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Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal
Para a sorte dos paulistanos, Guilherme Boulos (PSOL) não será seu novo prefeito. Para a sorte dos porto-alegrenses, Manuela D’Ávilla (PCdoB) também foi derrotada na capital gaúcha. Os belenenses, infelizmente, não tiveram tal sorte: pelos próximos anos, serão governados por um psolista. É natural que, passado o primeiro turno na maior parte dos municípios brasileiros, a atenção se volte para o segundo turno das capitais mais famosas, atenção que muitas vezes não cessa com o resultado do pleito – é comum que as pessoas em todo o Brasil saibam nomear o prefeito de São Paulo e do Rio de Janeiro. Se a prefeitura de São Paulo já é assunto de atenção nacional, neste ano tal fato foi fortalecido pela possibilidade de a maior cidade do país vir a ser governada por um prefeito do PSOL, partido que, como todos devem saber, surgiu de um racha radical do PT.
Julgo desnecessário falar sobre o porquê de partidos como PSOL e PCdoB serem péssimos; vou me concentrar, antes de tudo, em outro fato: em como diversos setores da opinião pública (imprensa, intelectuais, acadêmicos, celebridades, etc.) lidou e lida com candidaturas radicais de esquerda.
Vou começar dizendo o óbvio, que tantas vezes já disse: tanto a extrema-esquerda quanto a extrema-direita são reais, maléficas e inimigas da liberdade. Com isso não digo que sejam equivalentes, embora em muitos pontos se pareçam e até se igualem. Há um fato, no entanto, que costuma distinguir os dois espectros. A extrema-direita costuma ser mais sincera e direta em seu radicalismo, ou ao menos dela temos essa impressão. Sim, é verdade que em parte isso é resultado do maior destaque dado ao radicalismo de direita, mas também me parece ser notória a falta de cerimônia com que partem para a truculência, que costumam usar como meio de sinalização ideológica. Exemplo recente disso é Jair Bolsonaro, então deputado federal, dedicando seu voto no impeachment de Dilma ao coronel Brilhante Ustra. Havia junto com Bolsonaro na Câmara diversos políticos que apoiam ditaduras de esquerda, as quais também praticavam/praticam a tortura, mas, apesar de não mascararem tal apoio, não se vê nenhum deles falando abertamente que endossam a tortura – ainda que endossem – como Bolsonaro já falou.
A extrema-esquerda é mais cínica e dissimulada, mesmo quando defende, sem titubear, as ditaduras mais sangrentas. Enquanto a extrema-direita muitas vezes nem precisa ser muito extrema para “chocar” a opinião pública, a extrema-esquerda, que defende a mesma sorte de barbaridades, por vezes até piores, recebe não apenas o silêncio, mas mesmo o apoio de certos setores progressistas, em especial dentro da imprensa, que se devotam a “amaciar” a imagem do radicalismo canhoto. Nesse sentido, embora o radicalismo destro seja igualmente detestável, acredito que o de esquerda pode ser mais perigoso, no sentido de que consegue melhor se passar por cordeiro, mesmo sendo lobo. O extremista de direita parece ser mais facilmente tomado pela emoção ao balbuciar o seu ódio, se esforça pouco ou não é bem-sucedido em ocultar o que tem de pior, ao passo que o extremista de esquerda com frequência consegue “passar pano” para a ideologia mais sanguinária do século XX com um sorriso no rosto, arrancando ainda ao final gritos de êxtase de jovens ingênuos e adultos patéticos.
Invoco novamente o exemplo do atual presidente da República, que passou anos copiosamente associando a sua imagem com a defesa da ditadura militar – as fotos dos cinco presidentes do regime na parede de seu gabinete na Câmara ilustram bem isso. Trata-se de algo indefensável e toda a crítica que se devota a Bolsonaro em função disso não me parece em nada descabida. Segue o fato, porém, sem que isso o desculpe, de que defendia uma ditadura morta. Partidos como o PT, PSOL e PCdoB com frequência defendem ditaduras contemporâneas. Não se trata de conjectura com base nas ideologias destes partidos; é fato mesmo, fato facilmente auferido nos sites e páginas oficiais destas legendas. Não é realmente um acinte ver alguém como Guilherme Boulos falar que a governo da Venezuela que, de acordo com a ONU, foi responsável só em 2019 pelo assassinato de 5.287 pessoas, número doze vezes maior do que o total de mortos e desaparecidos para toda a ditadura militar brasileira, segundo a Comissão Nacional da Verdade, é uma democracia?
