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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

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O professor Ricardo Vélez Rodríguez me presenteou generosamente com seu lançamento de 2019, Pensadores portugueses – séculos XIX e XX, pela Editora Revista Aeronáutica. O trabalho reúne ensaios sobre a vida e obra de sete importantes pensadores lusitanos, extraídos de publicações avulsas e reunidos para oferecer um quadro sintético e, ao mesmo tempo, abrangente das preocupações filosóficas e teóricas dos autores daquele país no período apontado.

O livro do professor, como sempre oferecendo um tratamento profundo e respeitoso dos intelectuais abordados, à revelia de suas diferentes linhas de pensamento, partindo do método próprio de seu mestre Antonio Paim de estudá-los com base nos problemas com que se defrontaram, demonstra uma filosofia portuguesa marcada pelo lirismo, pelo relacionamento de seus pensadores com o misticismo, com as especulações morais e a metafísica, mas também com o problema da liberdade.

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Entre os autores apresentados por Vélez, estão Antonio Braz Teixeira (1936), que tem atuado no diálogo intercultural entre Brasil e Portugal, fundando o Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, que procura meditar sobre a existência de uma filosofia nacional portuguesa mediante o entendimento de que as questões universais também se manifestam através de uma linguagem específica em cada cultura, além de oferecer contribuições na área da filosofia do Direito; Eduardo Abranches de Soveral (1927-2003), que “elaborou uma antropologia filosófica com rigorosa base metafísica, mas levando em consideração a vivência humana”; e Antero de Quental (1842-1891), socialista, protagonista das famosas Conferências do Casino da geração de pensadores questionadores dos anos 70 do século XIX e preocupado em compreender o pensamento moderno.

Os quatro últimos, porém, nos interessam particularmente porque são quatro notáveis liberais portugueses, de estirpes distintas, o que pode enriquecer os estudos e reflexões sobre a pluralidade do pensamento liberal e o diálogo que o liberalismo português, especificamente, pode travar com o liberalismo brasileiro. O que os caracteriza coletivamente é a rejeição de todos à continuidade dos figurinos do absolutismo monárquico ou da monarquia puramente tradicional, como se prefira chamar.

O primeiro deles é um nome poderoso do patrimônio português aos tempos do Romantismo: Alexandre Herculano (1810-1877), identificado com o Partido Cartista, inimigo do absolutismo do irmão de D. Pedro I (para os portugueses, D. Pedro IV), D. Miguel, além de escritor, jornalista e historiador de enorme impacto. No pensamento de Herculano, Vélez identifica matrizes como o liberalismo de Madame de Staël e o liberalismo doutrinário de François Guizot, o espiritualismo de Royer-Collard e Victor Cousin e a ideia de progresso de Vico e Savigny, bem como o chamado “cristianismo liberal” de Lamennais – ou seja, uma vasta gama de correntes que vicejavam na França do século XIX. Como Guizot, Herculano era um “liberal moderado”, avesso ao radicalismo que autores como Antonio Paim e o próprio Vélez chamam de “democratismo”.

Defensor contumaz da liberdade de imprensa, Herculano era um profundo crítico do patrimonialismo português, definido pela consolidação naquela sociedade do “exercício do poder como bem particular e hereditário do príncipe”, realidade fortalecida pelo intercâmbio cultural com os muçulmanos durante os confrontos na Península Ibérica e que, para além do monarca em si, se estendeu a toda uma burocracia que não era racional como a de outras nações, mas marcada pela pessoalidade e pela troca de favores – toda essa estrutura e todo esse modo de ser surgindo em oposição ao antigo direito visigótico que influenciou os ibéricos e subordinava a posição do monarca à “eleição nacional”. Bebendo das fontes de Max Weber e Karl Wittfogel, Vélez enxerga nessas sociedades patrimonialistas, onde não houve experiência completa do feudalismo ou influência direta via colonização britânica do liberalismo anglo-saxão, um Estado que surge mais forte que a sociedade, “a partir da hipertrofia de um poder patriarcal”. O tema dessas duas tradições que sobreviveram na alma portuguesa, em relacionamento conflituoso e constante – a patrimonialista e a mais libertária do direito visigótico –, reaparece ao longo do livro por ser retomado pelos diversos autores estudados por Vélez.

Alexandre Herculano, ao mesmo tempo em que virulentamente endereçou essas críticas e contestou o apelo à autoridade papal para justificar o absolutismo, valorizava a presença de um fundamento moral cristão como alicerce da liberdade e “suporte da sociedade civilizada”. Acreditava, além disso, na ação da Providência Divina por detrás da História, inclusive em direção às conquistas liberais, como um imperativo moral.

