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Por Vinicius Montgomery, publicado pelo Instituto Liberal
Que 2020 está sendo um ano divergente, não é mais novidade para ninguém. A pandemia do coronavírus acometeu dezenas de milhões mundo afora, desarticulou a produção e modificou as relações interpessoais até entre familiares. Lamentavelmente quase 2 milhões de vidas se perderam, ante a rapidez do contágio e as complicações respiratórias da doença. Contudo, apesar da mobilização da comunidade científica internacional em um notável esforço para compreender e neutralizar o inimigo traiçoeiro e microscópico, o vírus continua fazendo vítimas e produzindo estragos. Paira no ar a desagradável sensação de vulnerabilidade frente a acontecimentos tão adversos e inexoráveis.
Assim, em meio às dissensões e críticas de manipulação política da doença, diversas medidas preventivas foram recomendadas pelas autoridades, como o distanciamento social e o uso de equipamentos de proteção individual. Entretanto, as deliberações mais controversas do poder público são aquelas de caráter coercitivo e de eficácia duvidosa – sem comprovação científica definitiva -, que causam enormes impactos econômicos, como os lockdowns. O economista Jeffrey Tucker afirma que medidas arbitrárias como limitar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais e classificar as atividades econômicas em essenciais ou triviais são as grandes responsáveis pela falência de milhares de empresas, pelo desemprego recorde e pela crise econômica sem precedentes, ora em curso.
Para Tucker, os arroubos autoritários dos governantes não passam de um indisfarçável experimento de controle social, com elevado preço, ainda a pagar. Rachewsky ratifica esse ponto de vista ao alegar que não é possível cancelar a ética da responsabilidade individual impunemente. No fundo, a duvidosa ação estatal confirma que toda forma de poder torna irresistível a tentação humana de querer controlar o mundo. Deslize típico da psiquê imatura, imortalizado nos acordes da canção everybody wants to rule the world da banda britânica Tears for Fears.
Se esse flagelo é incisivo em economias organizadas e desenvolvidas, muito maiores são os contratempos causados nos países complexos e de ambiente institucional conturbado como o Brasil. A Constituição de 1988 é um verdadeiro presente de grego para o seu futuro, leitor, urdido por políticos progressistas e pelo estamento burocrático, sempre ciosos de seu dever de reescrever a história, mas, dessa vez, sem as falhas cometidas pelo Todo-poderoso. Piada, claro. Além de aniquilar todas as possibilidades de modernização da estrutura produtiva, por punir a livre iniciativa, a assunção de riscos empreendedoriais e o fracionamento colaborativo da atividade produtiva, a Carta Magna cristaliza privilégios em favor da administração pública. Enquanto isso, seus defensores, nada isentos, insistem em proclamar que só o Estado é capaz de distribuir renda de forma justa. Quanto embuste! Com toda essa empáfia, o ordenamento jurídico brasileiro ainda santifica o dirigismo estatal como única opção de governança.
Evidente que, sendo assim, o poder da concorrência de baixar preços, gerar riqueza, multiplicar a produtividade e fomentar inovações é solenemente ignorado. Isso é tão descabido que torna plausível questionar se o objetivo da Constituição foi direcionar o país para o caminho da prosperidade ou seu exato oposto. Como saber? O fato é que nem os muitos exemplos externos parecem sensibilizar os ocupantes do poder. Países que desfrutam de um mínimo de liberdade, ainda que com restrições, caso da China, não mais se mantêm inertes. A transformação é incontestável. Nos demais, todo esforço produtivo parece inútil e nem o tempo é capaz de aliviar a dureza da carestia, o que é uma situação típica da servidão dos regimes totalitaristas.
Infelizmente uma porção significativa dos brasileiros ainda idolatra o deus Estado e se encanta pelo nacionalismo antiquado. Não conseguem compreender que, ao contrário do que parece, essa divindade é um lobo em pele de cordeiro, pronto a devorar, por anos a fio, o fruto de seu trabalho. Segundo dados do Ministério da Economia, nos últimos 5 anos, o Tesouro Nacional desembolsou R$ 71 bilhões para socorrer empresas estatais. São recursos apropriados do setor produtivo, canalizados, em grande parte, diretamente para as contas de funcionários; muitos dos quais nada empenhados em honrar seus provedores com serviços adequados. Mudar a gestão dessas empresas tampouco resolve. O problema é sistêmico e recorrente, sempre nutrido pela cultura do patrimonialismo e pela estabilidade no emprego. Assim, enquanto todos se apertam para se ajustar à dureza da atual conjuntura, o setor público segue incólume, como se os recursos fossem ilimitados. A realidade é que, sem conseguir se recuperar da crise de 2015-2016, o Brasil permanece com desemprego elevado e atividade econômica patinando. Enquanto isso, a classe política não manifesta urgência alguma em reverter esse quadro tão decepcionante. Claro, não sentem as dores do cidadão comum. Aliás, para a maioria deles, a trajetória em aclive da gastança pública não tem qualquer relação com a astenia econômica. Os números, porém, não mentem. Enquanto as despesas correntes do governo federal avançam, a renda per capita permanece estagnada.