Cabe refletir sobre o porquê de a extrema-esquerda, a despeito da clareza do seu radicalismo e autoritarismo, não causar perante parte considerável da opinião pública o mesmo repúdio que causa a extrema-direita. Acredito que o fator que melhor explica isso é o apelo ao “social”. Aponte para qualquer barbaridade defendida por um radical de esquerda e receberás como resposta a justificativa de que é em nome dos desfavorecidos e que você, por não enxergar isso, é um neoliberal turbotecnomachonazifascista – citando aqui uma dessas expressões exóticas cunhada por alguém desta militância igualmente exótica e delirante. É aí que a retórica se mistura com o identitarismo, que bem serve aos propósitos dos socialistas bem alimentados do Leblon, carentes que são de oprimidos para defender e sabedores do anacronismo da pregação para o operariado.
Convencesse esse apelo social apenas adolescentes, ávidos para mudar o mundo, mas, usualmente, carentes de maturidade política, e poderíamos relevar a coisa, afinal, parafraseando outra frase célebre, há sempre tempo para se ter coração, desde que a hora de se ter cérebro chegue. A hora de ter cérebro é aquela em que percebemos que rejeitar as formas de extremismo, incluindo o socialismo, é precisamente algo para quem tem coração, uma vez que esse – levando em conta a sua conotação romântica e popular e não aquela real, a de bombear sangue – não comporta carnificina, opressão e o sequestro das liberdades e dignidades mais básicas. Ocorre que, se os jovens podem ser escusados pela ingenuidade e educação, convenhamos, doutrinária e enviesada que com frequência recebem – algo explícito no desconhecimento em massa que nosso povo tem em relação aos horrores do socialismo, quando comparados aos horrores que conhecem do nazismo/fascismo – aqueles que realmente dão palco para os “radicais do lado certo” são adultos, picaretas e que sabem muito bem o que estão defendendo.
Exemplo claro disso foi o tratamento notoriamente enviesado com que certos setores da grande mídia – não todos, houve editoriais em nome da racionalidade – trataram os “queridinhos” do momento. As investidas de apoio podem até ter soado sutis aos não habituados com o cinismo das entrelinhas. Os radicais do “lado errado” são tudo, ultraconservadores, reacionários, extremistas, ao passo que ressaltam-se as qualidades condizentes com a “militância social” dos extremistas do bem.
Para a direita brasileira, e me refiro à direita verdadeiramente democrática, ficam algumas lições. A primeira é que a direita está sim certa ao apontar com frequência as mazelas das ditaduras socialistas, extintas ou contemporâneas. Como disse acima, a sociedade tem parco conhecimento do terror vermelho, o que pode em grande parte ser atribuído a uma má vontade de uma grade curricular que dá foco exclusivo ao nazismo/fascismo e de professores militantes. Também está certa ao apontar a irracionalidade econômica e o preço que esta, cedo ou tarde, cobra. Por outro lado, devemos tomar o cuidado de não cair em conspiracionismos. Nada faz tão mal ao combate à ideologia socialista do que essa prática, tão popularizada por bolsonaristas, de adjetivar como comunista todos os que deles discordem.
As urnas também nos comunicaram algo muito importante. Tanto o petismo quanto o bolsonarismo saíram encolhidos da disputa. Vejo o encolhimento simultâneo destas duas forças políticas como algo extremamente positivo. Por outro lado, mesmo Boulos e Manuela tendo perdido, não deixa de ser algo a ser considerado o fato de terem chegado ao segundo turno. Além disso, partidos ligados ao chamado “Centrão” foram os grandes vitoriosos nessa eleição. Para fazer frente a isso, a direita brasileira deve se afastar do radicalismo rejeitado nas urnas e se apegar mais a valores e princípios do que a políticos. Uma das maiores falhas da direita brasileira foi, quando em sua ascensão ao poder, ter passado a incorporar o personalismo mais tacanho, mal este tão enraizado em nossa tradição política.
O encolhimento do bolsonarismo e do petismo parece ser uma tendência contínua, mas, se não queremos que isso signifique um mero retorno aos personagens fisiológicos de sempre, devemos nos libertar dos vícios do personalismo e, devo também dizer, do economicismo. Não basta rejeitar o socialismo porque este indubitavelmente leva à miséria e é economicamente irracional; é preciso também rejeitá-lo porque é desumano e antidemocrático. Precisamos também saber comunicar melhor para as camadas mais pobres da população porque podemos oferecer uma alternativa melhor a problemas sociais complexos do que populistas fiscais e contadores de fábulas que propõem até contratar mais servidores para combater o déficit previdenciário.