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Foi, como em geral Victor Hugo definiria os liberais doutrinários franceses, um representante do liberalismo conservador, que rejeita ao mesmo tempo o tradicionalismo antiliberal e o liberalismo revolucionário ou o democratismo rousseauniano, apostando na formalização de instituições sólidas que garantam as liberdades. “Herculano considera que para garantir a liberdade do sistema representativo, o regime mais consentâneo é o governo parlamentar. Além disso, é necessário defender constantemente a imprensa e zelar pela pureza do sistema eleitoral”, explica o professor Vélez.

Em seguida, o professor aborda Fidelino de Figueiredo (1888-1987), influenciado pelo espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936). Esse pensador também manteve ligações com a intelectualidade brasileira e, na visão de Vélez, sua “concepção um pouco conservadora do liberalismo político” o coloca em posição parecida com a de Alexandre Herculano. Lutou em 1927 contra o regime da chamada “Ditadura Nacional”, um governo militar autoritário surgido de uma eleição direta.

O nome mais importante no livro para os brasileiros, porém, e sem dúvida o ensaio mais interessante para nós, é o de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Liderança do governo de D. João VI, influenciado pelo franco-suíço Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e autor do Manual do cidadão em um governo representativo, Pinheiro Ferreira já foi apontado pelo professor Antonio Paim em seu História do Liberalismo Brasileiro como o primordial influenciador teórico das instituições do Império Brasileiro, influenciando a teoria representativa que vigorou por décadas, especialmente no Segundo Reinado de D. Pedro II. O Poder Neutro de Constant se “transformou” no famoso Poder Moderador da Constituição brasileira de 1824, exercido de forma tão dedicada por nosso segundo imperador, através da ponte estabelecida pelo conceito de Poder Conservador na obra de Pinheiro Ferreira.

Especialmente a partir da hegemonia dos liberais conservadores ou saquaremas no Brasil, na fase do chamado “Regresso”, que podou aspectos descentralizadores do período regencial, a teoria de Silvestre Pinheiro orientou o enraizamento da ideia de que o sistema representativo precisa abrigar os diversos interesses da sociedade, devidamente organizados para um diálogo que substitua o conflito armado. Sua obra teria feito, no Brasil, um esforço de aproximação com os aspectos mais “libertários” da tradição portuguesa, de origem visigótica, materializados na antiga vitalidade das câmaras municipais.

Um dos maiores problemas para os brasileiros, na visão de autores como Vélez e Paim, está em que a geração republicana, após o golpe de 1889, abandonou em boa medida a influência teórica de Silvestre Pinheiro em prol de uma base positivista de pensamento, avessa à representação dos interesses. Isso enfraqueceu o esforço de construção de um regime representativo mais sólido e, somado à influência militar na vida política, levou a República a ser o que ela terminou sendo. “O Império do Brasil e as instituições do governo representativo que lhe eram inerentes constituíram-se a partir de nova concepção do Estado, no terreno do direito constitucional, sob a inspiração de Constant de Rebecque e dos doutrinários como Guizot. Essa concepção, no entanto, como destacou Silvestre Pinheiro Ferreira, não era alheia à cultura luso-brasileira, porquanto retomou a tradição de defesa da liberdade presente no antigo direito visigótico, sem contudo esbarrar no extremo do democratismo”, conclui Vélez em artigo fundamental e extremamente elucidativo para brasileiros e portugueses.

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Há lugar ainda, finalmente, para um ensaio sobre José Pereira de Sampaio Bruno (1857-1915), apontado por Vélez como, “sem lugar a dúvidas, o mais importante pensador heterodoxo português”. Influenciado pelo misticismo, pela Cabala e pelo gnosticismo, Sampaio Bruno era também mais simpático à Revolução Francesa e ao republicanismo francês, ao contrário dos nomes anteriores. Não obstante um militante ardoroso da República em Portugal, ele era também um veemente crítico do Positivismo, interessando-nos particularmente sua crítica à influência dessa filosofia antiliberal sobre a República brasileira e o caráter oligárquico e “caciquista” do regime da nossa República Velha.

O livro do professor Ricardo Vélez é mais uma valiosa contribuição para o acesso dos brasileiros à filosofia e, em especial, à alma filosófica da pátria de nossos forjadores. Para os liberais brasileiros, oferece contato introdutório com suas contrapartes históricas portuguesas, que lidaram com problemas semelhantes e ajudam a iluminar nossos próprios sucessos e insucessos e nossos mais longevos dilemas.