Na atualidade, as transferências para estados e municípios, os subsídios e outras despesas obrigatórias como salários do funcionalismo e benefícios previdenciários e assistenciais consomem todo o orçamento público federal. Assim, mesmo com uma tributação que onera o setor produtivo em mais de 40% da produção, o resultado fiscal ainda é deficitário. Qualquer outra organização em situação semelhante estaria arruinada, pois a lógica do resultado é implacável. Contudo, para a máquina estatal, a ruína não costuma ocorrer imediatamente, embora em um prazo mais longo ela seja possível. No caso brasileiro, entretanto, a ruptura parece estar muito próxima. Não é possível continuar aumentando a tributação e o endividamento público sem arruinar ainda mais a atividade produtiva. O setor público não pode desprezar a racionalidade no uso de recursos, como se habitasse outra dimensão. Essa insensatez tem cobrado um alto preço de muitas gerações. A média de crescimento da economia brasileira nos últimos 40 anos é inferior a 2% ao ano, com piora significativa a partir de 2010. Desse modo, a pandemia do Coronavírus apenas acrescentou dramaticidade a um problema que já existia. Com o lockdown e a concessão de mais benefícios assistenciais, a expectativa é que o déficit nominal de 2020 ultrapasse 14% do PIB, com a dívida pública alcançando 94,4% do PIB.
Diante da gravidade desse quadro, que alternativas restam para evitar o total colapso da economia brasileira? Apesar da enorme resistência dos beneficiários do Estado gigante, a desestatização e a simplificação do ambiente de negócios certamente renovariam as esperanças de um país melhor. Para tanto, é urgente uma reforma na legislação que reduza a insegurança jurídica e simplifique a burocracia, de forma a estimular investimentos na produção. O elevado custo Brasil e a onipresença estatal são obstáculos quase intransponíveis no caminho do desenvolvimento do país. Logo, privatizar empresas estatais é uma estratégia inteligente para elevar a eficiência da economia e reduzir o déficit fiscal. A transferência do controle dessas empresas traria receitas que poderiam ser utilizadas na amortização de parte da dívida pública, além de reduzir os gastos correspondentes à manutenção das mesmas. Ademais, esse tipo de transação normalmente exige investimentos do comprador para que se obtenham os retornos esperados com os ativos comprados. Esses investimentos resultam em aumento de produção e de empregos, que por sua vez elevam a receita tributária.
Outras vantagens nem sempre visíveis da privatização são o aumento da oferta de bens e a constante evolução dos produtos comercializados, em favor do consumidor final. Ou seja, vender ativos públicos não significa entregar riqueza do país a estrangeiros ou a capitalistas exploradores como os estatistas costumam esbravejar. A privatização elimina privilégios de dirigentes e funcionários bem remunerados, aumenta a eficiência e a inovação, gera novos negócios e parcerias, acrescenta novos empregos e contribui para a redução dos gastos públicos. Outros benefícios da privatização são a limitação das possibilidades de corrupção e o aumento do dinamismo econômico conferido pela concorrência entre empresas. Em suma, a alienação das estatais, aliada à concessão de obras de infraestrutura à iniciativa privada, teria a capacidade de gerar milhares de empregos, além de reduzir o custo logístico, obstáculo substancial à competitividade e à sobrevivência das empresas brasileiras.
Assim, diante de décadas de economia estagnada, de patrimonialismo e de endividamento crescente, a desestatização aparece como alternativa para evitar a ruína. O choque de competitividade que a restrição da influência estatal produz é capaz de realocar a economia do país no ciclo de prosperidade, onde o aumento de produção multiplica a geração de empregos e de renda, que redunda em mais consumo, mais investimentos e, portanto, mais produção. A conversão do modelo de governança de predomínio estatal para aquele assentado na liberdade de iniciativa e no protagonismo de empresas que visam ao lucro é a única capaz de romper a armadilha do baixo crescimento e alavancar o desenvolvimento do país. Logo, se os brasileiros desejam superar as agruras da falta de empregos, da renda insuficiente, dos projetos inexequíveis, dos privilégios abomináveis e da servidão estatal, que perduram por tanto tempo, vão precisar se posicionar, daqui para frente, de forma enérgica contra a ação centralizada do poder estatal, em favor de mais liberdade de ação.