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Sou fã dos filmes da Marvel, em especial os dos Avengers. Prefiro os primeiros, e confesso não apreciar tanto assim os mais recentes, tanto do Homem Aranha como do Dr. Strange, com muito salto quântico temporal para forçar a barra. Os Guardiões da Galáxia eu já ignorava por completo, confesso. Mas acabei dando uma chance, vi o primeiro, depois vi o segundo e finalmente fui ao cinema ver o terceiro. Gostei bastante.

Para começo de conversa, pelo que esses filmes se propõem a oferecer: entretenimento com muito efeito especial. Eu vi em 3D, e há cenas espetaculares de lutas, de guerras espaciais e de monstros criativos. O filme é longo, mesmo assim prendeu a minha atenção, em parte por essa produção de primeira. Mas não só isso...

Não gosto de ficar filosofando muito em cima de filmes de heróis, mas a mensagem deste terceiro Guardião é muito boa. Chris Patt, um ator cristão assumido em uma secular Hollywood, protagoniza um filme com mensagem e estética claramente cristãs. Há uma cena inclusive copiada de A Criação de Adão, de Michelangelo. Todos merecem uma segunda chance, o perdão para um arrependimento sincero, e o perdoado salvo acaba dando a vida pelo nosso herói nessa bela tomada de cena.

O amor, a amizade, a busca por pertencimento e pelas origens, pela família, tudo isso consta no filme como pano de fundo essencial. Há salvação, mas também há um propósito para cada um de nós nesta vida, e devemos buscá-lo, dando o melhor de nós, criaturas imperfeitas e pecadoras.

Nem todos aceitam essa fragilidade, essa imperfeição. Em especial quem, por algum motivo, odeia a si mesmo e o mundo por tabela. É o caso de nosso vilão poderoso, mas arrogante. “Deus não existe, por isso eu tive que entrar em campo”, berra ele em determinado momento. Sempre justificando seus experimentos como a busca da utopia, da perfeição, aquele que tenta substituir Deus se mostra um hipócrita, como todo totalitário: alega mirar na criação de seres pacíficos e perfeitos, mas mantém um exército de soldados obedientes e agressivos. E quando o experimento não dá certo, ele simplesmente elimina toda uma civilização, por ser imperfeita.

Trata-se de uma mistura de Gattaca, filme de 1997 com Ethan Hawke, Admirável Mundo Novo de Huxley e A Ilha do Doutor Moreau, de H.G. Wells. Toda utopia busca uma fuga desesperada para a realidade imperfeita, no afã de evitar sofrimento, dor, decepção, morte. Mas acaba apenas criando um inferno. Já resenhei o filme Gattaca, usando como base a visão eugenista de gente como Peter Singer. O utilitarista defensor do direito dos animais não enxerga nada de sagrado na vida humana, e aqui começa sua crucial diferença para o cristianismo, que aceita o homem como ele é, vítima do pecado original, imperfeito, mas feito à imagem e semelhança de Deus (Imago Dei).

Quando resenhei o livro Contra a Perfeição, de Michael Sandel, falei desse impulso prometeico, da engenharia genética e da arrogância humana de tentar roubar o fogo dos deuses, substituir Deus. Programar filhos “perfeitos”, querer remodelar toda a natureza humana, é algo sempre muito perigoso. Para Sandel, parte da razão estaria na perda da dignidade humana, da “diminuição da importância da pessoa melhorada no feito que ela realiza”. Esse não é o principal problema para o filósofo, entretanto. Mais relevante seria “a aspiração prometeica de remodelar a natureza, incluindo a natureza humana, para servir a nossos propósitos e satisfazer nossos desejos”.

É esse impulso ao domínio completo que tanto incomoda Sandel. Para ele, isso poderia destruir “a valorização do caráter de dádiva que existe nas potências e conquistas humanas”. Não é preciso aderir a uma metafísica religiosa para valorizar esse aspecto de nossas vidas, que nos impõe maior humildade diante dos imprevistos. Mas claramente esse é um legado cristão.

Outro ponto importante para Sandel diz respeito ao amor incondicional aos nossos filhos, que estaria em xeque em um mundo onde tudo fosse programável. “Valorizar os filhos como dádivas é aceitá-los como são, e não vê-los como objetos projetados por nós, ou produtos de nossa vontade, ou instrumentos de nossa ambição”, diz.

Lutar e se esforçar para garantir o melhor ambiente e a melhor educação para os filhos é, sem dúvida, louvável. Mas quando o investimento na educação em prol do futuro dos filhos deixa de ser isso e passa a ser pura eugenia? Sandel crê que “o impulso de banir a contingência e dominar o mistério do nascimento apequena os pais projetistas e corrompe a experiência da paternidade enquanto prática social governada por preceitos de amor incondicional”.Sandel nos oferece uma sugestão: “Em vez de empregar nossos novos conhecimentos genéticos para endireitar ‘a madeira torta da humanidade’, deveríamos fazer o possível para criar arranjos políticos e sociais mais tolerantes com as dádivas e limitações dos seres humanos imperfeitos”.

Essa mensagem é a síntese do novo filme dos Guardiões da Galáxia. Cada um tem sua característica, sua qualidade, sua contribuição a oferecer, e suas limitações. Em vez de fugir dessa realidade, de nossas origens, que tal aceitá-las e tentar fazer o melhor delas? O Rocket, personagem central neste filme, acaba descobrindo que sim, ele é um “racoon”. E isso não precisa ser algo terrível. São suas atitudes que fazem de você um vilão ou um herói. Mesmo que você tenha nascido um simples racoon, você ainda pode ser um dos guardiões da galáxia, até mesmo seu capitão!

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