bolsonaro está pagando a menor taxa de juros da história da Selic e o Lula pagou as maiores". E afastou qualquer possibilidade de se reaproximar de Lula: "Eu não quero mais andar com o lulopetismo corrupto nem para ir para o céu. Prefiro amargar mais alguns dias, meses ou anos no purgatório do que ter de engolir o que eu já engoli por 20 anos".
Ciro se vendeu ainda como um republicano defensor das instituições e contra caudilhos personalistas: "O caminho é banir a ilusão caudilhesca, personalista, culto à personalidade. Está aí o problema da Bolívia". Quando o repórter do GLOBO pressionou, perguntando se não havia uma contradição entre esse discurso e sua trajetória, Ciro rebateu:
Não é mesmo. Veja o que está acontecendo no Ceará. Eu sou caudilho? Nunca quis ser reeleito. Nunca perdi uma eleição no Ceará. Tenho uma aliança de 20 partidos. Hoje o PT governa com meu apoio. Lá tem um plano sendo implatado. Aos 36 anos, era o governador mais popular do país, larguei tudo e fui para a universidade. Sou igual ao Lula? De 1989 para cá o Lula é uma figura central. O lulopetismo virou uma bola de chumbo amarrando o Brasil ao passado.
Quem quiser comprar esse discurso é livre para fazê-lo, mas é recomendável doses cavalares de ceticismo. Ciro passou por tantos partidos quanto Bolsonaro, sempre adotou postura personalista, arrogante, e no Ceará o povo conhece melhor suas inclinações caudilhescas.
Mas o homem não pode ser subestimado. Se Lula é uma jararaca, Ciro talvez seja uma cascavel ou uma cobra coral. Mas ambos são da mesma espécie de réptil hábil, sorrateiro, venenoso. Ou seja, um perigo! E estão apenas disputando o território político à esquerda. Vai ser interessante acompanhar essa briga nesse ninho de cobras, uma vez que os dois contam com a simpatia de muitas serpentes.
O "encantador de asnos", por exemplo, está doido para sair candidato com discurso populista de esquerda, posando de economista sério, e tem bajulado tanto Lula como Ciro. Em algum momento essa turma terá de escolher, pois realmente parece que qualquer chance de união está descartada. É a autofagia da esquerda, ou melhor: o ouroboros, aquele que devora a própria cauda.
O Brasil agradece se a esquerda jurássica brigar entre si e sair enfraquecida. Seremos um país mais avançado no dia em que o representante da esquerda no espectro político for alguém como Luciano Huck ou Eduardo Jorge, não essa turma sindicalista, autoritária e demagógica.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS